Hunger Games 1 -
The Hunger Games
de Suzanne Collins
PARTE 1
Os tributos
1
Quando eu acordo, o outro lado da cama está frio. Meus dedos
se esticam, procurando o calor de Prim mas encontrando apenas a áspera lona que
cobre o colchão. Ela deve ter tido sonhos ruins e subido com a nossa mãe. É
claro que ela subiu. Esse é o dia da colheita.
Eu me apoio em um
cotovelo. Há luz bastante no quarto para vê-las. Minha irmã pequena, Prim,
enroscada do seu lado, embrulhada no corpo da minha mãe, suas bochechas
pressionadas juntas. No sono, minha mãe parece mais jovem, ainda que cansada
mas não deprimida. A face de Prim é fresca como uma gota de chuva, tão linda
quanto a prímula cujo nome a ela foi dado. Minha mãe era muito bonita
antigamente, também. Ou assim me dizem.
Sentada aos
joelhos de Prim, guardando-a, está o gato mais feio do mundo. Nariz amassado,
metade de uma orelha faltando, olhos cor de suco apodrecido. Prim o nomeou
Buttercup, insistindo que a pele amarela lamacenta dele combinava com uma flor
brilhante. Ele me odeia. Ou ao menos desconfia de mim. Mesmo que tenha sido há
anos, eu acho que ele ainda se lembra de como eu tentei afogá-lo em um balde
quando Prim o trouxe para casa. Gatinho magro, barriga inchada de lombrigas,
rastejando com pulgas. A última coisa que eu precisava era outra boca para
alimentar. Mas Prim implorou tanto, chorou até, que eu tive de deixá-lo ficar.
Ficou ok. Minha mãe se livrou dos insetos e ele tornou-se um caçador de ratos.
Ainda pega um rato ocasional. Às vezes, quando eu limpo uma caça, eu alimento
as entranhas de Buttercup.
Entranhas. Sem
vaia. Esse é o mais próximo do que nós nunca chegaremos ao amor.
Eu balanço minhas
pernas para fora da cama e deslizo dentro das minhas botas de caça. Couro
flexível que foi moldado para o meu pé. Eu coloquei minhas calças, a camisa,
enrolei minha longa trança escura dentro de um boné, e agarrei meu saco de
forragem. Na mesa, em uma tigela de madeira para protegê-lo de ratos e gatos,
está um perfeito queijinho envolto em folhas de manjericão. O presente de Prim
para mim no dia da colheita. Eu coloco o queijo cuidadosamente no meu bolso e
deslizo pra fora.
Nossa parte do
Distrito 12, apelidado de Seam, está usualmente rastejando com mineiros de
carvão dirigindo-se para o turno da manhã nesta hora. Homens e mulheres com os
ombros curvados, juntas inchadas, muitos dos que deixaram há muito tempo de
tentar esfregar o pó de carvão de suas unhas quebradas, as linhas de suas faces
afundadas. Mas hoje as ruas de
cinza negra estão vazias. Persianas na toca das casas cinza
estão fechadas. A colheita não é até as duas. Pode também dormir dentro. Se
você puder.
Nossa casa é quase
no limite do Seam. Eu só tenho que passar uns poucos portões para chegar ao
campo imundo chamado de Meadow. Separando Meadow da floresta, de fato fechando
todo o Distrito 12, está uma alta cerca de arame com voltas de arame-farpado no
topo. Na teoria, é supostamente para estar eletrificada vinte e quatro horas
por dia como um dissuasor para predadores que vivem na floresta – bando de cães
selvagem, pumas solitários, ursos – que costumavam ameaçar nossas ruas. Mas
desde que nós somos sortudos pra conseguir duas ou três horas de eletricidade
nas noites, é geralmente seguro tocar. Mesmo assim, eu sempre tiro um momento
para escutar cuidadosamente um zumbido que significa que a cerca está viva.
Nesse momento, está silenciosa como uma pedra. Escondida por uma massa de
arbustos, eu deito sobre minha barriga e deslizo sob um trecho de 60 cm que
estava frouxo por anos. Existiam alguns outros pontos fracos na cerca, mas esse
era tão perto de casa que eu quase sempre entro na floresta por aqui.
Tão logo eu estou
nas árvores, eu encontro um arco e uma bainha de flechas em um tronco oco.
Eletrificada ou não, a cerca tinha sucesso em afastar os comedores de carne do
Distrito 12. Dentro da floresta eles vagam livremente, e há preocupações
adicionais como cobras venenosas, animais violentos, e nenhum caminho real para
seguir. Mas há também comida se você sabe como encontrá-la. Meu pai sabia e me
ensinou algo antes dele ser explodido em pedaços em uma detonação na mina. Não
existia nada nem para enterrar. Eu tinha onze anos então. Cinco anos depois, eu
ainda acordo gritando para ele correr.
Embora passar os
limites para a floresta seja ilegal e caça furtiva exerce as mais severas das
punições, mais pessoas se arriscariam se tivessem armas. Mas a maioria não é
destemida o bastante para se aventurar com apenas uma faca. Meu arco era uma
raridade, feito pelo meu pai, junto com uns poucos outros que eu mantenho
escondidos na floresta, cuidadosamente envoltos em capas impermeáveis. Meu pai
podia ter feito um bom dinheiro vendendo-os, mas se os oficiais descobrissem
ele seria publicamente executado por incitar uma rebelião. A maioria dos
Pacifistas cobre os olhos para os poucos de nós que caçam porque eles estão tão
famintos por comida fresca quanto todo mundo está. Na verdade, eles estão entre
os melhores clientes. Mas a idéia de que alguém possa andar armado em Seam
nunca seria permitida.
No outono, umas
poucas bravas almas enfiam-se na floresta para colher maçãs. Mas sempre na
vista do Meadow. Sempre perto o bastante para correr de volta à segurança do
Distrito 12 se problemas chegassem. “Distrito Doze. Onde você pode morrer de fome
em segurança,” eu murmuro. Então eu olho rapidamente por sobre meu ombro. Mesmo
aqui, mesmo no meio do nada, você se preocupa que alguém tenha de escutado.
Quando eu era mais
jovem, eu assustei minha mãe até a morte, as coisas que eu exclamaria sobre o
Distrito 12, sobre as pessoas que regram nosso país, Panem, de uma cidade
distante chamada de Capital. Eventualmente eu entendi que isso iria apenas nos
trazer mais problemas. Então eu aprendi a segurar minha língua e mudar minhas
feições para uma máscara de indiferença para que ninguém pudesse jamais ler
meus pensamentos. Faço meu trabalho silenciosamente na escola. Tenho apenas
pequenas conversas polidas no mercado
público. Discuto um pouco mais que negócios no Hob, que é um
mercado negro onde eu faço a maior parte do meu dinheiro. Até em casa, onde eu
sou mesmo agradável, fujo de discussões sobre assuntos enganadores. Como a
colheita, ou a carência de comida, ou os Hunger Games. Prim podia começar a
repetir minhas palavras e então onde nós estaríamos?
Na floresta espero
a única pessoa com quem eu posso ser eu mesma. Gale. Eu posso sentir os
músculos do meu rosto relaxando, meu passo apressando enquanto eu subia as
colinas para o nosso lugar, uma orla de pedra com vista para o vale. A visão
dele me esperando lá me trouxe um sorriso. Gale diz que eu nunca sorrio exceto
na floresta.
“Hey, Catnip,” diz
Gale. Meu nome real é Katniss, mas quando eu disse para ele pela primeira vez,
eu mal tinha sussurrado. Assim ele pensou que eu tinha dito Catnip. Então quando
esse lince louco começou a me seguir nos arredores da floresta procurando
esmolas, tornou-se o apelido oficial dele para mim. Eu finalmente tive de matar
o lince porque ele assustou a caça. Eu quase me arrependi porque ele não era má
companhia. Mas eu consegui um preço decente pelo seu couro.
“Olhe o que eu
peguei,” Gale segura um pedaço de pão com uma flecha o atravessando, e eu rio.
Era um pão de padaria de verdade, não o plano e estúpido pão de forma que nós
fazemos das nossas rações de grãos. Eu o pego em minha mão, retiro a flecha, e
o seguro perto do meu nariz, inalando a fragrância que faz minha boca encher de
saliva. Pão ótimo como esse é para ocasiões especiais.
“Mm, ainda
quente,” eu digo. Ele deve ter estado na padaria de madrugada para consegui-lo.
“Quanto te custou?”
“Só um esquilo.
Acho que o velho estava se sentindo sentimental essa manhã,” diz Gale. “Até me
desejou sorte.”
“Bem, nós todos
nos sentimos mais próximos hoje, não?” Eu disse, nem sequer me importando de
girar meus olhos. “Prim nos deixou um queijo.” Eu o puxei.
Sua expressão de
iluminou de prazer. “Obrigado, Prim. Nós teremos uma festa de verdade.” De
repente ele cai no sotaque de Capital, enquanto imita Effie Trinket, a mulher
loucamente alegre que chega uma vez ao ano para ler os nomes no pódio. “Eu
quase esqueci! Feliz Hunger Games!” Ele arranca algumas amoras silvestres dos
arbustos que nos rodeia. “E que as chances –” Ele lança uma uva em um alto arco
na minha direção. Eu a peguei com a minha boca e quebrei a pele delicada com os
meus dentes. A aspereza doce explode pela minha boca. “– esteja sempre em seu
favor!” Eu terminei com igual entusiasmo. Nós temos que brincar sobre isso
porque a alternativa é ficar assustado fora de seu juízo. Além disso, o sotaque
de Capital é tão fingido, quase qualquer coisa soa divertida nele.
Eu assisto
enquanto Gale tira sua faca e corta o pão. Ele podia ser meu irmão. Cabelo
escuro liso, pele cor de oliva, nós até temos os mesmos olhos cinzentos. Mas
não somos parentes, pelo menos não próximos. Maior parte das famílias que
trabalham nas minas se assemelham dessa forma.
É por isso que minha mãe e Prim, com seus cabelos claros e
olhos azuis, sempre parecem fora de lugar. Eles estão. Os pais da minha mãe são
parte de uma pequena classe de comerciantes que fornecem para os oficiais,
Pacifistas, e o ocasional cliente de Seam. Eles administram uma loja farmacista
na parte mais legal do Distrito 12. Uma vez que ninguém pode se dar ao luxo de
médicos, boticários são nossos remédios. Meu pai conheceu minha mãe porque numa
caçada ele iria de vez em quando coletar ervas medicinais e vendê-las na loja
dela para misturá-las em remédios. Ela deve ter realmente o amado para deixar a
casa dela para o Seam. Eu tento lembrar isso quando tudo o que eu posso ver é
uma mulher que se senta, vazia e inatingível, enquanto suas crianças ficam só
pele e ossos. Eu tento perdoá-la pelo meu pai. Mas para ser honesta, eu não sou
do tipo que perdoa.
Gale arruma as
fatias de pão com o queijo macio, cuidadosamente colocando as folhas de
manjericão em cada enquanto eu esvazio os arbustos de suas uvas. Nós ficamos
atrás em um esconderijo nas rochas. Desse lugar, nós somos invisíveis mas temos
uma clara visão do vale, que está transbordando com vida de verão, verduras
para recolher, raízes para escavar, pescado iridescente na luz do sol. O dia é
glorioso, com um céu azul e brisa suave. A comida está uma maravilha, com o
queijo gotejando dentro do pão quente e as uvas estourando em nossas bocas.
Tudo seria perfeito se isso fosse realmente um feriado, se todo o dia fosse
vagar nas montanhas com Gale, caçando pela ceia da noite. Mas em vez disso nos
temos de ficar de pé na praça às duas horas esperando pelos nomes que são
chamados.
“Nós poderíamos
fazer, sabe,” Gale diz quietamente.
“O quê?” Eu
pergunto.
“Deixar o
distrito. Fugir. Viver na floresta. Você e eu, nós podemos fazer,” diz Gale.
Eu não sei como
responder. A idéia é tão ridícula.
“Se nós não
tivéssemos tantas crianças,” ele acrescenta quietamente.
Eles não são
nossos filhos, é claro. Mas eles poderiam ser. Os dois irmãos pequenos e irmã
de Gale. Prim. E você pode também acrescentar nossas mães, também, porque como
elas viveriam sem nós? Quem saciaria aquelas bocas que estão sempre pedindo por
mais? Com ambos caçando diariamente, ainda há noites que a caça tem que ser
trocada por banha de porco ou cordões de sapatos ou madeira, ainda tem noite em
que nós vamos para cama com nossos estômagos roncando.
“Eu nunca quero
ter filhos,” eu digo.
“Eu poderia. Se eu
não vivesse aqui,” diz Gale.
“Mas você vive,”
eu digo, irritada.
“Esqueça,” ele
rebate de volta.
A conversa ficou
toda errada. Partir? Como eu poderia deixar Prim, que é a única pessoa no mundo
que eu certamente amo? E Gale é devotado a sua família. Nós não podemos partir,
então por que nós estamos falando sobre isso? E mesmo se nós pudéssemos...
mesmo se
pudéssemos... de onde essa coisa de ter filhos veio? Nunca
teve nada romântico entre Gale e eu. Quando nós nos conhecemos, eu era uma
magrela de doze anos, e embora ele seja apenas dois anos mais velho, ele já
parecia um homem. Levou um longo tempo pra nós mesmo tornássemos amigos, para
parar de discutir sobre todo negócio e começar a ajudar um ao outro.
Além disso, se ele
quer filhos, Gale não terá problemas em encontrar uma esposa. Ele é bonito,
forte o bastante para lidar com o trabalho das minas, e ele pode caçar. Você
pode dizer pela forma que as garotas cochicham sobre ele quando ele passa na
escola que o querem. Deixa-me com ciúmes, mas não pela razão que as pessoas
pensariam. Companheiros caçadores bons são difíceis de encontrar.
“O que você quer
fazer?” eu pergunto. Nós podemos caçar, pescar, ou colher.
“Vamos pescar no
lago. Nós podemos deixar nossas varas e colher na floresta. Consiga alguma coisa
legal para essa noite,” ele diz.
Hoje à noite.
Depois da colheita, todos são supostos a comemorar. E muitas pessoas fazem, de
alívio que seus filhos foram poupados por mais um ano. Mas no mínimo duas
famílias vão fechar suas persianas, trancar suas portas, e tentar imaginar se
eles sobreviverão às dolorosas semanas que virão.
Nós fazemos bem.
Os predadores nos ignoram em dias quando há abundância de presas mais saborosas
e fáceis. Ao final da manhã, nós temos uma dúzia de peixes, um saco de verduras
e, o melhor de tudo, um galão de morangos. Eu achei o remendo há poucos anos
atrás, mas Gale teve a idéia de amarrar a rede de malha ao redor dele para
afastar os animais.
No caminho de
casa, nós viramos para o Hob, o mercado negro que opera em um depósito
abandonado que uma vez guardou carvão. Quando vieram com um sistema mais
eficiente que transportava o carvão diretamente das minas para os trens, o Hob
gradativamente tomou o lugar. A maioria dos negócios estão fechados a essa hora
no dia da colheita, mas o mercado negro ainda está claramente ocupado. Nós
facilmente negociamos seis dos peixes por bom pão, os outros dois por sal.
Greasy Sae, a velha ossuda que vende tigelas de sopa quente de uma larga
caldeira, toma metade das verduras das nossas mãos em troca de um par de
pedaços de parafina. Nós podemos fazer um pouquinho melhor em outro lugar, mas
nós nos esforçamos em continuar em boas relações com Greasy Sae. Ela é a única
que se pode sempre contar para comprar um cão selvagem. Nós não os caçamos de propósito,
mas se você é atacada e arranja um cão ou dois, bem, comida é comida. “Uma vez
na sopa, eu poderei chamá-lo de bife,” Greasy Sae diz com uma piscadela.
Ninguém em Seam iria virar o nariz para uma boa perna de cão selvagem, mas o
Pacifistas que vem para o Hob podem se dar ao luxo de ser um pouco seletivo.
Quando nós
terminamos nossos negócios no mercado, vamos para porta dos fundos da casa do
prefeito para vender metade dos morangos, sabendo que ele tem uma particular
afeição por eles e pode bancar nosso preço. A filha do prefeito, Madge, abre a
porta. Ela está no meu ano na escola. Sendo filha do prefeito, você esperaria
que fosse uma esnobe, mas ela é toda direita. Ela só se guarda a si mesma. Como
eu. Desde que nenhuma de nós realmente tem um
grupo de amigos, nós parecemos terminar juntas muito na
escola. Comendo o lanche, sentando perto uma da outra nas reuniões, fazendo
parcerias em atividades esportivas. Raramente conversamos, o que satisfaz a
ambas.
Hoje a sua
monótona veste escolar tem sido substituída por um caro vestido branco, e seu
cabelo loiro está preso com uma fita rosa. Roupas da colheita.
“Bonito vestido,”
diz Gale.
Madge lança a ele
um olhar, tentando ver se é um elogio genuíno ou se ele está apenas tentando
ser irônico. Era um vestido bonito, mas ela nunca o usaria de maneira
ordinária. Ela pressiona seus lábios juntos e então sorri. “Bem, se eu terminar
indo ao Capital, quero parecer legal, não?”
Agora é a vez de
Gale ficar confuso. O que ela quer dizer? Ou ela está brincando com ele? Eu
acho que é o segundo.
“Você não vai para
o Capital,” diz Gale friamente. Seus olhos chegam num pequeno alfinete circular
que enfeita o vestido dela. Ouro de verdade. Belamente feito. Podia manter uma
família com pães por meses. “O que você pode ter? Cinco entradas? Eu tive seis
quando eu tinha apenas doze anos de idade.”
“Não é culpa
dela,” eu digo.
“Não, não é culpa
de ninguém. Só é assim,” diz Gale. O rosto de Madge fica fechado. Ela coloca o
dinheiro pelas uvas na minha mão. “Boa sorte, Katniss.”
“Você também,” eu
digo, e a porta se fecha.
Nós andamos em
direção a Seam em silêncio. Eu não gosto que Gale zombe de Madge, mas ele está
certo, é claro. O sistema da colheita é injusto, com os pobres conseguindo o
pior. Você se torna elegível para a colheita no dia que completa doze anos.
Nesse ano, seu nome entra uma vez. Aos treze, duas vezes. E assim por diante
até completar dezoito, o último ano de elegibilidade, quando seu nome vai para
a piscina sete vezes.
Isso é certo para
todo cidadão dentro de todos os doze distritos do país de Panem inteiro.
Mas há um truque.
Diga que você é pobre e está faminto como nós estamos. Você pode optar por
adicionar seu nome mais vezes em troca de tessera. Cada tessera vale um ano de
um magro suprimento de grãos e óleo para uma pessoa. Você pode fazer isso para
cada membro da sua família também. Assim, aos doze anos, eu tive meu nome
anotado quatro vezes. Uma vez, porque eu tive de fazer, e três vezes pelo
tesserae para grãos e óleo para eu mesma, Prim, e minha mãe. Na verdade, todos
os anos eu tenho que fazer isso. E as entradas são cumulativas. Então agora,
aos dezesseis anos, meu nome estará na colheita vinte vezes. Gale, que está com
dezoito anos e tem sozinho ajudado e alimentando uma família de cinco a sete
anos, terá seu nome em quarenta e duas vezes.
Você pode ver
porque alguém como Madge, que nunca esteve no risco de precisar de tessera,
pode tirá-lo de si. A chance do nome dela ser puxado é muito pequena comparada
àqueles de
nós que vivem em Seam. Não impossível, mas pequena. E embora
as regras tenham sido montadas em Capital, não nos distritos, certamente não
pela família de Madge, é difícil não se ressentir daqueles que não tem que
registrar pelo tesserae.
Gale sabe que a
sua raiva de Madge é equivocada. Em outro dia, fundo dentro da floresta, eu o
escutei falar alto sobre o tesserae ser apenas outra ferramenta para causar
miséria no nosso distrito. Um forma de plantar ódio entre os trabalhadores
famintos de Seam e aquele que geralmente podem contar com a ceia e, assim,
garantir que nunca confiarão um no outro. “É para uma vantagem para o Capital
ter-nos divididos entre nós mesmos,” ele podia falar se não havia nenhum ouvido
para escutar exceto os meus. Se não fosse o dia da colheita. Se uma garota com
um alfinete de ouro e nenhum tesserae não tivesse feito o que eu tenho certeza
que ela pensou ser um comentário inofensivo.
Enquanto
caminhamos, eu fito o rosto de Gale, ainda ardendo sob sua expressão pétrea.
Sua raiva parece inútil para mim, embora eu nunca dissesse isso. Não é que eu
não concordava com ele. Eu concordo. Mas que bom é gritar sobre o Capital no
meu da floresta? Não muda nada. Não faz as coisas justas. Não sacia nossos
estômagos. Na verdade, espanta a caça mais próxima. Eu o deixo gritar,
entretanto. Melhor ele fazer isso na floresta que no distrito.
Gale e eu
dividimos nosso saque, deixando dois peixes, um par de pães bons, verduras, um
quarto de galão de morangos, sal, parafina, e um pouco de dinheiro para cada
um.
“Te vejo na praça,”
eu digo.
“Use algo bonito,”
ele diz sem rodeios.
Em casa, eu
encontro minha mãe e irmã prontas para ir. Minha mãe usa um vestido fino dos
seus dias de farmacista. Prim está com meus trajes da minha primeira colheita,
uma saia e uma blusa franzida. Está um pouco grande nela, mas minha mãe o fixou
com alfinetes. Mesmo assim, ela está tendo trabalho para manter a blusa dobrada
nas costas.
Uma banheira de
água quente me espera. Eu esfrego a sujeira e o suor da floresta e ainda lavo o
meu cabelo. Para minha surpresa, minha mãe estendeu para mim um de seus belos
vestidos. Uma coisa azul e macia com sapatos combinando.
“Você tem
certeza?” Eu pergunto. Estou tentando passar a rejeitar as ofertas de ajuda
ela. Por um tempo, eu estava tão furiosa que não permitiria que ela fizesse
qualquer coisa por mim. E isso era algo especial. As roupas dela do seu passado
eram muito especiais para ela.
“Claro. Deixa eu
puxar esse cabelo para cima, também,” ela diz. Eu a deixo secá-lo e fazer uma
trança na minha cabeça. Dificilmente posso me reconhecer no espelho rachado
apoiado na parede.
“Você parece
bonita,” diz Prim numa voz quieta.
“E nada como eu
mesma,” eu falo. Abraço-a, porque eu sei que essas próximas horas serão
terríveis para ela. Sua primeira colheita. Ela está tão segura quanto poderia
ficar, desde que ela entrou apenas uma vez. Eu não a deixaria arranjar nenhum
tesserae. Mas ela está preocupada comigo. Que o impensável pode acontecer.
Eu protejo Prim de toda maneira que eu posso, mas sou
impotente contra a colheita. A angústia que eu sempre sinto quando ela está com
dor brota em meu peito e ameaça aparecer no meu rosto. Eu noto que a blusa dela
está puxada para fora da saia nas costas de novo, e me forço a ficar calma.
“Olhe seu traseiro, patinha,” digo, alisando a blusa de volta ao lugar.
Prim ri e me dá um
pequeno “Quack.”
“Quack você,” eu
falo com um ligeiro sorriso. Do tipo que apenas Prim consegue tirar de mim.
“Venha, vamos comer,” digo e dou um rápido beijo no topo de sua cabeça.
O peixe e as
verduras já estão sendo cozidas na sopa, mas aquilo será para a ceia. Nós
decidimos guardar os morangos e pão de padaria para a refeição da noite, para
fazê-lo especial, nós dissemos. Em vez disso tomamos leite da cabra de Prim,
Lady, e comemos o pão duro feito de grãos de tessera, embora ninguém tenha
muito apetite de qualquer modo.
A uma hora, nos
dirigimos à praça. Comparecer é obrigatório a não ser que esteja com o pé na
cova. Esta noite, oficiais irão ao redor checar se esse é o caso. Se não, você
será preso.
Mas hoje, apesar
das bandeiras brilhantes penduradas nas construções, há um ar de crueldade. O
grupo de câmeras, empoleiradas como urubus nos telhados, só contribui nesse
efeito.
Pessoas andam em
fila silenciosamente e assinam. A colheita é uma boa oportunidade para o Capital
de manter etiquetas na população também. Os de doze aos dezoito anos são unidos
dentro de áreas marcadas por cordas pela idade, os mais velhos na frente, os
mais novos, como Prim, lá trás. Membros da família se enfileiram ao redor do
perímetro, segurando apertado a mão um do outro. Mas há outros, também, que tem
ninguém que eles amam em perigo, ou que não se importam mais, ou deslizam pela
multidão, fazendo apostas nas duas crianças cujos nomes serão puxados.
Probabilidade é dada pela idade, se eles são Seam ou comerciantes, se eles
terão um ataque e chorarão. A maioria se recusa a fazer negócio com os
mafiosos, mas cuidadosamente, cuidadosamente. Essas mesmas pessoas tendem a
serem informantes, e quem não tem quebrado a lei? Eu poderia ser pega na base
diária para caça, mas o apetite dos responsáveis me protege. Nem todos podem
dizer o mesmo.
De qualquer forma,
Gale e eu concordando que se nós temos que escolher entre morrer de fome e uma
bala na cabeça, a bala seria muito mais rápida.
O espaço fica mais
apertado, mais claustrofóbico enquanto as pessoas chegam. A praça é bem larga,
mas não o bastante para concentrar a população de cerca de oito mil do Distrito
12. Os retardatários são direcionados para as ruas adjacentes, onde se pode
assistir ao evento em telas enquanto é transmitida ao vivo pelo Estado.
Eu me encontro de
pé no grupo dos dezesseis anos de Seam. Nós todos trocamos pequenos acenos
então focamos nossa atenção no palco temporário que é colocado em frente do
Edifício da Justiça. Possui três cadeiras, um pódio, e dois globos de vidro, um
para os meninos e um para as meninas. Eu olho para os papeis escorregando
dentro do globo das garotas. Vinte deles tem Katniss Everdeen escrito em
cuidadosa caligrafia.
Em duas das três cadeiras estão o pai de Madge, Prefeito
Undersee, que é um homem alto e ficando careca, e Effie Trinket, escolta do
Distrito 12, recente do Capital com seu assustador sorriso branco, cabelo rosa
e terno verde de primavera. Eles cochicham um para o outro e então olham com
interesse o assento vazio.
Logo que o relógio
bate as duas, o prefeito se levanta no pódio e começa a ler. É a mesma história
todo ano. Ele fala da história de Panem, o país que se levantou das cinzas de
um lugar que já foi chamado de América do Norte. Ele lista os desastres, as
secas, as tempestades, os incêndios, as invasões dos mares que engoliu muita
terra, a guerra brutal pelo pequeno alimento restante. O resultado foi Panem,
uma iluminada Capital rodeado por treze distritos, que trouxe paz e
prosperidade para os cidadãos. Então veio os Dias Negros, a revolta dos
distritos contra o Capital. Doze foram derrotados, o décimo terceiro
obliterado. O Tratado de Traição nos deu novas leis para garantir a paz e, como
nosso lembre anual de que os Dias Negros nunca deveriam ser repedidos, deu-nos
o Hunger Games.
As regras do
Hunger Games são simples. Como punição pela revolta, cada um dos doze distritos
devem providenciar uma garota e um garoto, chamados tributos, para participar.
Os vinte e quatro tributos serão aprisionados numa vasta arena ao ar livre que
pode conter qualquer coisa de um deserto ardente a uma devastação congelada.
Pelo período de poucas semanas, os competidores devem lutar até a morte. O
último tributo de pé ganha.
Tirando as crianças
dos nossos distritos, forçando-os a matar um ao outro enquanto eles assistem –
essa é a hora do Capital de nos lembrar como estamos totalmente a mercê deles.
Quão pequena chance nos teríamos de sobreviver a outra rebelião.
Quaisquer palavras
que usem, a real mensagem é clara. “Olhe como nós tomamos suas crianças e as
sacrificamos e não há nada que vocês possam fazer. Se você levantarem um dedo,
destruiremos cada um de vocês. Assim como fizemos no Distrito Treze.”
Para fazer a
humilhação mais atormentadora, o Capital nos obriga a tratar os Hunger Games
como uma festa, um evento desportivo que coloca cada distrito contra os outros.
O último tributo vivo recebe uma vida de tranqüilidade de volta para casa, e
seu distrito terá uma chuva de prêmios, consistindo largamente de comida. Todo
ano, o Capital mostrará ao distrito vencedor presentes como grãos e óleo e
mesmo delicadezas como açúcar enquanto o resto de nós batalha contra a fome.
“É tanto uma hora
de penitência como uma hora de arrependimento,” entoa o prefeito.
Então ele lê uma
lista de antigos vitoriosos do Distrito 12. Em setenta e quatro anos, nós
tivemos exatamente dois. Apenas um ainda está vivo. Haymitch Abernathy, um
homem barrigudo de meia-idade, que nesse momento aparece gritando algo ininteligível,
cambaleia para o palco, e cai na terceira cadeira. Ele está bêbado. Muito. A
multidão responde com aplausos simbólicos, mas ele está confuso e tenta dar em
Effie Trinket um grande abraço, ao qual ela mal consegue defender-se.
O prefeito parece
aflito. Desde que tudo isso está sendo emitido através de televisão, agora
mesmo o Distrito 12 é o alvo de riso de Panem, e ele sabe disso. Ele
rapidamente tentar puxar a atenção de volta à colheita introduzindo Effie
Trinket.
Brilhante e espumante como sempre, Effie Trinket trota para
o pódio e dá sua assinatura, “Feliz Hunger Games! E que as chances estejam
sempre ao seu favor!” Seu cabelo rosa deve ser uma peruca porque seus cachos
tinham se deslocado levemente do centro desde que ela encontrou com Haymitch.
Ela vai um pouco sobre que honra é estar aqui, embora todos saibam que ela está
apenas se doendo para ir a um distrito melhor onde eles tenham vitoriosos
apropriados, não bêbados que molestam você na frente de uma nação inteira.
Através da multidão,
eu localizo Gale olhando de trás para mim com uma sombra de um sorriso.
Enquanto a colheita vai, esse pelo menos tem um fator de entretenimento. Mas de
repente eu estou pensando em Gale e seus quarenta e dois nomes dentro daquele
grande globo e como as chances não estão ao seu favor. Não comparado a muitos
garotos. E talvez ele esteja pensando a mesma coisa porque o rosto dele
escureceu e ele se virou. “Mas ainda há milhares de papéis,” eu desejei poder
sussurrar isso para ele.
É a hora do
sorteio. Effie Trinket diz como ela sempre faz, “Damas primeiro!” e cruzou o
globo de vidro com os nomes das garotas. Ela chegou, empurrou sua mão fundo no
globo, e puxa pra fora uma tira de papel. A multidão prende em uma respiração
coletiva e então você pode escutar um alfinete cair, e eu estou me sentido com
náuseas, e desesperadamente desejando que não fosse eu, que não fosse eu, que
não fosse eu.
Effie Trinket
atravessa o pódio, alisa o pedaço de papel, e lê o nome numa voz clara. E não é
eu.
É Primrose
Everdeen.
2
Uma vez, quando eu
estava em uma cobertura numa árvore, esperando imóvel por uma caça a vaguear,
eu cochilei e caí 3 metros no chão, caindo sobre minhas costas. Foi como se o
impacto tivesse bloqueado todo fragmento de ar dos meus pulmões, e eu fiquei
deitada lá, lutando para inalar, exalar, fazer qualquer coisa.
Era como eu me
sinto agora, tentando lembrar como respirar, incapaz de falar, totalmente
estupefata enquanto o nome salta para dentro do meu crânio. Alguém está agarrando
meu braço, um garoto de Seam, e acho que talvez eu comecei a cair e ele me
pegou.
Deve ter sido
algum engano. Isso não pode estar acontecendo. Prim era uma tira de papel entre
milhares! Suas chances de ser escolhida eram tão remotas que eu nem mesmo me
incomodei em ficar preocupada. Eu não tenho feito nada? Tomado o tesserae,
recusando a
deixar ela fazer o mesmo? Uma tira. Um tira entre milhares.
As chances tinham estado inteiramente a favor dela. Mas isso não importou.
Em algum lugar bem
longe, eu posso ouvir a multidão murmurando infelizmente como eles sempre fazem
quando alguém de doze anos de idade é escolhido porque ninguém acha que é
justo. E então eu a vejo, o sangue drenado de seu rosto, as mãos apertadas em
punhos dos seus lados, andando com rígidos e pequenos passos em direção ao
palco, passando por mim, e vejo que a costa da sua blusa está solta e
balançando sobre a sua saia. É esse detalhe, a blusa solta formando um rabo de
pato, que me traz de volta a mim mesma.
“Prim!” Um grito
estrangulado sai da minha garganta, e meus músculos começam a se mover de novo.
“Prim!” Eu não preciso empurrar pela multidão. As outras crianças fazem um
caminho imediatamente me permitindo uma passagem direta para o palco. Eu a
alcanço justo enquanto ela está para subir o piso. Com um arrastão do meu
braço, eu a puxo para trás de mim.
“Eu me
voluntario!” Arfo. “Eu me voluntario como tributo!”
Há alguma confusão
no palco. Distrito 12 não tinha um voluntário em décadas e o protocolo tinha
ficado enferrujado. A regra era que uma vez que o nome do tributo tinha sido
puxado do globo, outro garoto elegível, se um nome de garoto tinha sido lido,
ou garota, se o nome de uma garota tinha sido lido, pode andar para tomar o
lugar dele ou dela. Em alguns distritos, nos quais ganhar a colheita é uma
honra maravilhosa, pessoas estão ansiosas para arriscar suas vidas, o
voluntariado é complicado. Mas no Distrito 12, onde a palavra tributo é como um
sinônimo para a palavra cadáver, voluntários são quase extintos.
“Amável!” diz Effie
Trinket. “Mas eu acredito que há um pequeno problema de introduzir o vencedor
da colheita e então perguntar por voluntários, e se alguém vem adiante então
nós, hum...” ela se perde, incerta.
“O que isso
importa?” diz o prefeito. Ele está olhando para mim com uma expressão de dor no
seu rosto. Ele não me conhece realmente, mas há um leve reconhecimento aí. Eu
sou a garota que traz os morangos. A garota sobre a qual sua filha deve ter
falando em uma ocasião. A garota que cinco anos atrás está de pé, aconchegada a
sua mãe e irmã, enquanto ele a presenteava, a filha mais velha, com uma medalha
de coragem. Uma medalha do pai dela, vaporizando nas minas. Ele lembra daquilo?
“O que isso importa?” ele repete bruscamente. “Deixe-a vir.”
Prim está gritando
histericamente atrás de mim. Ela está rodeando seus magros braços ao meu redor
como um vício. “Não, Katniss! Não! Você não pode ir!”
“Prim, deixe,” eu
digo roucamente, porque isso está me angustiando e eu não quero chorar. Quando
eles transmitirem na televisão a gravação das colheitas hoje a noite, todos
verão minhas lágrimas, e eu serei marcada como um alvo fácil. Uma fraca. Eu não
darei satisfação a ninguém. “Deixe!”
Eu posso sentir
alguém a puxando das minhas costas. Eu me viro e vejo Gale arrastando Prim e
ela batendo nos braços dele. “Agora é com você, Catnip,” ele diz, em uma voz
que está
brincando para manter estável, e então ele carrega Prim para
minha mãe. Eu me endureço como aço e subo os degraus.
“Bem, bravo!”
emociona-se Effie Trinket. “Esse é o espírito dos Games!” Ela está satisfeita
que finalmente tem um distrito com um pouco de ação acontecendo. “Qual é o seu
nome?”
Eu engulo
rigidamente. “Katniss Everdeen,” digo.
“Eu aposto meus
botões que era sua irmã. Não queremos que ela roube toda glória, queremos?
Vamos, todo mundo? Vamos dar uma salva de palmas para nosso novo tributo!”
garganteia Effie Trinket.
Para o último
crédito das pessoas do Distrito 12, ninguém bateu palmas. Nem mesmo aqueles
segurando cupons de aposta, os que usualmente estão além de se importar.
Possivelmente porque eles me conhecem do Hob, ou conheciam meu pai, ou tem
encontrado Prim, a quem ninguém pode deixar de amar. Assim em vez de aplausos
de reconhecimento, eu fiquei em pé ali sem me mover enquanto eles tomam parte na
mais ousada forma de dissidência que ele podiam. Silêncio. Que diz que eles não
concordam. Nós não perdoamos. Todo isso está errado.
Então algo
inesperado acontece. No mínimo, eu não esperava porque não pensava no Distrito
12 como um lugar que se importa comigo. Mas uma mudança tem ocorrido desde que
eu subi para tomar o lugar de Prim, e agora parece que eu tenho me tornado uma
pessoa preciosa. O primeiro, depois outro, então quase todos os membros da
multidão tocaram os três dedos do meio das suas mãos esquerdas para os seus
lábios e seguram por mim. É um velho e raro gesto usado no nosso distrito,
ocasionalmente visto em funerais. Significa obrigada, significa admiração,
significa adeus para alguém que você ama.
Agora eu estou
realmente em perigo de chorar, mas felizmente Haymitch escolhe essa hora para
vir vacilante pelo palco para me congratular. “Olhe para ela. Olha para essa!”
ele grita, atiram um braço ao redor dos meus ombros. Ele é surpreendente forte
para tal arruinado. “Eu gosto dela!” Sua respiração fede a licor e faz um bom
tempo desde quando ele tomou banho. “Muita...” Ele não pode pensar em uma
palavra por enquanto. “Bravura!” Ele diz triunfante. “Mais que vocês!” Ele me
solta e começa ir para a frente do palco. “Mais que vocês!” ele grita, apontando
para a câmera.
Ele está se
dirigindo a audiência ou ele está tão bêbado que ele podia na verdade estar
ridicularizando o Capital? Eu nunca saberia porque justo quando ele estava
abrindo a boca para continuar, Haymitch cai fora do palco e fica inconsciente.
Ele é nojento, mas
estou grata. Com toda câmera alegremente treinando nele, eu tenho só tempo o
bastante para liberar um som pequeno e chocado da minha garganta e me compor.
Ponho minhas mãos atrás das minhas costas e olho para o distante.
Eu posso ver as
montanhas que eu subi essa manhã com Gale. Por um momento, eu sinto saudade de
algo... a idéia de nós partindo do distrito... fazendo nosso caminho na
floresta... mas eu sei que eu estava certa em não fugir. Por que quem mais se
voluntariaria por Prim?
Haymitch é arrastado em uma maca, e Effie Trinket está
tentando rodar o globo novamente. “Que dia excitante!” ela gorjeia enquanto
tenta ajeitar sua peruca, que tinha deslizado um pouco para a direita. “Mas
mais excitação está por vir! É a hora de escolher nosso tributo garoto!”
Claramente esperando conter a situação do seu tênue cabelo, ela coloca uma mão
na sua cabeça enquanto atravessa o globo que contém os nomes dos garotos e
agarra o primeira tira que encontra. Ela move-se rápido de volta ao pódio, e eu
nem tenho tempo para desejar a segurança de Gale quando ela está lendo o nome.
“Peeta Mellark.”
Peeta Mellark!
Oh, não, eu penso.
Não ele. Porque eu reconheço esse nome, embora eu nunca tenha falado
diretamente com o dono. Peeta Mellark.
Não, as chances
não estavam ao meu favor hoje. Eu o assisti enquanto ele fazia seu caminho em
direção ao pódio. Altura média, sólida estrutura, cabelos loiros cinza que caem
em ondas sobre sua testa. O choque do momento está registrado no seu rosto,
você pode ver que ele luta para se manter sem emoções, mas seus olhos azuis
mostram o alarme que eu vejo tão freqüentemente nas caças. Ainda ele sobe
firmemente o pódio e toma seu lugar.
Effie Trinket
pergunta por voluntários, mas ninguém dá um passo a frente. Ele tem dois irmãos
mais velhos, eu sei, tenho-os visto na padaria, mas um é provavelmente velho
demais agora para se voluntariar e o outro não vai. Esse é o padrão. Devoção
familiar só vai até aqui para a maioria das pessoas no dia da colheita. O que
eu fiz foi uma coisa radical.
O prefeito começa
a ler o longo e estúpido Tratado de Traição como ele faz todo ano nesse ponto –
é necessário – mas não estou escutando uma palavra.
Por que ele? Eu
penso. Então tento me convencer de que isso não importa. Peeta Mellark e eu não
somos amigos. Nem mesmo visinhos. Nós não nos falamos. Nossa única real
interação aconteceu anos atrás. Ele provavelmente esqueceu. Mas eu não e sei
que nunca vou...
Foi durante o
tempo pior. Meu pai tinha sido morto num acidente na mina três meses mais cedo
no janeiro mais amargo que qualquer um podia lembra. A paralisia da perda dele
tinha passado, e a dor me atingiria do nada, dobrando-me mais, quebrando meu
corpo em soluços. Onde você está? Eu gritava na minha mente. Onde você foi? Claro,
nunca havia alguma resposta.
O distrito nos deu
uma pequena quantia em dinheiro para compensar a sua morte, o bastante para
cobrir um mês de luto que era o tempo que minha mãe esperaria para conseguir um
trabalho. Só que ela não conseguiu. Ela não fez nada além de sentar em uma
cadeira ou, mais freqüentemente, aconchegada sob os cobertores na sua cama,
olhos fixos em algum ponto distante. De vez em quando, ela se agitaria,
levantava como se movida por um propósito urgente, só para então cair dentro da
paralisia. Nenhuma quantidade de pedidos de Prim pareceu afetá-la.
Eu estava
aterrorizada. Eu suponho agora que minha mãe estava trancada em algum escuro
mundo de tristeza, mas naquela hora, tudo o que eu sabia era que eu tinha
perdido não só meu pai, mas minha mãe também. Aos onze anos de idade, Prim com
apenas sete, eu assumi a
chefia da família. Não havia escolha. Eu trouxe nossa comida
do mercado e cozinhei o melhor que pude e tentei manter Prim e eu parecendo
apresentável. Porque ficou claro que minha mãe não podia se importa mais
conosco, o distrito teria nos levado dela e nos colocado numa casa comunitária.
Cresci vendo essas crianças na escola. A tristeza, as marcas mãos raivosas em
seus rostos, a desesperança que curvava seus ombros. Eu nunca poderia deixar
isso acontecer a Prim. Docy, pequena Prim que chorou quando eu chorei antes
mesmo de saber a razão, que escovou e trançou o cabelo da minha mãe antes de
irmos para a escola. Que ainda polindo o espelho de barbear do pai cada noite
porque ele odiava a camada de pó de carvão que se instalava em todo em Seam. A
casa comunitária iria exterminá-la como um besouro. Então mantive nossa
situação difícil em segredo.
Mas o dinheiro se
foi e nós ficamos lentamente morrendo de fome. Não há outra forma de dizer
isso. Eu continuei dizendo a mim mesma se pudesse segurar até maio, só 8 de
maio, eu completaria doze anos e seria capaz de me registrar pelo tesserae e
conseguir os preciosos grãos e óleo para nos alimentar. Só faltava ainda
algumas semanas. Nós poderíamos estar bem mortas até lá.
Morrer de fome não
é um destino incomum no Distrito 12. Quem não tinha visto as vítimas? Pessoas
velhas não podiam trabalhar. Crianças de uma família com muito para alimentar.
Aqueles machucados nas minas. Estendendo-se pelas ruas. E um dia, você os vê
sentados imóveis contra a parede ou deitados no Meadow, você escuta o lamento
de uma casa, e os Pacifistas são chamados para retomar o corpo. Morrer de fome
nunca é a oficial causa da morte. É sempre gripe, ou exposição, ou pneumonia.
Mas isso não engana ninguém.
Na tarde do meu
encontro com Peeta Mellark, a chuva estava caindo em implacáveis folhas de
gelo. Eu tinha estado na cidade, tentando negociar algumas roupas de bebê
velhas e gastas de Prim no mercado público, mas não havia conquistadores.
Embora eu tenha estado no Hob em algumas ocasiões com meu pai, estava muito
assustada para me aventurar dentro daquele lugar bruto e de areia sozinha. A
chuva tinha molhado toda a jaqueta de caça do meu pai, deixando-me resfriada
até os ossos. Por três dias, nós não tínhamos nada além de água fervida com
algumas folhas de hortelã velhas que eu tinha achado nos fundos do armário. Até
o momento que o mercado fechou, eu estava tremendo tão forte que eu deixei
minha trouxa de roupa de bebê em uma poça de lama. Não o peguei de volta por
medo de me ajoelhar e não conseguir recuperar meus pés. Além disso, ninguém
queria aquelas roupas.
Eu não podia ir
para casa. Porque em casa estava minha mãe com seus olhos mortos e minha
irmãzinha, com suas bochechas encovadas e lábios rachados. Não podia andar
dentro daquele quarto com o fogo fumarento dos galhos úmidos que eu limpei no
limite da floresta depois que o carvão tinha acabado, minhas bandas vazias de
qualquer esperança.
Eu me encontrei
tropeçando ao longo de uma pista enlameada atrás das lojas que servem as
pessoas mais ricas da cidade. Os comerciantes vivem acima de seus negócios,
assim eu estava essencialmente em seus quintais. Lembro que os contornos do
jardim não estavam plantados para primavera ainda, uma cabra ou duas no
cercado, um cão encharcado amarrado em um poste, curvado derrotado na lama.
Todas as formas de roubar eram proibidas no Distrito 12.
Punição por morte. Mas atravessou minha mente que deveria ter algo nas
lixeiras, e essas eram caças justas. Talvez um osso de açougueiro ou legumes
podres da mercearia, algo que ninguém além da minha família estava desesperada
o bastante para comer. Infelizmente as lixeiras estavam vazias.
Quando passei do
padeiro, o cheiro de pão fresco era tão esmagador que fiquei tonta. O forno era
nos fundos, e fulgor dourado derramou-se de porta aberta da cozinha. Eu fiquei
hipnotizada pelo calor e o cheiro agradável até a chuva interferir, correndo
como dedos gelados nas minhas costas, forçando-me a voltar à vida. Eu levantei
a tampa da lixeira do padeiro e a achei impecável e cruelmente vazia.
De repente uma voz
estava gritando para mim e eu olhei para cima para ver a mulher do padeiro,
dizendo para eu ir embora e se eu queria que ela ligasse para os Pacifistas e o
quão doente ela estava por ter esses pirralhos de Seam tocando o lixo dela. As
palavras eram feias e não tive nenhuma defesa. Enquanto cuidadosamente
recoloquei a tampa e me voltei para ir embora, eu o notei, um garoto com cabelo
loiro espiando atrás de sua mãe. Eu o tinha visto na escola. Ele era do meu
ano, mas eu não sabia o seu nome. Ele está com as crianças da cidade, então
como eu saberia? Sua mãe voltou para a padaria, resmungando, mas ele deve ter
ficando me olhando enquanto eu fazia meu caminho atrás da cerca que segurava o
porco deles e me inclinei no lado mais distante de um pé de maçã. A realização
de que eu não teria nada para levar para casa tinha finalmente afundado. Meus
joelhos entortaram e eu deslizei para as raízes da árvore. Era demais. Eu
estava doente e fraca e cansada, oh, tão cansada. Deixe-os chamar os
Pacificadores e nos tomar para a casa comunitária, eu pensei. Ou melhor ainda,
deixe-me morrer aqui mesmo na chuva.
Houve um barulho
na padaria e escutei uma mulher gritando de novo e o som de uma bofetada, e eu
vagamente me perguntei o que estava acontecendo. Pés surgiram na minha direção
e eu pensei, É ela. Ela está vindo me mandar embora com uma vara. Mas não era
ela. Era o garoto. Nos seus braços, ele carregava dois largos pedaços de pão
que devem ter caído no fogo por causa das crostas que estavam queimadas.
Sua mãe estava
gritando, “Alimente o porco, sua criatura estúpida! Por que não? Ninguém
decente compraria pão queimado!”
Ele começou a
arrancar os pedados das peças queimadas e atirá-las no canal, e o sino da
frente da padaria tocou e a mãe desapareceu para ajudar o cliente.
O garoto nunca
lançou um olhar para o meu lado, mas eu estava assistindo-o. Por causa do pão,
por causa do machucado vermelho que estava na sua bochecha. Com o que ela tinha
batido nele?
Meus pais nunca
nos bateram. Eu não podia nem imaginar. O garoto olhou para trás, para a
padaria, como se checasse se o campo estava limpo, então, sua atenção voltou-se
para o porco, ele atirou um pedaço de pão na minha direção. O segundo
rapidamente se seguiu, e ele voltou para a padaria, fechando a porta da cozinha
firmemente.
Eu olhei para os
pedaços descrente. Eles estavam ótimos, realmente perfeitos, exceto pelas
partes queimadas. Ele quis dizer que eu podia tê-los? Ele devia. Porque eles
estavam aos meus
pés. Antes que alguém pudesse testemunhar o que tivesse
acontecido, eu puxei os pedaços de pão para debaixo da minha camisa, agasalhei
a jaqueta de caça firmemente ao meu redor, e andei rapidamente. O calor do pão
queimava a minha pele, mas eu apertei com força, apegando à vida.
Na hora que eu
cheguei em casa, os pedaços tinham esfriado de alguma forma, mas dentro ainda
estava quente. Quando eu os coloquei na mesa, as mãos de Prim levantaram para
pegar um pedaço, mas eu a forcei a sentar, forcei minha mãe a se juntar a mesa,
e derramei chá quente. Raspei a parte preta e fatiei o pão. Nós comemos um
pedaço todo, fatia por fatia. Era um bom pão puro, cheio com passas e nozes.
Coloquei minhas
roupas para secas no fogo, arrastei-me para dentro da cama, e cai num sono sem
sonhos. Não me ocorreu até a manhã seguinte que o garoto devia ter queimado o
pão de propósito. Devia ter deixado cair os pedaços nas chamas, sabendo que
seria punido, e então os entregou a mim. Mas eu descartei isso. Deve ter sido
um acidente. Por que ele teria feito isso? Ele nem mesmo me conhecia. Ainda,
apenas me atirando o pão era uma enorme gentileza que teria resultado em surra
se descoberta. Eu não podia explicar suas ações.
Nós comemos as
fatias de pão no café da manhã e seguimos para a escola. Era como se a
primavera tivesse vindo durante a noite. Ar doce e quente. Nuvens macias. Na
escola, eu passei pelo garoto no corredor, sua bochecha tinha inchado e seu
olho estava escurecido. Ele estava com seus amigos e não me reconheceu de forma
nenhuma. Mas quando eu recolhi Prim e comecei a ir para casa naquela tarde, eu
o encontrei olhando para mim através do campo da escola. Nossos olhos se
encontraram apenas por um segundo, então ele virou a sua cara para longe. Eu
baixei meu olhar, embaraçada, e foi quando eu vi. A primeira planta do ano. Um
sino tocou na minha cabeça. Eu pensei nas horas passadas na floresta com meu
pai e eu sabia como nós iríamos sobreviver.
Para esse dia, eu
nunca posso abalar a ligação com esse garoto, Peeta Mellark, e o pão que me deu
esperança e a planta que me lembrou que eu não era condenada. E mais de uma
vez, eu estava no corredor da escola e peguei seus olhos me seguindo, só para
rapidamente se mover para longe. Eu sinto como se devesse a ele algo, e eu
odeio dever as pessoas. Talvez se eu tivesse o agradecido em algum ponto, eu
estaria me sentindo menos cheia de conflito agora. Eu pensei sobre isso um par
de vezes, mas a oportunidade nunca pareceu presente. E agora nunca vai parecer.
Porque nós vamos ser atirados em uma arena para brigar até a morte. Exatamente
como eu deveria trabalhar em um agradecimento lá? De qualquer forma não
pareceria sincero se eu tentasse cortar sua garganta.
O prefeito termina
o sombrio Tratado de Traição e gesticula para Peeta e eu apertar as mãos. A mão
dele era tão sólida e quente quando aqueles pedaços de pão. Peeta olha para mim
direto no olho e dá a minha mão o que eu penso que significa ser um aperto
tranqüilizador. Talvez fosse apenas um espasmo nervoso.
Nós nos voltamos
para encarar a multidão enquanto o hino de Panem toca.
Oh, bem, eu penso.
Haverá vinte e quatro de nós. Chances são de mais alguém matá-lo antes de eu
fazê-lo.
É claro, as chances não estão muito confiáveis ultimamente.
3
No momento em que
o hino acaba, somos levados em custódia. Eu não quero dizer que somos algemados
ou algo, mas um grupo de Pacifistas nos marcha até as portas dianteiras do
Prédio da Justiça. Talvez tributos tenham tentado escapar no passado. Eu nunca
vi isso acontecer, contudo.
Uma vez dentro,
sou conduzida para uma sala e deixada sozinha. É o lugar mais rico em que eu já
estive, com tapetes grossos e espessos e um sofá de veludo e cadeiras. Eu
conheço veludo porque minha mãe tem um vestido com um colarinho feito desse
negócio. Quando eu sento no sofá, eu não posso evitar correr meus dedos sobre o
tecido repetidamente. Ele me ajuda a me acalmar enquanto eu tento me preparar
para a próxima hora. O tempo destinado para os tributos dizerem adeus aos seus
amados. Eu não posso me dar ao luxo de ficar chateada, de deixar essa sala com
olhos inchados e um nariz vermelho. Chorar não é uma opção. Haverá mais câmeras
na estação de trem.
Minha irmã e minha
mãe vêm primeiro. Eu me estico para Prim e ela sobe no meu colo, seus braços ao
redor do meu pescoço, a cabeça no meu ombro, bem como ela fazia quando era um
bebê. Minha mãe se senta ao meu lado e envolve seus braços ao nosso redor. Por
alguns minutos, não dizemos nada. Então eu começo a contar a elas todas as
coisas que elas devem lembrar fazer, agora que eu não estarei lá para fazer
isso por elas.
Prim não deve
pegar nenhum tesserae. Elas conseguirão sobreviver, se forem cuidadosas,
vendendo o leite e queijo de cabra da Prim e com o pequeno apotecário que a
minha mãe agora comanda para as pessoas em Seam. Gale lhes dará as ervas que
ela mesma vão plantar, mas ela deve tomar muito cuidado ao descrevê-las, porque
ele não está tão familiarizado com elas quanto eu. Ele também lhes trará caça –
e eu fizemos um pacto sobre isso há mais ou menos um ano – e provavelmente não
pedirá por compensação, mas elas deveriam agradecê-lo com algum tipo de troca,
como leite ou remédio.
Eu não incomodo em
sugerir à Prim que aprenda a caçar. Eu tentei ensiná-la algumas vezes e foi
desastroso. A floresta a aterrorizava, e quando eu atirava em alguma coisa, ela
ficava a beira de lágrimas e falava em como poderíamos curá-lo se o levássemos
para casa cedo o bastante. Mas ela se dá bem com sua cabra, então eu me concentro
nisso.
Quando eu acabo
com as instruções sobre combustível, e trocas, e ficar na escola, eu me viro
para minha mãe e agarro seu braço, duramente. “Me escute. Você está me
escutando?” Ela assente, assustada pela minha intensidade. Ela deve saber o que
está por vir. “Você não pode ir embora novamente,” eu digo.
Os olhos da minha mãe encontram o chão. “Eu sei. Eu não
irei. Eu não pude evitar o quê –”
“Bem, você tem que
evitar dessa vez. Você não pode pular fora e deixar Prim por conta própria. Não
há mais eu para manter vocês duas vivas. Não importa o que aconteça. O que quer
que veja na tela. Você tem que me prometer que vai lutar contra isso!” Minha
voz se levantou para um grito. Nela está toda a raiva, todo o medo que eu senti
com seu abandono.
Ela puxa seu braço
do meu aperto, ela própria movida por raiva agora. “Eu estava doente. Eu podia
ter me tratado se eu tivesse os remédios que eu tenho agora.”
Aquela parte sobre
ela estar doente podia ser verdade. Eu tinha visto ela curar pessoas que
sofriam de tristeza imobilizante desde então. Talvez seja uma doença, mas é uma
que não podemos nos dar ao luxo.
“Então tome-os. E
tome conta dela!” Eu digo.
“Eu ficarei bem,
Katniss,” diz Prim, apertando meu rosto em suas mãos. “Mas você tem que tomar
cuidado também. Você é tão rápida e corajosa. Talvez possa vencer.”
Eu não posso
vencer. Prim deve saber isso, em seu coração. A competição estará muito além
das minhas habilidades. Garotos de distritos mais ricos, onde ganhar é uma
grande honra, que treinaram suas vidas todas para isso. Garotos que são duas a
três vezes o meu tamanho. Garotas que conhecem vinte maneiras diferentes de te
matar com uma faca. Ah, haverá pessoas como eu também. Pessoas a serem
extirpadas antes que a verdadeira diversão comece.
“Talvez,” eu digo,
porque eu não posso dizer a minha mãe para continuar se eu mesma já desisti.
Além do mais, não é da minha natureza desistir sem lutar, mesmo quando as
coisas parecem insuperáveis. “Então seremos ricas como Haymitch.”
“Eu não ligo
realmente se somos ricos. Eu só quero que você volte para casa. Você tentará,
não tentará? Realmente, realmente tentará?” pergunta Prim.
“Realmente,
realmente tentarei. Eu juro,” eu digo. E eu sei, por causa de Prim, que terei
que.
E então o
Pacificador está na porta, sinalizando que nosso tempo acabou, e estamos todas
nos abraçando tão forte que dói e tudo o que eu digo é “eu amo vocês. Eu amo
vocês duas.” E elas dizem isso de volta e então o Pacificador ordena que elas
saiam e a porta fecha. Eu enterro minha cabeça em uma das almofadas de veludo
como se isso pudesse bloquear todo esse negócio.
Outra pessoa entra
na sala, e quando eu olho para cima, fico surpresa em ver que é o padeiro, o
pai de Peeta Mellark. Eu não acredito que ele veio me visitar. Afinal de contas,
eu tentarei matar seu filho em breve. Mas nós nos conhecemos um pouco, e ele
conhece Prim ainda melhor. Quando ela vende seu queijo de cabra no Hob, ela
deixa dois separados para ele e ele lhe dá uma generosa quantidade de pão em
troca. Nós sempre esperamos para trocar com ele quando a bruxa da mulher dele
não está por perto, porque ele fica bem mais bonzinho. Eu tenho certeza de que
ele nunca bateria no filho dele do jeito que ela bateu por causa do pão
queimado. Mas por que ele veio me ver?
O padeiro se senta desconfortavelmente na ponta de uma das
cadeiras felpudas. Ele é um homem grande de ombros largos com cicatrizes de
queimaduras por causa dos anos passados nos fornos. Ele deve ter acabado de
dizer adeus ao seu filho.
Ele puxa um pacote
de papel branco do bolso de sua jaqueta e o segura para mim. Eu o abri e achei
biscoitos. Eles são um luxo que nunca podemos bancar.
“Obrigada,” eu
digo. O padeiro não é um homem muito falante, na melhor das ocasiões, e hoje
ele não solta nenhuma palavra. “Eu comi um pouco do seu pão essa manhã. Meu
amigo Gale lhe deu um esquilo por ele.” Ele assente, como se lembrando do
esquilo. “Não foi a sua melhor troca,” eu digo. Ele dá de ombros, como se isso
não tivesse importância.
Então eu não
consigo pensar em mais nada, então ficamos sentados em silêncio até que o
Pacificador o convoque. Ele se levanta e tosse para limpar sua garganta. “Eu
ficarei de olho na menininha. Para me certificar que ela está comendo.”
Eu sinto um pouco
da pressão no meu peito se aliviar com as palavras dele. As pessoas lidam
comigo, mas eles genuinamente adoram a Prim. Talvez haja adoração o bastante
para mantê-la viva.
Meu próximo
convidado também é inesperado. Madge anda diretamente até mim. Ela não está
chorosa ou evasiva, ao invés, há uma urgência no seu tom que me surpreende.
“Eles te deixam usar uma coisa do seu distrito na arena. Uma coisa para
lembrá-la de casa. Você usaria isso?” Ela segura um alfinete circular de ouro
que estava em seu vestido mais cedo. Eu não tinha prestado muita atenção nele
antes, mas agora eu vejo que é um pássaro pequeno voando.
“Seu alfinete?” Eu
digo. Usar uma lembrança do meu distrito é a última coisa na minha mente.
“Aqui, vou
colocá-lo no seu vestido, está bem?” Madge não espera por uma respostas, ela
simplesmente se inclina e fixa o pássaro no meu vestido. “Promete que o usará
na arena, Katniss?” ela pergunta. “Promete?”
“Sim,” eu digo.
Biscoitos. Um alfinete. Estou recebendo toda a sorte de presentes hoje. Madge
me dá mais um. Um beijo na bochecha. Então ela se vai e eu fico pensando que
talvez Madge realmente tenha sido minha amiga todo esse tempo.
Finalmente, Gale
está aqui e talvez não haja nada de romântico entre nós, mas quando ele abre
seus braços, eu não hesito em ir neles. Seu corpo é familiar para mim – o jeito
como ele se move, o cheiro de fumaça de madeira, até mesmo o som de seu coração
batendo, que eu conheço de momentos silenciosos caçando – mas essa é a primeira
vez que eu realmente sinto-o, os músculos magros e fortes contra os meu.
“Escuta,” ele diz.
“Pegar uma faca deve ser bem fácil, mas você tem que colocar suas mãos num arco
e flecha. É a sua melhor chance.”
“Eles nem sempre
tem arcos e flechas,” eu digo, pensando no ano onde só havia horríveis cetros
cheios de esporões com que os tributos tinham que acertar uns aos outros até a
morte.
“Então faça um,” diz Gale. “Mesmo um arco e flecha fraco é
melhor que nenhum arco e flecha.”
Eu tentara copiar
os arcos e flechas do meu pai com resultados fracos. Não é tão fácil. Até ele
tinha que jogar fora seu próprio trabalho de vez em quando.
“Eu nem sei se
haverá madeira,” eu digo. Em outro ano, eles jogaram todos em um cenário com
nada além de pedras e areia e arbustos imundos. Eu particularmente odiei aquele
ano. Muitos competidores foram mordidos por cobras venenosas ou ficaram insanos
por causa da sede.
“Há quase sempre
um pouco de madeira,” Gale diz. “Já que naquele ano metade deles morreram de
frio. Não há muito entretenimento nisso.”
É verdade. Nós passamos
um Hunger Games assistindo os jogadores congelarem até a morte de noite. Você
mal podia vê-los porque eles estavam contraídos em bolas e não tinham madeira
para fogueiras ou tochas ou qualquer coisa. Foi considerado muito
anti-climático no Capital, todas aquelas mortes silenciosas e sem derramamento
de sangue. Desde então, geralmente há madeira pra fazer fogueiras.
“Sim, geralmente
tem um pouco,” eu digo.
“Katniss, é apenas
caçada. Você é a melhor caçadora que eu conheço,” diz Gale.
“Não é só caçada.
Eles estão armados. Eles pensam,” eu digo.
“Assim como você.
E você praticou mais. Prática real,” ele diz. “Você sabe como matar.”
“Não pessoas,” eu
digo.
“O quão diferente
pode ser, sério?” diz Gale carrancudamente.
O horrível é que
se eu conseguir esquecer que eles são pessoas, não será nem um pouco diferente.
Os Pacifistas
voltam cedo demais e Gale pede por mais tempo, mas eles o estão levando e eu
começo a entrar em pânico. “Não as deixe morrer de fome!” Eu gritei, unindo-me
a sua mão.
“Eu não deixarei!
Você sabe que eu não deixarei! Katniss, lembre-se que eu –” ele diz, e eles nos
tiram de perto e batem a porta e eu nunca saberei o que é que ele queria que eu
me lembrasse.
É um caminho curto
do Prédio da Justiça até a estação de trem. Eu nunca estive num carro antes.
Raramente andei em vagões. Em Seam, nós viajamos a pé.
Eu estive certa em
não chorar. A estação está pululando de repórteres com suas câmeras feito
insetos instruídos diretamente no meu rosto. Mas eu pratiquei muito apagar meu
rosto de emoções e eu faço isso agora. Eu capturo um relampejo de mim mesma na
tela de televisão na parede que está transmitindo a minha chegada ao vivo e me
sinto grata por parecer quase entediada.
Peeta Mellark, por outro lado, obviamente esteve chorando e,
mais interessante, não parece tentar cobrir isso. Eu imediatamente me pergunto
se essa será sua estratégia no Games. Aparecer fraco e assustado, reassegurar
aos outros tributos que ele não é competição algum, e então sair lutando. Isso
funcionou muito bem para uma garota, Johanna Mason, do Distrito 7, há alguns
anos. Ela parecia uma tola tão choramingona e covarde que ninguém se incomodou
com ela até que sobrou apenas um punhado de participantes. Acontece que ela
podia matar viciosamente. Bem esperto, o jeito como ela jogou. Mas essa parece
uma estratégia estranha para Peeta Mellark, porque ele é filho do padeiro.
Todos esses anos tendo o bastante para comer e transportando bandejas de pão
por aí o fizeram ter ombros largos e fortes. Será preciso muita choradeira para
convencer qualquer um a negligenciá-lo.
Nós temos que
ficar de pé por alguns minutos na entrada do trem enquanto as câmeras engolem
as nossas imagens, então nos permitem entrar e as portas fecham compassivamente
atrás de nós. O trem começa a se mover de imediato.
A velocidade
inicialmente tira meu fôlego. É claro, eu nunca estive em um trem, já que
viagens entre distritos são proibidas, exceto para deveres oficialmente
sancionados. Para nós, isso quase sempre é transportar carvão. Mas esse não é
um trem normal de carvão. É um dos modelos de alta velocidade do Capital que
chega a uma média de 402 quilômetros por hora. Nossa jornada para Capital
levará menos que um dia.
Na escola, eles
nos dizem que Capital foi construído num lugar que uma vez chamara-se Montanhas
Rochosas. O Distrito 12 estava numa região conhecida como Appalachia. Mesmo há
centenas de anos, eles exploravam carvão aqui. E é por isso que nossos
mineradores tem que escavar tão fundo.
De alguma maneira,
tudo se volta ao carvão na escola. Além de leitura e matemática básica, a
maioria das nossas instruções são relacionadas a carvão. Exceto pelas aulas
semanais de história de Panem. Na maior parte é um monte de tolices sobre o que
devemos a Capital. Eu sei que deve ter mais do que eles nos dizem, uma
explicação real sobre o que aconteceu durante a rebelião. Mas eu não passo
muito tempo pensando nisso. Qualquer que seja a verdade, eu não vejo como ela
pode me ajudar a colocar comida na mesa.
O trem do tributo
é ainda mais chique do que a sala no Prédio da Justiça. É dado a cada um de nós
nossas próprias câmaras, que tem um quarto, um camarim, e um banheiro privado
com água quente e fria corrente. Nós não temos água quente em casa, a não ser
que a fervamos.
Há gavetas cheias
de roupas finas, e Effie Trinket me diz para fazer o que eu quiser, usar o que
eu quiser, tudo está a minha disposição. É só estar pronta para o jantar em uma
hora. Eu me retiro do vestido azul da minha mãe e tomo um banho quente. Eu
nunca tomei banho de chuveiro antes. É como estar em uma chuva de verão, só que
mais quente. Eu me visto com uma camisa e calça verde escura.
No último minuto,
eu me lembro do pequeno alfinete dourado da Madge. Pela primeira vez, eu dou
uma boa olhada nele. É como se alguém tivesse criado um pequeno pássaro dourado
e então anexado um anel ao redor. O pássaro está conectado ao anel só pelas
pontas da asa. Eu de repente o reconheci. Um mockinjay.
Eles são pássaros estranhos e meio que um tapa na cara de Capital.
Durante a rebelião, o Capital reproduziu uma série de animais geneticamente
alterados como armas. O termo comum para eles era muttações, ou às vezes mutts,
como apelido. Um era um pássaro especial chamado jabberjay que tinha a
habilidade de memorizar e repetir conversas humanas inteiras. Eles eram
pássaros residentes, exclusivamente masculinos, que eram soltos em regiões onde
era sabido que os inimigos de Capital estavam escondidos. Após os pássaros
coletarem palavras, eles voavam de volta aos centros para ser gravados. Levou
um tempo para as pessoas perceberem o que estava acontecendo nos distritos,
como conversas privadas estavam sendo transmitidas. Então, é claro, os rebeldes
alimentaram Capital com inúmeras mentiras, e a piada começou. Então os centros
foram fechados e os pássaros abandonados para morrer na selva.
Só que eles não
morreram. Ao invés, os jabberjays se acasalaram com mockinbirds fêmeas, criando
uma nova espécie que conseguia replicar tanto os assobios dos pássaros quando
as melodias humanas. Eles perderam a habilidade de enunciar palavras, mas ainda
conseguiam mimicar uma cadeia de sons vocais humanos, de um gorjeio agudo de
uma criança até os tons profundos de um homem. E eles conseguiam recriar
canções. Não só poucas notas, mas canções inteiras com múltiplos versos, se
você tivesse paciência para cantar para eles e se eles gostassem da sua voz.
Meu pai era
particularmente afeiçoado aos mockinjays. Quando saíamos para caçar, ele
assobiava ou cantava canções complicadas para eles e, após uma pausa educada, eles
sempre cantavam de volta. Nem todos são tratados com tanto respeito. Mas sempre
que meu pai cantava, todos os pássaros na área caiam no silêncio e escutavam.
Sua voz era tão bonita, alta e clara e tão cheia de vida que fazia você querer
rir e chorar ao mesmo tempo. Eu nunca consegui me forçar a continuar a praticar
depois que ele partiu. Ainda assim, há algo de confortante no passarinho. É
como ter um pedaço do meu pai comigo, me protegendo. Eu prendo o alfinete na
minha camisa, e com o tecido verde escuro de fundo, eu quase consigo imaginar o
mockinjay voando pelas árvores.
Effie Trinket vem
me buscar para o jantar. Eu a sigo por um corredor estreito e chacoalhante até
a sala de jantar com refinadas paredes almofadadas. Há uma mesa onde todos os
pratos são altamente quebráveis. Peeta Mellark está sentado esperando por nós,
a cadeira próxima a ele vazia.
“Onde está
Haymitch?” pergunta Effie Trinket alegremente.
“Da útlima vez que
eu o vi, ele disse que ia tirar uma soneca,” diz Peeta.
“Bem, foi um dia
exaustivo,” diz Effie Trinket. Eu acho que ela está aliviada pela ausência de
Haymitch, e quem pode culpá-la?
O jantar vem em
porções. Uma espessa sopa de cenoura, salada verde, costeletas de carneiro e
purê de batata, queijo e fruta, um bolo de chocolate. Durante a refeição, Effie
Trinket fica nos lembrando para guardar lugar, porque há mais por vir. Mas eu
estou me empanturrando porque nunca tive comida como essa antes, tão boa e tão
farta, e porque provavelmente a melhor coisa que eu posso fazer entre agora e
os Games é engordar alguns quilos.
“Pelo menos vocês dois tem boas maneiras,” diz Effie
enquanto terminamos o prato principal. “O par do ano passado comeu tudo com as
mãos como dois selvagens. Perturbou completamente minha digestão.”
O par do ano
passado foram duas crianças de Seam que nunca, nem por um dia em suas vidas,
tiveram o bastante para comer. E quando eles tinham comida, maneiras a mesa
eram certamente a última coisa em suas mentes. Peeta é filho do padeiro. Minha
mãe ensinou Prim e eu a comer propriamente, então sim, eu sei lidar com um
garfo e uma faca. Mas eu odeio tanto o comentário de Effie Trinket que eu tomo
nota de comer o resto da minha refeição com meus dedos. Então eu limpo minhas
mãos na toalha de mesa. Isso a fez franzir seus lábios apertadamente juntos.
Agora que a
refeição acabou, eu estou lutando para manter a comida no lugar. Eu posso ver
que Peeta está um pouquinho verde também. Nenhum dos nossos estômagos está
acostumado a um cardápio tão rico. Mas se eu consigo segurar o preparado de
carne de rato, entranhas de porco, e casca de árvore da Greasy Sae – uma
especialidade do inverno – eu estou determinada a segurar isso.
Nós vamos a outro
compartimento para assistir o recapitulamento das colheitas por Panem. Eles
tentam balancearem-nas durante o dia para que uma pessoa possa concebivelmente
assistir o negócio todo ao vivo, mas só pessoas em Capital podem realmente
fazer isso, já que nenhuma delas tem que atender colheitas pessoalmente.
Uma por uma, vemos
as outras colheitas, os nomes chamados, os voluntários se apresentando ou, mais
frequentemente, não. Nós examinamos os rostos das crianças que serão nossa
competição. Algumas se destacam na minha mente. Um garoto monstruoso que se
lança a frente para se voluntariar pelo Distrito 2. Uma garota de rosto astuto
com cabelo vermelho liso do Distrito 5. Um garoto com um pé inválido do
Distrito 10. E, mais assustador, uma garota de doze anos do Distrito 11. Ela
tem pele e olhos marrom escuros, mas fora isso, ela é bem parecida com Prim no
tamanho e no comportamento. Só que quando ela sobe no palco e eles pedem por
voluntários, tudo o que você consegue ouvir é o vento assoprando pelos prédios
decrépitos ao redor dela. Ninguém deseja tomar seu lugar.
Por último, eles
mostram o Distrito 12. Prim sendo chamada, eu correndo a frente para me
voluntariar. Você não consegue deixar passar o desespero em minha voz enquanto
eu empurro Prim para trás de mim, como se eu tivesse medo de que ninguém iria
ouvir e eles tomassem Prim. Mas, é claro, eles ouvem. Eu vejo Gale puxando-a de
mim e observo a mim mesma subir no palco. Os comentaristas não tem certeza do
que dizer sobre a recusa da multidão em aplaudir. A saudação silenciosa. Um diz
que o Distrito 12 sempre foi um tanto atrasado, mas que costumes locais podem
ser charmosos. Bem no momento correto, Haymitch cai do palco, e eles berram
comicamente. O nome de Peeta é sorteado, e ele silenciosamente toma seu lugar.
Nós apertamos as mãos. Eles cortam para o hino novamente, e o programa acaba.
Effie Trinket está
decepcionada sobre o estado que sua peruca se encontrava. “Seu mentor tem muito
o que aprender sobre apresentação. Muito sobre comportamento televisivo.”
Peeta ri inesperadamente. “Ele estava bêbado,” diz Peeta.
“Ele fica bêbado todo ano.”
“Todo dia,” eu
acrescento. Eu não posso evitar forçar um pouco o riso. Effie Trinket faz soar
como se Haymitch tivesse simplesmente algumas maneiras brutas que pudessem ser
corrigidas com algumas dicas dela.
“Sim,” sibila
Effie Trinket. “Que estranho vocês dois acharem isso engraçado. Vocês sabem que
seu mentor é sua corda de salvação ao mundo nesses Games. Aquele que o
aconselha, encarreira seus patrocinadores, e dita a apresentação de qualquer
presente. Haymitch pode muito bem ser a diferença entre a sua vida e a sua
morte!”
Bem então,
Haymitch tropeça para dentro do compartimento. “Eu perdi o jantar?” ele diz
numa voz indistinta. Então ele vomita sobre todo o tapete caro e cai na
bagunça.
“Então riam a
vontade!” diz Effie Trinket. Ela salta ao redor da piscina de vômito em seus
sapatos de bico fino e foge da sala.
4
Por alguns
momentos, Peeta e eu captamos a cena do nosso mentor tentando se levantar do
material vil e escorregadio do seu estômago. A fetidez do vômito e do álcool
bruto quase traz minha refeição para fora. Nós trocamos um olhar. Obviamente
Haymitch não era muita coisa, mas Effie Trinket está certa quanto a uma coisa,
uma vez dentro da arena ele é tudo que teremos. Como se por um acordo
silencioso, Peeta e eu tomamos cada um braço de Haymitch e o ajudamos a se
levantar.
“Eu tropecei?”
Haymitch pergunta. “Cheira ruim.” Ele esfrega sua mão no nariz, manchando seu
rosto de vômito.
“Vamos levá-lo de
volta ao seu quarto,” diz Peeta. “Te limpar um pouco.”
Nós meio que
carregamos Haymitch de volta a sua cabine. Desde que não podemos exatamente
jogá-lo na cama bordada, o rebocamos para dentro da banheira e abrimos o
chuveiro. Ele nem nota.
“Ok,” Peeta diz
para mim. “Eu continuo daqui.”
Não posso evitar
me sentir um pouco grata visto que a última coisa que eu quero fazer é despir
Haymitch, lavar o vômito dos pêlos do seu peito, e enfiá-lo numa cama.
Possivelmente Peeta está tentando fazer uma boa impressão nele, para ser seu
favorito uma vez que os
Games comecem. Mas julgando o estado em que ele está,
Haymitch não terá nenhuma memória amanhã.
“Tudo bem,” digo.
“Posso mandar alguém do Capital vir te ajudar.” Há muitos deles no trem.
Cozinhando para nós. Esperando por nós. Guardando-nos. Tomar conta de nós é
trabalho deles.
“Não. Eu não os
quero,” diz Peeta.
Eu aceno e sigo
para meu próprio quarto. Entendo como Peeta se sente. Eu não posso suportar a
visão das pessoas de Capital. Mas fazê-las lidar com Haymitch poderia ser uma
pequena forma de vingança. Então eu ponderei a razão para ele insistir em
cuidar do Haymitch e repentinamente eu penso, É porque ele está sendo gentil.
Justo como ele foi gentil ao me dar o pão.
A idéia foge
rapidamente. O tipo Peeta Mellark é muito mais perigoso para mim do que o tipo
cruel. Pessoas gentis sempre têm uma forma de trabalhar seus caminhos para
dentro da mim e se enraizar lá. E eu não posso deixar Peeta fazer isso. Não
onde nós estamos indo. Então eu decido, desse momento em diante, ter o mínimo
possível para fazer com o filho do padeiro.
Quando eu entro no
meu quarto, o trem está parado numa plataforma para abastecer. Abro rapidamente
a janela, jogo os biscoitos que o pai de Peeta me deu fora do trem, e fecho a
janela com força. Não mais. Não mais de nenhum deles.
Infelizmente, o
pacote dos biscoitos bate no chão e se abre num remendo de dandelions pela
pista. Vejo a imagem apenas por um momento, porque o trem começa a se mover,
mas é o bastante. O bastante para me lembrar de outro dandelion no campo da
escola anos atrás...
Eu tinha acabado
de me virar do rosto machucado de Peeta Mellark quando vi o dandelion* e eu
soube que a esperança não estava perdida. Eu o arranquei cuidadosamente e me
apressei para casa. Agarrei um balde e a mão de Prim e segui para Meadow e sim,
ele estava pontilhada de ervas daninhas amarelas. Depois de nós as arrancarmos,
nós procuramos nos arredores dentro do muro por provavelmente um 1,5 km até que
nós tínhamos enchido o balde com dandelions verdes, raízes e flores. Naquela
noite, nos empanturramos com uma salada de dandelion e o resto do pão da
padaria.
“Que mais?” Prim
me perguntou. “Que mais comida nós podemos encontrar?”
“Todo tipo de
coisa,” prometi a ela. “Só tenho que lembrá-las.”
* Tipo de erva
Minha mãe pegou um
livro que ela tinha trazido com ela da loja farmacista. As páginas eram feitas
de velho pergaminho e coberta de pinturas de plantas. Blocos de caligrafia
limpa disseram seus nomes, onde os juntando, quando eles florescem, seus usos
medicinais. Mas meu pai acrescentou outras entradas no livro. Plantas para
comer, não curar. Dandelions,
ervas, cebolas selvagens, pinhos. Prim e eu passamos o resto
da noite debruçadas sobre essas páginas.
No dia seguinte,
nós faltamos à escola. Por um tempo eu fiquei andando perto dos muros de
Meadow, mas finalmente juntei coragem para ir debaixo da cerca. Era a primeira
vez que tinha estado lá sozinha, sem as armas do meu pai para me proteger. Mas
eu recuperei o pequeno arco e flechas que ele tinha feito para mim de um tronco
oco. Eu provavelmente não fui mais que 20 metros floresta adentro naquele dia.
Na maior parte do tempo, eu fiquei empoleirada nos galhos de um velho carvalho,
esperando que uma caça viesse. Após algumas horas, eu tive a sorte de matar um
coelho.
Eu tinha acertado
uns poucos coelhos antes, com a ajuda do meu pai. Mas dessa vez eu tinha feito
sozinha.
Não tínhamos tido
carne em meses. A visão do coelho pareceu mexer algo na minha mãe. Ela
despertou, pele de carcaça, e fez uma sopa com a carne e algumas verduras que
Prim tinha juntado. Então ela ficou confusa e voltou para cama, mas quando a
sopa estava feita, nós a fizemos comer uma tigela.
A floresta se
tornou nossa salvação, e a cada dia eu ia um pouco além a seus braços. Era
devagar no princípio, mas eu estava determinada a nos alimentar. Roubei ovos
dos ninhos, peguei peixe com redes, às vezes eu conseguia acertar um esquilo ou
um coelho para a sopa, e juntava as diversas plantas que surgiram sob meus pés.
Plantas eram enganadoras. Muitas são comestíveis, mas um bocado falso e você
está morta. Eu verifico uma e outra vez as plantas que eu colhi das figuras do
meu pai. Eu nos mantenho vivas.
Qualquer sinal de
perigo, um uivo distante, uma quebra de galho inexplicável, faz-me correr de
volta para a cerca. Então começo a me arriscar subir nas árvores para escapar
de cães selvagens que rapidamente ficam entediados e vão embora. Ursos e gatos
vivem mais adentro, talvez não gostando do fedor de fuligem do nosso distrito.
Em 8 de Maio, eu
fui para o Edifício da Justiça, registrei-me para o tesserae, e levei para casa
meu primeiro lote de grãos e óleo no vagão de brinquedo de Prim. No oitavo dia
de cada mês eu tinha o direito de fazer o mesmo. Eu não podia parar de caçar e
colher, é claro. Os grãos não são o suficiente para viver, e havia outras
coisas para comprar, sabão e leite e cordas. O que nós não precisávamos
absolutamente para comer, comecei a negociar no Hob. Foi assustador entrar
naquele lugar sem meu pai do meu lado, mas as pessoas tinham o respeitado, e me
aceitaram. Caça era caça depois de tudo, não importa quem pegou. Eu também
vendi nas portas dos fundos de clientes ricos na cidade, tentando lembrar o que
meu pai tinha me dito e aprendendo alguns poucos truques também. O açougueiro
compraria meus coelhos mas não os esquilos. O padeiro aproveitaria os esquilos,
mas só negociaria um se a esposa não tivesse por perto. O Pacifista Chefe
adorava perus selvagens. O prefeito tinha uma paixão por morangos.
No final do verão,
eu estava me lavando em um lago quando notei as plantas crescendo ao meu redor.
Altas com folhas com pontas afiladas. Florescendo com três pétalas brancas. Eu
me ajoelhei na água, meus dedos escavando na lama macia, e puxei um punhado de
raízes. Bulbos
azulados que não parecem muita coisa, mas cozidos ou assados
eram tão bons quanto batatas. “Katniss,” eu disse alto. É a planta cujo nome me
foi dado. E eu ouvi a voz do meu pai brincando, “Contanto que você ache a si
mesma, você nunca morrerá de fome.” Passei horas agitando o leito da lagoa com
meus dedos dos pés e uma vara, colhendo os bulbos que flutuavam para a
superfície. Naquela noite nós banqueteamos com peixe e raízes de katniss até
que todos nós, pela primeira vez em meses, estávamos cheios.
Lentamente, minha
mãe retornou para nós. Ela começou a limpar e cozinhar e guardar alguma da
comida que eu trouxe para o inverno. Pessoas negociam conosco ou pagam em
dinheiro pelos recursos médicos dela. Um dia, eu a ouvi cantando.
Prim estava
emocionada por tê-la de volta, mas continuei observando, esperando que ela
desaparecesse de nós novamente. Não confiei nela. E em algum pequeno lugar
retorcido dentro de mim eu a odiava pela sua fraqueza, pela sua negligência,
pelos meses em que ela nos deixou de lado. Prim a perdoou, mas eu coloquei um
pé atrás com a minha mãe, coloquei um muro para me proteger de precisar dela, e
nada nunca mais foi o mesmo entre nós.
Agora eu ia morrer
sem nunca ter ajeitado tudo. Eu pensei em como eu tinha gritado com ela hoje no
Edifício da Justiça. Eu tinha dito que a amava, também, no entanto. Então
talvez deva ter balanceado.
Por um momento eu
fico de pé olhando pela janela do trem, desejando poder abri-la de novo, mas
incerta do que poderia acontecer numa velocidade tão alta. À distância, vejo
luzes de outro distrito. 7? 10? Não sei. Penso nas pessoas em suas casas,
arrumando-se para dormir. Imagino minha casa, com as persianas apertadas. O que
elas estão fazendo agora, minha mãe e Prim? Estão na mesa comendo a refeição?
Sopa de peixe e morangos? Ou isso está intocado em seus pratos? Elas assistiram
o resumo dos eventos do dia na velha TV a bateria que fica na mesa contra a
parede? Certamente, houve mais lágrimas. Minha mãe está segurando a barra,
sendo forte pela Prim? Ou ela já começou a escapulir, deixando o peso do mundo
nos ombros frágeis da minha irmã?
Prim sem dúvida
dormirá com minha mãe hoje à noite. O pensamento daquele Buttercup velho e
imundo se colocando na cama para vigiar Prim me conforta. Se ela chorar, ele
vai intrometer-se em seus braços e enrolar-se lá até ela se acalmar e dormir.
Eu estou muito satisfeita por não tê-lo afogado.
Imaginar minha
casa me faz doer de solidão. Esse dia parece interminável. Gale e eu podíamos
estar comendo amoras apenas essa manhã? Parecia que tinha sido há um longo
tempo. Como um longo sonho deteriorado num pesadelo. Talvez, se eu for dormir,
acordarei de volta no Distrito 12, onde eu pertenço.
Provavelmente as
gavetas estão cheias de camisolas, mas eu apenas tiro minha camisa e calças e
subo na cama só com a roupa íntima. Os lençóis eram feitos de tecido macio e sedoso.
Uma manta grossa e macia me dá conforto imediatamente.
Se eu vou chorar,
agora é a agora. De manhã, eu vou ser capaz de lavar o dano feito pelas minhas
lágrimas do meu rosto. Mas nenhuma lágrima veio. Eu estou cansada e paralisada
demais para chorar. A única coisa que sinto é um desejo de
estar em qualquer outro lugar. Então deixo o trem me balançar para o
esquecimento.
Luz cinza está
escapando através das cortinas quando a batida me desperta. Escuto a voz de
Effie Trinket, chamando para me levantar. “Levanta, levanta, levanta! Hoje vai
ser um grande, grande, grande dia!” Tento imaginar, por um momento, como deve
ser dentro da cabeça daquela mulher. Que pensamentos a preenchem durante as
horas? Que sonhos vêm a ela a noite? Não tenho idéia.
Coloco os trajes
verdes de volta visto que não estão realmente sujos, só levemente amarrotados
por passar a noite no chão. Meus dedos traçam o círculo ao redor do pequeno
mockinjay e penso na floresta, no meu pai, e na minha mãe e Prim acordando,
tendo que colocar as coisas nos lugares.
Eu dormi com a
trança elaborada que minha mãe fez para a colheita e não parece muito ruim,
então eu a deixo. Não importa. Não podemos estar longe do Capital agora. E uma
vez que nós cheguemos à cidade, meu estilista ditará minha aparência para a
cerimônia de abertura hoje à noite, de qualquer forma. Eu só espero que eu
pegue alguém que não pense que nudez é a última palavra em moda.
Quando entro no
vagão restaurante, Effie Trinket me tocou de leve com uma xícara de café preto.
Ela está murmurando obscenidades sob sua respiração. Haymitch, sua face inchada
e vermelha das indulgências do dia anterior, está dando risadas. Peeta segura
um pãozinho e parece um pouco embaraçado.
“Sente-se!
Sente-se!” diz Haymitch, acenado para mim. No momento em que eu sento na minha
cadeira sirvo-me de um enorme prato de comida. Ovos, presunto, pilhas de
batatas fritas. Uma terrina de frutas fica sobre o gelo para manter-se fria. A
cesta de pãezinhos colocada a minha frente manteria minha família por uma
semana. Há um elegante jarro de sujo de laranja. Ao menos eu acho que é suco de
laranja. Eu só experimentei laranja uma vez, no ano novo, quando meu pai trouxe
uma como um banquete especial. Uma xícara de café. Minha mãe adora café, que
nós quase nunca podíamos bancar, mas parece apenas amargo e fino para mim. Uma
xícara de algo de um marrom forte que eu nunca tinha visto.
“Eles chamam de
chocolate,” diz Peeta. “É bom.”
Eu tomo um gole do
líquido quente, doce e cremoso e um tremor me percorre. Mesmo com o resto da
refeição me chamando, eu o ignoro e termino a minha xícara. Então engulo todo o
gole que seguro, que é uma quantidade substancial, sendo cuidadosa para não
exagerar nessa coisa rica. Uma vez, minha mãe me contou que eu sempre comia como
se nunca mais fosse ver comida novamente. E eu falei, “Não vou a menos que eu a
traga para casa.” Isso a silenciou.
Quando meu
estômago parece que vai botar para fora, eu me inclino para trás e olho para
meus companheiros de café da manhã. Peeta ainda está comendo, tirando pedaços
dos pães e os mergulhando no chocolate quente. Haymitch não tem dado muita
atenção ao seu prato, mas ele está tomando uma taça de um suco vermelho que ele
mantém diluído com um líquido claro de uma garrafa. Julgando pela espuma, é
algum tipo de bebida. Não conheço Haymitch,
mas eu tenho o visto freqüentemente o bastante no Hob,
Jogando punhados de dinheiro em um canto com uma mulher que vende líquido
branco. Ele estará incoerente no momento em que nós chegarmos ao Capital.
Noto que detesto
Haymitch. Sem dúvida os tributos do Distrito 12 têm chance. Não é só que nós
estivermos desnutridos e sem treinamento. Alguns dos nossos tributos tinham
sido fortes o bastante para fazer algo. Mas nós dificilmente conseguimos
patrocinadores e ele é em grande parte o motivo. Mas pessoas ricas pegam
tributos – ou porque eles estão apostando neles ou simplesmente para ter o
direito de se gabar de ter escolhido o vencedor – esperam alguém com mais
classe que Haymitch para lidar.
“Então, você é
para, supostamente, dar-nos conselhos,” digo para Haymitch.
“Aqui está um
conselho. Fique viva,” diz Haymitch, e então explode em risadas. Troco um olhar
com Peeta antes de lembrar que eu não tenho nada a fazer com ele. Estou
surpresa de ver dureza em seus olhos. Ele geralmente parece tão brando.
“Isso é muito
divertido,” diz Peeta. De repente ele joga a taça fora da mão de Haymitch. Ela
se quebra no chão, mandando o líquido vermelho para a parte detrás de trem. “Só
não para nós.”
Haymicth considera
isso por um momento, então coça Peeta no maxilar, jogando da sua cadeira.
Quando ele se vira para pegar a bebida, eu coloco minha faca na mesa entre sua
mão e a garrafa mal errando seus dedos. Eu me esforço para desviar de sua
batida, mas ela não veio. Em vez disso ele se senta de volta e dá uma olhada
para nós.
“Bem, o que é
isso?” diz Haymitch. “Eu realmente peguei um par de lutadores esse ano?”
Peeta se levanta
do chão e pega um punhado de gelo debaixo da terrina de frutas. Ele começa a
levá-lo para a marca vermelha de seu maxilar.
“Não,” diz
Haymitch, o parando. “Deixe o machucado aparecer. A audiência pensará que você
o trocou com outro tributo antes de você mesmo fazer algo na arena.”
“Isso é contra as
regras,” diz Peeta.
“Somente se eles
te pegarem. Esse machucado dirá que você brigou, você não foi pego, ainda
melhor,” diz Haymitch. Ele se vira para mim. “Você pode acertar qualquer coisa
com a faca além da mesa?”
O arco e a flecha
são minhas armas. Mas eu passei um bom tempo atirando facas também. Às vezes,
se eu tinha ferido um animal com a flecha, era melhor pegar a faca também,
antes de me aproximar. Noto que se eu quero a atenção de Haymitch, esse é o meu
momento para fazer uma impressão. Arranco minha faca da mesa, consigo o
controle da lâmina, e então a atiro na parede do outro lado do quarto. Eu
estava de fato apenas esperando uma sólida cravada, mas ela se aloja na fresta
entre duas panelas, fazendo-me parecer muito melhor do que sou.
“Fiquem de bem
ali. Vocês dois,” diz Haymitch, acenando para o meio do aposento. Nós
obedecemos e ele nos circula, cutucando-nos como animais às vezes, checando
nossos
músculos, examinando nossas faces. “Bem, vocês não parecem
inteiramente perdidos. Parecem combinar. E uma vez que os estilistas os
pegarem, você serão atraentes o bastante.”
Peeta e eu não
questionamos isso. Os Hunger Games não são uma competição de beleza, mas os
tributos mais bonitos sempre parecem conseguir mais patrocinadores.
“Ok, vou fazer um
acordo com vocês. Vocês não interferem com a minha bebida, e eu ficarei sóbrio
o bastante para ajudá-los,” diz Haymitch. “Mas vocês têm que fazer exatamente o
que eu digo.”
Isso não é muito
um acordo, mas ainda é um grande passo adiante comparado a dez minutos atrás
quando nós não tinhamos nenhuma ajuda.
“Ótimo,” diz
Peeta.
“Então nos ajude,”
digo. “Quando nós entrarmos na arena, qual é a melhor estratégia no Cornucopia
para alguém –”
“Uma coisa de cada
vez. Em poucos minutos, nós estaremos entrando na estação. Vocês serão
colocados nas mãos dos estilistas. Vocês não gostarão do que eles fazem com
vocês. Mas não importa o quê, não resistam,” diz Haymitch.
“Mas –” eu começo.
“Sem mais. Não
resistam,” diz Haymitch. Ele pega a garrafa de bebida da mesa e deixa o vagão.
Enquanto as portas fecham atrás dele, o vagão fica escuro. Há ainda algumas
poucas luzes dentro, mas fora é como se a noite tivesse caído novamente. Noto
que nós devemos estar num túnel que corre através das montanhas para o Capital.
As montanhas formam uma barreira natural entre o Capital e os distritos
orientais. É quase impossível entrar do leste exceto através dos túneis. Essa
vantagem geográfica foi um fator importante na derrota dos distritos que me
levou a ver um tributo hoje. Desde que os rebeldes tinham que escalar as
montanhas, eles eram alvos fáceis para as forças aéreas do Capital.
Peeta Mellark e eu
ficamos em silêncio enquanto o trem movia-se com velocidade. O túnel continua e
continua e eu penso nas toneladas de rocha que me separam do céu, e meu peito
se aperta. Odeio ser envolvida numa pedra dessa forma. Lembra das minas e do
meu pai, emboscado, incapaz de atingir a luz do sol, enterrado para sempre na
escuridão.
O trem finalmente
começa a diminuir de velocidade e de repente uma luz brilhante inunda o
compartimento. Nós não podemos evitar. Ambos Peeta e eu corremos para a janela
para ver o que nós tínhamos visto apenas na televisão, o Capital, a cidade
governante de Panem. As câmeras não tinham mentido sobre sua grandeza. De fato,
eles não tinham capturado o bastante de toda a magnificência dos edifícios
cintilantes em um arco-íris de cores que se erguem ao ar, os carros reluzentes
que andam nas largas ruas pavimentadas, as pessoas vestidas de forma estranha
com cabelos bizarros e faces pintadas que nunca perderam uma refeição. Todas as
cores parecem artificiais, o rosa muito profundo, o verde muito brilhante, o
amarelo doloroso aos olhos, como os discos redondos de um doce duro que nós
nunca podemos bancar na minúscula loja de doces no Distrito 12.
As pessoas começam a nos apontar avidamente enquanto eles
reconhecem um trem de tributo entrando na cidade. Dou um passo para longe da
janela, nauseada pelo excitamento deles, sabendo que eles não podem esperar
para nos ver morrer. Mas Peeta continua lá, na verdade acenando e sorrindo para
a tola multidão. Ele só para quando o trem entra na estação, bloqueando-nos de
suas vistas.
Ele me vê olhando
para ele e encolhe os ombros. “Quem sabe?” ele diz. “Um deles pode ser rico.”
Tenho o julgado
mal. Penso nas suas ações desde a colheita começar. O aperto amigável na minha
mão. Seu pai mostrando os biscoitos e prometendo alimentar Prim... Peeta o fez
fazer aquilo? Suas lágrimas na estação. Voluntariando-se para lavar Haymitch,
mas então o desafiando essa manhã quando aparentemente a abordagem cara-legal
tinha falhado. E agora acenando na janela, já tentando ganhar a multidão.
Todos os pedaços
ainda estão se encaixando, mas eu percebo que ele tem um plano formado. Ele não
tem aceitado sua morte. Ele já está lutando duro para sobreviver. O que
significa que o tipo Peeta Mellark, o garoto que me deu o pão, está lutando
duro para me matar.
5
R-i-i-i-p! Eu
cerrei meu dentes enquanto Venia, uma mulher com cabelo azul-piscina e
tatuagens douradas acima de suas sobrancelhas, puxa um pedaço de pano da minha
perna, arrancando o cabelo abaixo dela. “Perdão!” ela grita em seu tolo sotaque
de Capital. “É que você é tão peluda!”
Por que essas
pessoas sempre falam tão alto? Por que suas mandíbulas mal abrem quando elas
falam? Por que o final das frases delas sobem como se elas estivessem fazendo
uma pergunta? Vogais estranhas, palavras cortadas, e sempre um zunido na letra
s... não é de se espantar que é impossível não imitá-los.
Venia faz o que
deveria ser um rosto simpático. “Boa notícia, contudo. Esse é o último.
Pronta?” Eu agarro as pontas da mesa na qual estou sentada e aceno. A faixa
final dos pelos da minha perna é arrancada com um puxão violento.
Eu estou no Centro
de Remodelagem por mais de três horas e eu ainda não conheci meu estilista.
Aparentemente ele não tem interesse em me ver até que Venia e os outros membros
da minha equipe de preparação tenham resolvido alguns problemas óbvios. Isso
incluíra
esfregar meu corpo com greda arenosa que removeu não só
sujeira, mas pelo menos três camadas de pele, transformando minhas unhas em
formas uniformes, e primariamente livrando meu corpo de pelos. Minhas pernas,
braços, torso, axilas, e partes das minhas sobrancelhas tinham sido livradas
dos pelos, deixando-me como um pássaro depenado, pronto para assar. Eu não
gosto disso. Minha pele está dolorida e formigante e intensamente vulnerável.
Mas eu tinha mantido minha parte do acordo com Haymich, e nenhuma objeção
cruzou meus lábios.
“Você está indo
muito bem,” diz algum cara chamado Flavius. Ele dá uma chacoalhada em suas
mechas espirais laranjas e aplica uma camada nova de batom roxo em sua boca.
“Se há uma coisa que não suportamos, é um choramingão. Ensebem ela!”
Venia e Octavia,
uma mulher rechonchuda cujo corpo inteiro fora tingido de um tom pálido de
verde-ervilha, me esfregam com uma loção que primeiramente dói, mas depois
alivia minha pele ferida. Então eles me puxam da mesa, removendo o fino robe
que eu fora permitida a usar dentro e fora. Eu fico parada lá, completamente
nua, enquanto os três me circulam, empunhando pinças para remover todos os
últimos pedacinhos de pelo. Eu sei que deveria estar embaraçada, mas eles são
tão diferentes de pessoas que eu não estou mais auto-consciente do que se um
trio de pássaros estranhamente coloridos estivesse bicando ao redor do meu pé.
Os três recuam e
admiram seu trabalho. “Excelente! Você quase parece um ser humano agora!” diz
Flavius, e todos eles riem.
Eu forço meus
lábios em um sorriso para mostrar como estou grata. “Obrigada,” eu digo
docemente. “Não temos muito motivo para parecermos bem no Distrito Doze.”
Isso os conquista
completamente. “É claro que você não tem, pobre querida!” diz Octavia batendo
suas mãos em sofrimento por mim.
“Mas não se
preocupe,” diz Venia. “Quando Cinna terminar com você, você vai estar
absolutamente linda!”
“Nós prometemos!
Você sabe, agora que nos livramos de todos aqueles pelos e sujeira, você não é
mesmo horrível!” diz Flavius encorajadoramente. “Vamos chamar Cinna!”
Eles se lançam
para fora da sala. É difícil odiar a minha equipe de preparação. Eles são uns
idiotas totais. E ainda assim, de uma maneira estranha, eu sei que eles estão
sinceramente tentando me ajudar.
Eu olho para as
frias paredes e para o chão branco e resisto ao impulso de recuperar meu robe.
Mas esse Cinna, meu estilista, certamente me fará removê-lo imediatamente. Ao
invés, minhas mãos vão para o meu penteado, a única área do meu corpo que fora
dita a minha equipe de preparação para deixar quieta. Meus dedos acariciam as
tranças sedosas que minha mãe tão cuidadosamente arrumou. Minha mãe. Eu deixei
seu vestido e sapatos azuis no chão do vagão, nunca pensando em recuperá-los,
em tentar manter um pedaço dela, de casa. Agora eu desejava que tivesse
recuperado.
A porta se abre e um jovem que deve ser Cinna entra. Eu fico
surpresa por ver o quanto ele parece normal. A maioria dos estilistas que eles
tinham entrevistado na televisão tinham cabelos tão pintados, tinham tantos
desenhos de estêncil, e eram tão cirurgicamente alterados que eram grotescos.
Mas o cabelo curto de Cinna parece ser do seu tom natural de castanho. Ele está
com uma simples camiseta e calça pretas. A única concessão de auto-mudança
parece ser o delineador metálico dourado que foi aplicado com uma mão leve.
Destaca os grãos de dourado em seus olhos verdes. E, apesar do meu nojo por Capital
e seu senso fashion horrível, eu não consigo parar de pensar em como ele é
atraente.
“Olá, Katniss. Eu
sou o Cinna, seu estilista,” ele diz em uma voz baixa que de alguma forma
carece das afetações de Capital.
“Olá,” eu me
aventurei cuidadosamente.
“Só me dê um
momento, está certo?” ele pergunta. Ele anda ao redor do meu corpo nu, não me
tocando, mas tomando nota de cada centímetro dele com seus olhos. Eu resisto ao
impulso de cruzar meus braços sobre meu peito. “Quem arrumou o seu cabelo?”
“Minha mãe,” eu
digo.
“É lindo.
Clássico, realmente. E em equilíbrio quase perfeito com o seu perfil. Ela tem
dedos muito espertos,” ele diz.
Eu tinha esperado
alguém exibicionista, alguém mais velho tentando desesperadamente parecer mais
jovem, alguém que me via como um pedaço de carne a ser preparado num prato.
Cinna não correspondeu a nenhuma dessas expectativas.
“Você é novo, não
é? Eu não acho que eu o vi antes,” eu digo. A maior parte dos estilistas são
familiares, constantes na concentração dinâmica dos tributos. Alguns estiveram
em volta por a minha vida inteira.
“Sim, esse é o meu
primeiro ano nos Games,” diz Cinna.
“Então eles lhe
deram o Distrito Doze,” eu digo. Novatos geralmente acabam conosco, o distrito
menos desejável.
“Eu pedi pelo
Distrito Doze,” ele diz sem maiores explicações. “Por que não coloca seu robe e
batemos um papo?”
Puxando meu robe,
eu o sigo por uma porta para uma sala de estar. Dois sofás vermelhos encaram
uma mesa baixa. Três paredes estão vazias, a quarta é inteiramente de vidro,
providenciando uma janela para a cidade. Eu consigo ver pela luz que deve ser
por volta do meio-dia, apesar do céu ensolarado ter ficado nublado. Cinna me
convida para sentar em um dos sofás e toma seu lugar na minha frente. Ela
aperta um botão de um lado da mesa. O topo se divide e debaixo sobre um segundo
tampo de mesa que guarda nosso lanche. Frangos e pedaços de laranja cozinhados
em uma molho cremoso estavam deitados numa cama de grãos branco-perolados,
minúsculas ervilhas e cebolas, pãozinhos no formato de flores, e para
sobremesa, um pudim da cor de mel.
Eu tento imaginar coletar eu mesma essa refeição lá em casa.
Frangos são caros demais, mas eu podia me virar com um peru selvagem. Eu
precisaria atirar num segundo peru para rocar por uma laranja. O leite de cabra
teria que substituir o creme. Nós podemos plantar ervilhas no jardim. Eu teria
que pegar cebolas selvagens na floresta. Eu não reconheço o grão, nossa própria
ração de tessera cozinha e vira um mingau marrom feio. Pãozinhos chiques
significam outra troca com o padeiro, talvez dois ou três esquilos. E quanto ao
pudim, eu não consigo nem adivinhar o que tem dentro dele. Dias caçando e
reunindo coisas para essa única refeição e ainda assim seria uma substituição
pobre da versão do Capital.
Como deve ser, eu
me pergunto, viver num mundo onde a comida aparece ao toque de um botão? Como
eu passaria as horas que agora eu dedico a passar um pente na floresta
procurando por sustento se fosse tão fácil de arranjar? O que eles fazem o dia
todo, essas pessoas em Capital, além de decorar seus corpos e esperar por uma
nova descarga de tributos chegarem e morrerem para sua diversão?
Eu olhei para cima
e achei os olhos de Cinna treinados nos meus. “Como devemos parecer
desprezíveis para você,” ele diz.
Ele tinha visto
isso na minha cara ou de algum modo lido meus pensamentos? Ele está certo,
contudo. Todos eles são podres e desprezíveis.
“Não importa,” diz
Cinna. “Então, Katniss, sobre o seu traje para a cerimônia de abertura. Minha
parceira, Portia, é a estilista do seu companheiro de tributo, Peeta. E nosso
pensamento atual é vesti-la com um traje complementário,” diz Cinna. “Como você
sabe, é comum refletir o sabor do distrito.”
Para as cerimônias
de abertura, você deve usar algo que sugira a principal indústria do seu
distrito. Distrito 11, agricultura. Distrito 4, pescaria. Distrito 3, fábricas.
Isso significa que vindos do Distrito 12, Peeta e eu estaremos em algum tipo de
vestimenta de mineiros de carvão. Já que os macacões largos dos mineiros são
particularmente adequados, nossos tributos geralmente acabam em trajes
reduzidos e chapéus com lâmpadas frontais. Um ano nossos tributos foram
completamente nus e cobertos em pó negro para representar poeira de carvão. É
sempre horroroso e não ajuda em nada a conquistar a platéia em nosso favor. Eu
me preparo para o pior.
“Então, eu estarei
em um traje de mineiro de carvão?” Eu pergunto, esperando que não seja
indecente.
“Não exatamente.
Veja, Portia e eu achamos que o negócio de mineiros de carvão é muito
exagerado. Ninguém se lembrará de você com isso. E ambos vemos como nosso
trabalho transformar os tributos do Distrito Doze inesquecíveis," diz
Cinna.
Eu ficarei nua,
com certeza, eu penso.
“Então ao invés de
nos focarmos na própria mineiração de carvão, vamos nos focar no carvão,” diz
Cinna. Nua e coberta em poeira negra, eu penso. “E o que fazemos com o carvão?
Nós o queimamos,” diz Cinna.
“Você não tem medo de fogo, tem, Katniss?” Ele vê minha
expressão e sorri.
Algumas horas
depois, eu estou vestida no que será ou o traje mais sensacional ou o mais
fatal das cerimônias de abertura. Eu estou num macacão colado simples e preto
que me cobre do tornozelo até o pescoço. Brilhantes botas de couro enlaçadas
até os meus joelhos. Mas é a capa agitada feita de jorros de laranja, amarelo,
e vermelho e chapéu combinando que define esse traje. Cinna planeja tocar fogo
neles logo antes da nossa carruagem entrar nas ruas.
“Não são chamas de
verdade, é claro, só um pouco de fogo sintético que Poria e eu inventamos. Você
estará perfeitamente segura,” ele diz. Mas eu não estou convencida de que não
ficarei perfeitamente tostada na hora que alcançarmos o centro da cidade.
Meu rosto está
relativamente limpo de maquiagem, só um pouco de iluminador aqui e ali. Meu
cabelo fora escovado e então trançado pelas minhas costas no meu estilo normal.
“Eu quero que a audiência reconheça você quando você estiver na arena,” diz
Cinna sonhadoramente. “Katniss, a garota que estava pegando fogo.”
Passa pela minha
mente que a conduta calma e normal de Cinna esconde um completo louco.
Apesar da
revelação dessa manhã sobre o caráter de Peeta, eu estou na verdade aliviada
quando ele aparece, vestido em um traje idêntico. Ele deve conhecer fogo, sendo
o filho de um padeiro e tudo. Sua estilista, Portia, e o time dela
acompanhando-o ao entrar, e todos estão absolutamente tontos de animação sobre
o furor que causaremos. Exceto Cinna. Ele simplesmente parece um pouco fatigado
enquanto aceita os parabéns.
Somos movidos
rapidamente para o andar de baixo do Centro de Remodelagem, o que é
essencialmente um estábulo gigante. A cerimônia de abertura está para começar.
Pares de tributos estão sendo colocados em carruagens puxadas por times de
quatro cavalos. Os nossos são negros como carvão. Os animais são tão bem
treinados, ninguém nem mesmo precisa guiar suas rédeas. Cinna e Portia nos
dirigem para a carruagem e cuidadosamente arrumam as posições dos nossos
corpos, guarnecendo nossas capas, antes de saírem para fazerem consultas um com
o outro.
“O que você acha?”
eu sussurro para Peeta. “Do fogo?”
“Eu arranco a sua
capa se você arrancar a minha,” ele diz por dentes cerrados.
“Fechado,” eu
digo. Talvez, se conseguirmos tirá-las cedo o bastante, possamos evitar as
piores queimaduras. É ruim, contudo. Eles nos jogarão na arena não importa em
que condição estejamos. “Eu sei que prometemos a Haymitch que faríamos
exatamente o que eles dissessem, mas eu não acho que ele considerou esse
ângulo.”
“Onde está
Haymitch, de qualquer jeito? Ele não deveria nos proteger desse tipo de coisa?”
diz Peeta.
“Com todo aquele
álcool nele, provavelmente não é aconselhável tê-lo por perto de chamas,” eu
digo.
E de repente estamos os dois rindo. Eu suponho que ambos
estamos tão nervosos sobre os Games e, mais prementemente petrificados em
sermos transformados em tochas humanas, que não estamos agindo sensivelmente.
A música de
abertura começa. É fácil de ouvir, explodindo por Capital. Portas massivas
deslizaram-se para revelar as ruas enfileiradas com pessoas. A viagem dura por
volta de vinte minutos e acaba na Cidade Circular, onde eles nos recebem, tocam
o hino, e nos escoltam para o Centro de Treinamento, que será nossa casa/prisão
até que os Games comecem.
Os Tributos do
Distrito 1 viajam numa carruagem puxada por cavalos brancos de neve. Eles
parecem tão bonitos, pintados com spray de prata, em túnicas de bom gosto
brilhando com jóias. O Distrito 1 faz itens de luxo para Capital. Você consegue
ouvir os urros da multidão. Eles são sempre favoritos.
Distrito 2 entra
em posição para segui-los. Num piscar de olhos, estamos todos nos aproximando
da porta e eu consigo ver que entre o céu nublado e a tarde, a luz está ficando
cinza. Os tributos do Distrito 11 estão saindo quando Cinna aparece com uma
tocha acessa. “Vamos lá, então,” ele diz, e antes que ambos possamos reagir ele
toca fogo nas nossas capas. Eu arfo, esperando pelo calor, mas há só uma leve
sensação de cócegas. Cinna sobe perante nós e incendeia nossas toucas. Ele
solta um suspiro de alívio. “Funciona.” Então ele gentilmente coloca uma mão
sob meu queixo. “Lembrem-se, cabeças erguidas. Sorrisos. Eles vão amar vocês!”
Cinna pula da
carruagem e tem uma última ideia. Ele grita algo para nós, mas a música o
afoga. Ele grita novamente e gesticula.
“O que ele está
dizendo?” Eu pergunto ao Peeta. Pela primeira vez, eu olho para ele e percebo
que, incandescendo com as chamas falsas, ele está deslumbrante. E eu devo estar
também.
“Eu acho que ele
disse para segurarmos as mãos,” diz Peeta. Ele agarra minha mão direita com sua
esquerda, e olhamos para Cinna para confirmação. Ele assente e faz um jóia, e
essa é a última coisa que eu vejo antes de entrarmos na cidade.
O inicial alarme
da multidão quando aparecemos rapidamente mudou para aplausos e gritos de
“Distrito Doze!” Todas as cabeças viraram na nossa direção, puxando o foco das
três carruagens a nossa frente. De primeira, fico congelada, mas então eu
capturo-nos em uma enorme tela de televisão e fico chocado por parecermos tão
estonteantes. No crepúsculo aprofundante, a luz do fogo ilumina nossos rostos.
Parecemos estar deixando uma trilha de fogo com nossas capas flutuantes. Cinna
estava certo sobre a maquiagem mínima, ambos parecemos mais atraentes, mas
absolutamente reconhecíveis.
Lembrem-se,
cabeças erguidas. Sorrisos. Eles vão amar vocês! Eu ouço a voz de Cinna em
minha cabeça. Eu levanto meu queixo um pouco mais alto, coloco meu sorriso mais
vencedor, e aceno com minha mão livre. Estou feliz por ter Peeta agora para me
apoiar em equilíbrio, ele é tão firme, sólido como uma pedra. A medida que eu
ganho confiança, eu de verdade sopro alguns beijos para a multidão. As pessoas
em Capital estão pirando, nos molhando com flores, gritando nossos nomes,
nossos primeiros nomes, os quais eles se deram ao trabalho de encontrar no
folheto.
A música golpeante, os aplausos, e a admiração cavaram seu
caminho para o meu coração, e eu não consigo suprimir minha animação. Cinna me
deu uma grande vantagem. Ninguém me esquecerá. Não a minha aparência, não o meu
nome. Katniss. A garota que estava pegando fogo.
Pela primeira vez,
eu sinto uma centelha de esperança crescendo em mim. Certamente deve haver um
patrocinador disposto a me pegar! E com um pouco de ajuda extra, alguma comida,
a arma certa, por que eu deveria me contar fora dos Games?
Alguém me jogou
uma rosa vermelha. Eu pego-a, dou uma cheirada delicada, e sopro um beijo de
volta na direção geral da pessoa que deu. Uma centena de mãos se esticam para
pegar meu beijo, como se fosse uma coisa real e tangível.
“Katniss!
Katniss!” Eu consigo ouvir meu nome sendo chamado de todos os lados. Todos
querem os meus beijos.
Não é até eu
entrar na Cidade Circular que eu percebo que eu devo ter parado completamente a
circulação na mão de Peeta. De tão apertado que eu estive segurando-a. Eu olho
para baixo para nossos dedos entrelaçados enquanto afrouxo o meu aperto, mas
ele recupera seu aperto na minha. “Não, não me solte,” ele diz. A luz do fogo
relampeja em seus olhos azuis. “Por favor. Eu talvez caia dessa coisa.”
“Está bem,” eu
digo. Então eu continuo segurando, mas eu não consigo evitar me sentir estranha
em relação a maneira com que Cinna nos uniu. Não é realmente justo nos apresentar
como uma equipe e então nos trancar em uma arena para nos matarmos.
As doze carruagens
enchem o labirinto da Cidade Circular. Nos prédios que circulam a Circular,
cada janela está cheia com os cidadãos mais prestigiosos de Capital. Nossos
cavalos puxam nossa carruagem bem na mansão do Presidente Snow, e nós paramos.
A música acaba com um adorno.
O presidente, um
homem pequeno e magro com cabelo branco como papel, dá as boas-vindas oficiais
de um balcão acima de nós. É tradição cortar para os rostos dos tributos
durante a fala. Mas eu consigo ver na tela que nós estamos conseguindo muito
mais do que a nossa conta de tempo o ar. Quanto mais escuro fica, mais difícil
fica tirar os olhos das nossas capas flutuantes. Quando o hino nacional toca,
eles realmente se esforçam para cortar rapidamente para cada par de tributos,
mas a câmera fica presa na carruagem do Distrito 12 enquanto desfila ao redor
do círculo uma última vez e desaparece no Centro de Treinamento.
As portas acabaram
de fechar atrás de nós quando somos engolfados pelos times de preparação, que
mal estão entendíveis enquanto tagarelam sobre a nossa glória. Enquanto eu olho
ao redor, eu noto que um monte de outros tributos estão nos lançando olhares
sujos, o que confirma o que eu tinha suspeitado, nós literalmente brilhamos
mais que todos eles. Então Cinna e Portia estão lá, nos ajudando a descer da
carruagem, cuidadosamente removendo nossas capas flamejantes e toucas. Portia
os extingue com algum tipo de spray de um canastrel.
Eu percebo que ainda estou colada em Peeta e forço meus
dedos duros a se abrirem. Ambos massageamos nossas mãos.
“Obrigado por
ficar segurando em mim. Eu estava ficando um pouco trêmulo lá,” diz Peeta.
“Não pareceu,” eu
digo a ele. “Estou certa de que ninguém notou.”
“Estou certo de
que não notaram nada além de você. Você devia usar chamas mais freqüentemente,”
ele diz. “Elas combinam com você.” E então ele me dá outro sorriso que parece
tão genuinamente doce com exatamente o toque certo de timidez que uma quentura
inesperada corre por mim.
Um sinal de aviso
dispara na minha cabeça. Não seja tão estúpida. Peeta está planejando como
matar você, eu lembro a mim mesma. Ele está te encantando para torná-la uma
vítima fácil. Quanto mais agradável ele for, mais mortal ele é.
Mas porque dois
podem jogar esse jogo, eu fico na ponta dos pés e beijo sua bochecha. Bem em
seu machucado.
6
O Centro de
Treinamento tem uma torre designada exclusivamente para os tributos e suas
equipes. Ela será a nossa casa até os reais Games começarem. Cada distrito tem
todo um andar. Você simplesmente entra num elevador e pressiona o número do seu
distrito. Fácil o bastante para lembrar.
Eu tinha entrado
num elevador um par de vezes no Edifício da Justiça no Distrito 12. Uma vez
para receber a medalha pela morte do meu pai e depois ontem para dizer meu
adeus final para meus amigos e família. Mas aquele era uma coisa escura e que
range, que se move como uma lesma e cheira como leite azedo. As paredes deste
elevador são feitas de cristal assim você pode assistir as pessoas no andar
térreo encolhendo-se ao tamanho de formigas enquanto você sobe no ar. É
estimulante e eu sou tentada a perguntar a Effie Trinket se nós podemos andar
nele de novo, mas de alguma forma isso parece infantil.
Aparentemente, os
deveres de Effie Trinket não se concluíram na estação. Ela e Haymitch irão nos
inspecionar até a arena. De certo modo, isso é bom porque pelo menos podemos
contar com ela para nos levar aos lugares pontualmente enquanto que nós não
temos visto Haymitch desde que ele aceitou nos ajudar no trem. Provavelmente
desmaiado em algum lugar. Effie
Trinket, por outro lado, parece estar voando alto. Nós somos
a primeira equipe que ele jamais escoltou que fez um estouro nas cerimônias de
abertura. Ela é amável não só pelos nossos trajes mas como nós nos dirigimos.
E, para ouvi-la dizer que ela conhece todo mundo que é alguém em Capital, e que
tem falado de nós todo o dia, tentando ganhar para nós patrocinadores.
“Eu tenho sido
muito misteriosa, entretanto,” ela diz, seus olhos oblíquos meio fechados.
“Porque, é claro, Haymitch não se preocupou em me dizer suas estratégias. Mas
eu tenho feito o meu melhor com o que eu tenho que trabalhar. Como Katniss se
sacrificou por sua irmã. Como ambos vocês lutaram com sucesso para superar a
barbaridade do distrito de vocês.”
Barbaridade? Isso
é irônico vindo de uma mulher ajudando a nos preparar para um massacre. E em
quê ela está baseando o nosso sucesso? Nossas maneiras na mesa?
“Todo mundo tem
suas reservas, naturalmente. Vocês sendo de um distrito de carvão. Mas eu
disse, e isso foi muito esperto da minha parte, eu disse, ‘Bem, se você colocar
pressão o bastante no carvão ele se torna pérolas!’” Effie sorri para nós de
forma tão brilhante que não temos escolha a não ser responder entusiasmadamente
a sua inteligência embora esteja errada.
Carvão não se
transforma em pérolas. Elas crescem em molusco. Possivelmente ela quer dizer
que carvão se transforma em diamantes, mas então não é verdade. Eu tenho
escutado que eles têm algum tipo de máquina no Distrito 1 que pode transformar
grafite em diamantes. Mas nós não exploramos grafite no Distrito 12. Esse era o
trabalho do Distrito 13 até eles serem destruídos.
Pergunto-me se as
pessoas com as quais ela está fazendo nossa propaganda por todo dia sabem disso
ou se importam.
“Infelizmente, não
posso fechar acordos de patrocínios por vocês. Somente Haymitch pode fazer
isso,” diz Effie com raiva. “Mas não se preocupem, eu vou levá-lo à mesa na
mira se necessário.”
Embora tenha carência
em muitas áreas, Effie Trinket tem uma certa determinação que eu tenho que
admirar.
Meus quartos são
maiores que nossa casa inteira. Eles são de veludo, como no vagão do trem, mas,
além disso, tem tantas máquinas automáticas que estou certa de que não terei
tempo para apertar todos os botões. O chuveiro sozinho tem um painel com mais
de cem opções que você pode escolher regulando a temperatura da água, pressão,
sabonetes, xampus, perfumes, óleos, e esponjas para massagem. Quando você sai
em uma pequena esteira, aquecedores aparecem para secar seu corpo. Em vez de
lutar com os nós no meu cabelo molhado, meramente coloquei minha mão em uma
caixa que enviou uma corrente através do meu escalpo, desembaraçando, partindo,
e secando meu cabelo quase instantaneamente. Ele flutua para baixo em torno dos
meus ombros, numa cortina brilhante.
Programo o closet
por uma veste do meu gosto. O zoom da janela foca em partes da cidade ao meu
comando. Você precisa apenas sussurrar o tipo de comida de um cardápio gigantesco
num bocal e ela aparece, quente e úmida, ante a você em
menos de um minuto. Ando ao redor do quarto comendo fígado de ganso e um pão
inchado até que há uma batida na porta. Effie está me chamando para jantar.
Bom, estou
faminta.
Peeta, Cinna, e Portia
estão de pé em um balcão que tem vista panorâmica do Capital quando nós
entramos no salão de janta. Estou satisfeita por ver os estilistas,
particularmente depois de eu escutar que Haymitch se juntará a nós. Uma
refeição presidida apenas por Effie e Haymitch é obrigada a ser um desastre.
Além disso, jantar não é exatamente sobre comida, é sobre planejar nossas
estratégias, e Cinna e Portia já têm provado o quão valorosos eles são.
Um jovem vestido
em uma túnica branca nos oferece todos os cálices de vinho. Penso sobre
derramá-lo, mas eu nunca tinha tido vinho, exceto a coisa feita em casa que
minha mãe usava para tosse, e quando vou conseguir a chance de experimentá-lo
de novo? Eu tomo um trago do líquido seco e ácido e secretamente penso que isso
poderia ser melhorado com algumas colheres de mel.
Haymitch só
aparece quando o jantar começa a ser servido. Parece como se ele tivesse seu
próprio estilista porque ele está limpo e tratado e mais sóbrio do que jamais
eu o tinha visto. Ele não recusa a oferta de vinho, mas quando ele começa a
tomar sua sopa, percebo que essa é a primeira vez que eu o tinha visto comer.
Talvez ele realmente se esforce para nos ajudar.
Cinna e Portia
parecem ter um efeito civilizador em Haymitch e Effie. Ao menos eles estão se dirigindo
um ao outro de maneira decente. E ambos são nada além de elogios para o ato de
abertura dos nossos estilistas. Enquanto eles fazem conversa fiada,
concentro-me na refeição. Sopa de cogumelos, verduras amargas com tomates do
tamanho de ervilhas, rosbife em fatias finas como papel, macarrão com molho
verde, o queijo que derrete na sua língua servido com doce de uvas azul. Os
servidores, todos pessoas jovens vestidas em túnicas brancas como aquele que
nos deu vinho, movem-se silenciosamente de lá para cá da mesa, mantendo nossos
pratos e taças cheias.
A cerca de metade
da minha taça de vinho minha cabeça começa a ficar enevoada, então mudo para
água. Não gosto da sensação e espero que vá embora logo. Como Haymitch pode
suportar ficar andando por aí assim a toda hora é um mistério.
Tento me focar na
conversa, que tem se direcionado à nossas vestes da entrevista, quando uma
garota coloca um glorioso bolo na mesa e habilmente o acende. Ela inflama e
então as chamas vacilam ao redor das beiras por um momento até finalmente
acabar. Tenho um momento de dúvida. “O que faz queimar? É álcool?” digo,
olhando para a garota. “Essa é a última coisa que eu que – oh! Eu te conheço!”
Eu não posso dizer
o nome ou tempo para o rosto da garota. Mas estou certa. O cabelo vermelho
escuro, as feições impressionantes, a pele branca de porcelana. Mas mesmo que
eu diga as palavras, sinto meu interior se contraindo de ansiedade e culpa a
visão dela, e enquanto eu não posso lembrar, sei que alguma memória ruim está
associada a ela. A expressão de terror que cruza em seu rosto apenas aumenta
minha confusão e
intranqüilidade. Ela balança seu rosto em negação
rapidamente e rapidamente se afasta da mesa.
Quando olho para
trás, os quatro adultos estão me assistindo como gaviões.
“Não seja
ridícula, Katniss. Como seria possível você conhecer uma Avox?” repreende
Effie. “Só em imaginação.”
“O que é um Avox?”
pergunto estupidamente.
“Alguém que
cometeu um crime. Eles cortam sua língua, assim ela não pode falar,” diz
Haymitch. “Ela provavelmente é uma traidora de algum tipo. Não tem como você
conhecê-la.”
“E mesmo se
conhecesse, você não é para falar com nenhum deles a não ser para dar uma
ordem,” diz Effie. “É claro, você de fato não a conhece.”
Mas eu realmente a
conheço. E agora que Haymitch tem mencionado a palavra traidor eu lembro de
onde. A desaprovação é tão alta que eu nunca podia admitir. “Não, acho que não,
eu só –” eu gaguejo, e o vinho não está ajudando.
Peeta estala seus
dedos. “Delly Cartwright. Isso é que é. Continuei pensando que ela parecia
familiar também. Então percebo que ela é desanimada demais para Delly.”
Dellu Cartwright é
uma garota boba de rosto pálido, com um cabelo amarelado, que parece tão servil
para conosco quanto um besouro para uma borboleta. Ela pode também ser a pessoa
mais amigável do planeta – sorri constantemente para todo mundo na escola, até
para mim. Eu nunca tinha visto a garota de cabelos vermelhos sorrir. Mas eu
agarrei a sugestão de Peeta agradecida. “É claro, era essa em quem eu estava pensando.
Deve ser pelo cabelo,” digo.
“Algo sobre os
olhos, também,” diz Peeta.
A energia a mesa
relaxa. “Oh, bem. Se isso é tudo,” diz Cinna. “E sim, o bolo tem bebida
alcoólica, mas todo o álcool tem queimado. Eu o pedi especialmente em honra da
sua estréia brilhante.”
Nós comemos o bolo
e entramos na sala de estar para assistir o replay das cerimônias de abertura
que está sendo transmitido. Umas poucas outras duplas fazem uma boa impressão,
mas nenhuma delas é capaz de medir-se a nós. Mesmo nosso próprio partido solta
um “Ahh” enquanto eles nos mostram saindo do Centro de Remodelagem.
“De quem foi a
idéia de segurar as mãos?” pergunta Haymitch.
“Cinna,” diz
Portia.
“Só um perfeito
toque de rebelião,” diz Haymitch. “Muito bom.”
Rebelião? Eu tenho
que pensar sobre isso por um momento. Mas quando lembro das outras duplas,
permanecendo rigidamente distante, nunca tocando ou reconhecendo o outro, como
se seus tributos companheiros não existissem, como se os Games já tivessem
começado, eu sei
o que Haymitch quer dizer. Apresentando-nos não como
adversários, mas como amigos, tem nos distinguido tanto quanto os trajes
ardentes.
“Amanhã de manhã é
a primeira seção de treinamento. Encontrem-me no café da manhã e direi a você
exatamente como eu quero que vocês joguem,” diz Haymitch para Peeta e eu.
“Agora vão dormir um pouco enquanto os crescidos conversam.”
Peeta e eu andamos
juntos pelo corredor para nossos quartos. Quando nós chegamos à minha porta,
ele se inclina contra a estrutura, não bloqueando minha entrada exatamente, mas
insistindo para eu prestar atenção nele. “Então, Dally Cartwright. Imagine
encontrar sua sósia aqui.”
Ele está pedindo
por uma explicação, e estou tentada a dar uma a ele. Ambos sabemos que ele me
deu cobertura. Assim aqui estou eu, em débito com ele de novo. Se disser a ele
a verdade, de alguma forma coisas podem aparecer. Como isso pode machucar
realmente? Mesmo se ele repetiu a história, não podia fazer a mim nenhum dano.
Era apenas algo que eu testemunhei. E ele mentiu tanto quando eu sobre Delly
Cartwright.
Percebo que quero
muito conversar com alguém sobre essa garota. Alguém que possa ser capaz de me
ajudar a compreender sua história.
Gale seria minha
primeira escolha, mas é improvável que eu veja Gale novamente. Tento imaginar
se dizer a Peeta pode dar a ele alguma possível vantagem sobre mim, mas não
vejo como. Talvez dividir um segredo o fará acreditar que eu o vejo como amigo,
na verdade.
Além disso, a
idéia da garota com sua língua mutilada me assusta. Ela me lembre porque eu
estou aqui. Não para pousar com trajes berrantes e comer coisas gostosas. Mas
para ter uma morte sangrenta, enquanto a multidão encoraja meu assassinato.
Dizer ou não
dizer? Meu cérebro ainda está devagar do vinho. Olho para o corredor vazio como
se a decisão estivesse ali.
Peeta capta minha
hesitação. “Você já esteve no telhado?” Eu balanço minha cabeça. “Cinna me
mostrou. Você pode praticamente ver toda a cidade. O vento é um pouco
barulhento, entretanto.”
Eu traduzo isso
como “Ninguém poderá nos ouvir conversar” na minha cabeça. Você tem a sensação
de que poderíamos estar sob vigilância aqui. “Nós podemos apenas subir?”
“Claro, venha,”
diz Peeta. Sigo-o para um lance de escadaria que vai ao telhado. Há um pequeno
cômodo em forma de cúpula com uma porta para fora. Quando pisamos dentro do ar
da noite fresco e ventoso, eu seguro meu fôlego pela vista. O Capital cintila
como um vasto campo de vaga-lumes. Eletricidade no Distrito 12 vinha e ia,
usualmente nós só a tínhamos por poucas horas por dia. Freqüentemente as noites
são passadas a luz de velas. A única hora que você pode contar com ela é quando
eles estão exibindo os Games ou alguma mensagem importante do governo na
televisão, que é obrigatório assistir. Mas aqui não existiria carência. Nunca.
Peeta e eu andamos para o parapeito nos limites do telhado.
Eu olho para baixo ao lado do edifício para a rua, que está zunindo de gente.
Você pode ouvir seus carros, um berro ocasional, e um estranho toque metálico.
No Distrito 12, nós todos estaríamos pensando na cama agora.
“Perguntei a Cinna
porque eles nos deixam subir aqui. Eles não estavam preocupados que algum dos
tributos possa decidir pular pelo lado?” diz Peeta.
“O que ele disse?”
Pergunto.
“Você não pode,”
diz Peeta. Ele levanta sua mão num espaço aparentemente. Há um zumbido afiado e
ele puxa a mão de volta. “Algum tipo de campo elétrico te joga de volta ao
telhado.”
“Sempre
preocupados com a nossa segurança,” digo. Embora Cinna tenha mostrado a Peeta o
telhado, pergunto-me se não deveríamos estar aqui em cima agora, tão tarde e
sozinhos. Eu nunca tinha visto tributos no telhado do Centro de Treinamento
antes. Mas isso não significa que nós não estamos sendo gravados. “Você acha
que eles estão nos assistindo agora?”
“Talvez,” ele admite.
“Venha ver o jardim.”
Do outro lado da
cúpula eles construíram um jardim com canteiros de flores e árvores em vasos.
Nos ramos estão pendurados centenas de sinos de vento, que contam pelo tinido
que eu ouvi. Aqui no jardim, na noite ventosa, é o suficiente para abafar duas
pessoas que estão tentando não ser ouvidas. Peeta olha para mim com
expectativa.
Eu finjo examinar
uma flor. “Nós estávamos caçando na floresta um dia. Escondidos, esperando pela
caça,” eu sussurro.
“Você e seu pai?”
ele sussurra de volta.
“Não, meu amigo
Gale. Repentinamente todos os pássaros pararam de cantar de uma vez. Exceto um.
Era como se ele estivesse nos dando uma chamada de alerta. E então nós a vimos.
Tenho certeza que era a mesma garota. Um garoto estava com ela. Suas roupas
estavam esfarrapadas. Eles tinham círculos escuros sob seus olhos de falta de
sono. Eles estavam correndo como se suas vidas dependessem disso,” eu digo.
Por um momento eu
fico em silêncio, enquanto lembro como a visão desse estranho par, claramente
não do Distrito 12, correndo através da floresta nos imobilizou. Depois, nós
nos perguntamos se nós podíamos tê-los ajudado a escapar. Talvez pudéssemos
ter. Ocultá-los. Se nós tivéssemos nos movido rapidamente. Gale e eu estávamos
tomados pela surpresa, sim, mas ambos somos caçadores. Sabemos como animais
parecem aflitos. Sabíamos que o par estava em problemas tão logo que nós os
vimos. Mas apenas assistimos.
“O aero barco
apareceu do nada,” eu continuei para Peeta. “Quero dizer, em um momento o céu
estava vazio e no outro lá estava ele. Não fez nenhum som, mas eles o viram.
Uma rede caiu em cima da garota e a carregou para cima, rápido, tão rápido como
um elevador. Eles atiraram algum tipo de arpão através do garoto. Estava
amarrado a um cabo e eles o prenderam e o subiram também. Mas eu estava certa
que ele estava morto. Nós escutamos a
garota gritar uma vez. O nome do garoto, eu acho. Então ele
se foi, o aero barco. Sumiu no ar. E os pássaros começaram a cantar de novo,
como se nada tivesse acontecido.”
“Eles viram
vocês?” Peeta perguntou.
“Eu não sei.
Estávamos sob uma rocha,” eu replico.
Mas eu sei. Houve
um momento, depois da chamada do pássaro, mas antes do aero barco, que a garota
tinha-nos visto. Ela olhou para mim e gritou por ajuda. Mas nem Gale ou eu
tínhamos respondido.
“Você está
tremendo,” diz Peeta.
O vento e a
história tinha acabado com todo o calor do meu corpo. O grito da garota. Tinha
sido o último?
Peeta tira sua
jaqueta e a coloca ao redor dos meus ombros. Eu começo a recuar, mas então eu o
deixo, decidindo por um momento aceitar ambos sua jaqueta e sua gentileza. Um
amigo faria isso, certo?
“Eles eram daqui?”
ele pergunta, e fecha um botão no meu pescoço.
Eu assinto. Eles
tinham aquela aparência de Capital neles. O garoto e a garota.
“Para onde você
acha que eles estavam indo?” ele pergunta.
“Eu não sei isso,”
digo. Distrito 12 é muito como o fim da linha. Além de nós, há apenas a
imensidão. Se você não contar com as ruínas do Distrito 13 que ainda arde
lentamente das bombas tóxicas. Eles mostram na televisão ocasionalmente, só
para nos lembrar. “Ou porque eles partiriam daqui.” Haymitch tinha chamado os
Avoxes de traidores. Contra o quê? Só poderia ser o Capital. Mas eles tinham
tudo aqui. Sem causa para rebeldia.
“Eu partiria
daqui,” Peeta deixa escapar. Então ele olha ao redor nervosamente. Foi alto o
bastante escutar acima dos sinos. “Eu iria para casa agora se eles me
deixassem. Mas você tem que admitir, a comida é de primeira.”
Ele está protegido
novamente. Se aquilo é tudo que você escutaria só iria parecer palavras de um
tributo assustado, mas de alguém contemplando a inquestionável bondade do Capital.
“Está ficando
frio. É melhor entrarmos,” ele diz. Dentro da cúpula, é quente e luminoso. Seu
tom é Leve. “Seu amigo Gale. Ele é o que levou a sua irmã da colheita?”
“Sim. Você o
conhece?” pergunto.
“Não realmente. Eu
ouvi que as garotas falam muito sobre ele. Achei que ele fosse seu primo ou
algo. Vocês ajudam um ao outro,” ele diz.
“Não, nós não
somos parentes,” digo.
Peeta acena,
ilegível. “Ele veio dizer adeus para você?”
“Sim,” eu digo, observando-o cuidadosamente. “E seu pai
também. Ele me trouxe biscoitos.”
Peeta levanta suas
sobrancelhas como se fosse novidade. Mas depois de vê-lo mentindo tão facilmente,
eu não dou muito crédito. “Verdade? Bem, ele gosta de você e da sua irmã. Acho
que ele queria ter tido uma filha em vez de uma casa cheia de garotos.”
A idéia de que eu
poderia ter sido discutida, na mesa de janta, no fogo da padaria, apenas de
passagem na casa de Peeta me dá um sobressalto. Deveria ter sido quando a mãe
estava fora do cômodo.
“Ele conhecia sua
mãe quando eles eram crianças,” diz Peeta.
Outra surpresa.
Mas provavelmente verdade. “Oh, sim. Ela cresceu na cidade,” eu digo. Não parece
ser educado dizer que ela nunca mencionou o padeiro exceto para elogiar o seu
pão.
Nós estamos na
minha porta. Eu devolvo a jaqueta dele. “Vejo você de manhã, então.”
“Até,” ele diz, e
anda pelo corredor.
Quando abro minha
porta, a garota de cabelo vermelho está recolhendo meu macacão colado e minhas
botas de onde eu os deixei no chão antes do banho. Eu quero me desculpar por
possivelmente colocá-la em problemas mais cedo. Mas eu lembro que não é para eu
falar com ela a menos para dar uma ordem.
“Oh, desculpe,”
digo. “Eu deveria ter devolvido isso para Cinna. Desculpe. Você pode levá-los
para ele?”
Ela foge dos meus
olhos, dá um pequeno aceno, e segue para porta.
Eu começaria a
dizer a ela que eu sinto muito pelo jantar. Mas sei que minhas desculpas
ficariam mais profundas. Que eu estava envergonhada por nunca ter tentado
ajudá-la na floresta. Que eu deixei o Capital matar o garoto e mutilá-la sem
levantar o dedo.
Justo como eu era
assistindo os Games.
Eu chuto meus
sapatos e subo sob os cobertores em minhas roupas. O tremor não parou. Talvez a
garota nem se lembre de mim. Mas eu sei que ela lembra. Você não esquece a face
da pessoa que era sua última esperança. Eu puxei os cobertores acima da minha
cabeça como se isso fosse me proteger da garota de cabelos vermelhos que não
pode falar. Mas eu posso sentir seus olhos me assistindo, perfurando através
das paredes e portas e cobertas.
Pergunto-me se ela
gostará de me assistir morrer.
7
Meu repouso é
cheio de sonhos perturbadores. O rosto da garota ruiva entrelaça-se com imagens
ensanguentadas de Hunger Games anteriores, com a minha mãe longe e
inalcançável, com a magreza e o terror de Prim. Eu me levanto gritando por meu
pai correr enquanto a mina explode em milhões de pedacinhos mortíferos de luz.
O sol está
nascendo pelas janelas. O Capital tem um ar nebuloso e assombrado. Minha cabeça
dói e eu devo ter mordido a lateral da minha bochecha de noite. Minha língua
investiga a carne áspera e eu sinto gosto de sangue.
Lentamente, eu me
arrasto para fora da cama e para o chuveiro. Eu arbitrariamente soco botões no
painel de controle e acabo pulando de pé em pé enquanto jatos alternados de
água gélida e pelando de quente me acertam. Então eu sou inundada em espuma de
limão que eu tenho que retirar com uma forte escova eriçada. Ah, bem. Pelo
menos meu sangue está fluindo.
Agora que estou
seca e hidratada com loção, eu acho uma veste que foi deixada para mim na
frente do armário. Calça preta apertada, uma túnica cor de vinho de mangas
longas, e sapatos de couro. Eu deixo meu cabelo em uma trança única pelas
minhas costas. Essa é a primeira vez desde a manhã da colheita que eu pareço
comigo mesma. Nada de cabelo e roupas chiques, nada de capas flutuantes.
Simplesmente eu. Parecendo como se eu pudesse estar indo para a floresta. Isso
me acalma.
Haymitch não nos
deu um tempo exato para nos encontrar para o café da manhã e ninguém me
contatou essa manhã, mas eu estou com tanta fome que eu me dirigi para a sala
de jantar, esperando que tenha comida. Não fico decepcionada. Enquanto a mesa
está vazia, em uma comprida tábua do lado foram colocados pelo menos vinte
pratos. Um jovem, um Avox, está de pé por perto prestando atenção. Quando eu
pergunto se posso me servir, ele concorda assentindo. Eu sirvo um prato com
ovos, salsichas, panquecas cobertas com compotas de laranjas grossas, fatias de
melão roxo claro. Enquanto eu me empanturro, eu observo o sol nascer por Capital.
Eu pego um segundo prato de grãos quentes encobertos por cozido de bife.
Finalmente, eu encho um prato com pãezinhos e sento na mesa, quebrando
pedacinhos untados e mergulhando-os em chocolate quente, do jeito que Peeta
fizera no trem.
Minha mente vaga
até minha mãe e Prim. Elas devem estar acordadas. Minha mãe preparando o mingau
do café da manhã delas. Prim ordenhando sua cabra antes da escola. Há apenas
duas manhãs, eu estava em casa. Isso podia estar certo? Sim, só duas. E agora
como a casa parecia vazia, mesmo a distância. O que elas disseram ontem a noite
após a minha estréia poderosa nos Games? Isso lhes deu esperança, ou
simplesmente somou ao seu horror, quando elas viram a realidade de vinte e
quatro tributos circulados juntos, sabendo que apenas um poderia viver?
Haymitch e Peeta entram, desejam-me bom dia, enchem seus
pratos. Me deixa irritada Peeta estar usando exatamente a mesma veste que eu.
Eu preciso dizer algo para Cinna. Essa atuação de gêmeos vai explodir nas
nossas caras assim que os Games começarem. Claro, eles devem saber disso. Então
eu me lembro de Haymitch me dizendo para fazer exatamente o que os estilistas
me dizem para fazer. Se fosse qualquer outro que não Cinna, eu poderia ter
tentado ignorá-lo. Mas após o triunfo da noite passada, eu não tenho muito
espaço para criticar as escolhas dele.
Eu estou nervosa
quanto ao treinamento. Haverá três dias nos quais todos os tributos praticam
juntos. Na última tarde, cada um terá uma chance de se apresentar em particular
perante os Gamemakers*. Pensar em conhecer os outros tributos cara-a-cara me
deixa enjoada. Eu viro o pãozinho que eu acabei de pegar da cesta continuamente
em minhas mãos, mas meu apetite se foi.
Quando Haymitch
termina diversos pratos de cozido, ele empurra seu prato com um suspiro. Ele
tira um frasco de seu bolso e dá uma longa tragada nela e inclina seus
cotovelos na mesa. “Então, vamos direto aos negócios. Treinamento. Primeiro de
tudo, se preferirem, eu os treinarei separadamente. Decidam agora.”
“Por que você nos
treinaria separadamente?” Eu pergunto.
“Digamos que você
tenha uma habilidade secreta que talvez não queira que o outro saiba,” diz
Haymitch.
Eu troco um olhar
com Peeta. “Eu não tenho nenhuma habilidade secreta,” ele diz. “E eu já sei
qual a sua é, certo? Quero dizer, já comi bastante esquilos seus.”
Eu nunca tinha
pensado em Peeta comendo os esquilos que eu tinha matado. De algum modo, eu
sempre imaginei o padeiro se afastando silenciosamente e fritando-os para si.
Não de gula. Mas porque famílias da cidade geralmente comem carne de açougue
caras. Bife e frango e cavalo.
“Pode nos treinar
juntos,” eu digo a Haymitch. Peeta concorda.
“Tudo bem, então
me dêem uma ideia do que conseguem fazer,” diz Haymitch.
“Eu não consigo
fazer nada,” diz Peeta. “A não ser que conta assar pão.”
“Desculpa, não
conta. Katniss. Já sei que é habilidosa com uma faca,” diz Haymitch.
“Na verdade não.
Mas consigo caçar,” eu digo. “Com arco e flecha.”
“E você é boa?”
pergunta Haymitch.
* Ao pé da letra,
seria algo como "criadores/fazedores de jogo".
Eu tenho que
pensar nisso. Eu vinha colocando comida na mesa por quatro anos. Isso não é uma
tarefa pequena. Eu não sou tão boa quanto meu pai era, mas ele tinha tido mais
treino.
Eu tinha mira melhor do que Gale, mas eu tinha tido mais
treino. Ele é um gênio com armadilhas e ciladas. “Eu sou mais ou menos,” eu
digo.
“Ela é
excelente," diz Peeta. “Meu pai compra os esquilos dela. Ele sempre
comenta como as flechas nunca penetram o corpo. Ele acerta todos no olho. É o
mesmo com os coelhos que ela vende ao açougueiro. Ela consegue até mesmo
derrubar veados.”
Essa avaliação do
Peeta das minhas habilidades me toma por completo de surpresa. Primeiro, que
ele tenha notado. Segundo, que ele está me promovendo. “O que você está
fazendo?” Eu pergunto a ele em suspeita.
“O que você está
fazendo? Se ele vai nos ajudar, ele tem que saber do que você é capaz. Não se
subestime,” diz Peeta.
Eu não sei por
que, mas isso não me desce bem. “E quanto a você? Eu te vi no mercado. Você
consegue levantar sacos de farinha de quarenta e cinco quilos,” eu retruco para
ele. “Diga isso a ele. Isso não é nada.”
“Sim, e estou
certo de que a arena estará cheia de sacos de farinha para mim atirar nas
pessoas. Não é como ser capaz de usar uma arma. Você sabe que não é,” ele atira
de volta.
“Ele consegue
lutar,” eu digo a Haymitch. “Ele ficou em segundo na competição da nossa escola
ano passado, depois só do seu irmão.”
“Qual o uso disso?
Quantas vezes você viu alguém lutar com outro até a morte?” diz Peeta com nojo.
“Há sempre combate
corpo-a-corpo. Tudo o que você precisa é arranjar uma faca, e você pelo menos
terá uma chance. Se eu for surpresa, estou morta!” Eu consigo ouvir minha voz
subindo de raiva.
“Mas você não será
surpresa! Você estará vivendo em alguma árvore comendo esquilos crus e
alvejando as pessoas com flechas. Você sabe o que a minha mãe disse para mim
quando ela veio dizer adeus, como se para me animar, ela diz que talvez o
Distrito Doze finalmente tenha um campeão. Então eu percebi, ela não quis dizer
eu, ela quis dizer você!" esbraveja Peeta.
“Ah, ela quis
dizer você,” eu digo com um aceno de rejeição.
“Ela disse, ‘Ela é
uma sobrevivente, aquela.’ Ela é,” diz Peeta.
Isso me faz parar
abruptamente. A mãe dele realmente disse isso de mim? Ela me julgava acima de
seu filho? Eu vejo a dor nos olhos de Peeta e sei que ele não está mentindo.
De repente eu
estou atrás da padaria e eu consigo sentir o frio da chuva escorrendo pelas
minhas costas, o vazio da minha barriga. Eu sôo como se tivesse onze anos
quando eu digo. “Mas só porque alguém me ajudou.”
Os olhos de Peeta
rolam para o pãozinho nas minhas mãos, e eu sei que ele se lembra daquele dia
também. Mas ele só dá de ombros. “As pessoas irão te ajudar na arena. Elas
estarão se estapeando para patrocinar você."
“Não mais do que para patrocinar você,” eu digo.
Peeta gira seus
olhos para Haymitch. “Ela não faz ideia. Do efeito que ela pode ter.” Ele corre
suas unhas pelo grão de madeira na mesa, se recusando a olhar para mim.
O que diabos ele
quer dizer? Pessoas irão me ajudar? Quando estávamos morrendo de fome, ninguém
me ajudou! Ninguém exceto Peeta. Uma vez que eu tinha algo pelo qual fazer
escambo, as coisas mudaram. Eu sou uma comerciante durona. Sou? Que efeito eu
tenho? Que eu sou fraca e necessitada? Ele está sugerindo que eu consigo bons
negócios porque as pessoas tem pena de mim? Eu tento pensar se isso é verdade.
Talvez alguns dos mercadores fossem um pouco generosos em suas trocas, mas eu
sempre atribui isso a seus relacionamentos de longa duração com meu pai. Além
do mais, minha caça é de primeira qualidade. Ninguém tinha pena de mim!
Eu olho feio para
o pãozinho, certa de que ele quis me insultar.
Após talvez um
minuto disso, Haymitch diz, “Bom, então. Bom, bom, bom. Katniss, não há
garantias de que haverá arcos e flechas na arena, mas durante sua sessão
particular com os Gamemakers, mostre a eles o que sabe fazer. Até lá, fique
longe do arqueirismo. Você é boa em armadilhas?”
“Eu conheço
algumas ciladas básicas,” eu murmuro.
“Isso pode ser
significante em termos de comida,” diz Haymitch. “E Peeta, ela está certa,
nunca subestime força na arena. Muito freqüentemente, força física dá vantagem
para um jogador. No Centro de Treinamento, eles terão pesos, mas não revele
quanto você consegue levantar na frente dos outros tributos. O plano é o mesmo
para ambos. Vocês vão para o treinamento em grupo. Passem o dia tentando
aprender algo que não saibam. Jogar uma lança. Girar um cetro. Aprender a dar
um nó decente. Guardem mostrar o que sabem melhor até suas sessões
particulares. Estamos entendidos?” diz Haymitch. Peeta e eu concordamos.
“Uma última coisa.
Em público, eu quero vocês ao lado do outro toda hora,” diz Haymitch. Ambos
começamos a nos opor, mas Haymitch bate sua mão na mesa. “Toda hora! Não está
aberto a discussão! Vocês concordaram em fazer o que eu disser! Vocês ficarão
juntos, vocês parecerão amáveis um com o outro. Agora caiam fora. Encontrem
Effie no elevador às dez para o treinamento.”
Eu mordo meu lábio
e ando altivamente de volta para meu quarto, certificando-me de que Peeta
consiga ouvir a porta bater. Eu sento na cama, odiando Haymitch, odiando Peeta,
odiando a mim mesma por mencionar aquele dia há tanto tempo na chuva.
É uma piada! Peeta
e eu concordando em fingir que somos amigos! Promovendo as forças um do outro,
insistindo que o outro receba crédito por suas habilidades. Porque, de fato, em
algum ponto, teremos que parar com isso e aceitar que somos adversários
ferozes. O que eu estaria preparada para fazer agora mesmo se não fosse pela
estúpida instrução do Haymitch de que ficássemos juntos no treinamento. É minha
própria culpa, eu suponho, dizendo a ele que ele não tinha que nos treinar
separadamente. Mas isso não significava que eu queria fazer tudo com o Peeta.
Que, a propósito, claramente não quer ficar de parceria comigo, tampouco.
Eu ouço a voz de Peeta em minha cabeça. Ela não faz ideia.
Do efeito que ela pode ter. Obviamente dito para me depreciar. Certo? mas uma
pequenina parte de mim se pergunta se isso foi um elogio. Que ele quis dizer
que eu era cativante de alguma maneira. Era estranho, o quanto ele tinha me
notado. Como a atenção que ele tinha prestado a minha caçada. E aparentemente,
eu não estive alheia a ele como eu imaginava, tampouco. A farinha. A luta. Eu
tinha ficado de olho no garoto do pão.
São quase dez horas.
Eu escovo meus dentes e penteio meu cabelo novamente. A raiva temporariamente
bloqueada por causa do meu nervosismo em conhecer os outro tributos, mas agora
eu consigo sentir minha ansiedade crescendo novamente. Na hora em que eu
encontro Effie e Peeta no elevador, eu me pego roendo minhas unhas. Eu paro
imediatamente.
As salas de
treinamento ficam abaixo do nível térreo do nosso prédio. Com esses elevadores,
a corrida é menos de um minuto. As portas são abertas para um enorme ginásio
cheio de várias armas e caminhos de obstáculos. Apesar de não serem dez horas
ainda, nós somos os últimos a chegar. Os outros tributos estão reunidos em um
círculo tenso. Cada um tem um pedaço quadrado de pano com o número de seu
distrito preso com alfinetes em suas camisetas. Enquanto alguém alfineta o
número 12 nas minhas costas, eu faço uma rápida avaliação. Peeta e eu somos os
únicos vestidos iguais.
Assim que nos
juntamos ao círculo, a treinadora principal, uma mulher alta e atlética chamada
Atala vai à frente e começa a explicar o cronograma de treinamento.
Especialistas de cada habilidade vão ficar em suas estações. Ficaremos livres
para viajar de área para área conforme desejarmos, conforme as instruções de
nossos mentores. Algumas das estações ensinam técnicas de sobrevivências,
outras técnicas de luta. Estamos proibidos de nos envolver em qualquer
exercício de combate com outro tributo. Há assistentes por perto se quisermos
praticar com um parceiro.
Quando Atala
começa a ler a lista de estações de habilidades, meus olhos não conseguem
evitar esvoaçar para os outros tributos. É a primeira vez que estamos reunidos,
nos mesmos termos, com roupas simples. Meu coração afunda. Quase todos os
garotos e pelo menos metade das garotas são maiores do que eu, apesar de muitos
dos tributos nunca terem sido alimentados apropriadamente. Você consegue ver
isso em seus ossos, em suas peles, no olhar vazio em seus olhos. Eu posso ser
menos naturalmente, mas de modo geral as habilidades da minha família tinham me
dado uma vantagem nessa área. Eu fico de pé reta, e embora eu seja magra, eu
sou forte. A carne e as plantas da floresta combinadas com o esforço que foi
preciso para consegui-los me deram um corpo mais saudável do que a maioria que
eu vejo por aqui.
As exceções são os
garotos dos distritos mais ricos, os voluntários, aqueles que foram alimentados
e treinados por toda a sua vida para esse momento. Os tributos do 1, 2 e 4
tradicionalmente tem esse aspecto neles. É tecnicamente contra as regras
treinar tributos antes que eles cheguem no Capital, mas acontece todo ano. No
Distrito 12, nós os chamamos de Tributos Profissionais, ou simplesmente os
Profissionais. E goste ou não, o campeão será um deles.
A ligeira vantagem que eu tenho no Centro de Treinamento,
minha entrada feroz ontem a noite, parece sumir na presença da minha
competição. Os outros tributos tinham inveja de nós, mas não porque éramos
sensacionais, porque os nossos estilistas eram. Agora eu não vejo nada além de
desprezo nos olhares dos Tributos Profissionais. Cada um deve ter de vinte e
dois a quarenta e cinco quilos a mais que eu. Eles projetam arrogância e
brutalidade. Quando Atala nos libera, eles se dirigem diretamente para as armas
com aspecto mais mortífero no ginásio e as manuseiam com facilidade.
Eu estou pensando
que é uma sorte eu ser uma rápida corredora quando Peeta cutuca o meu braço e
eu pulo. Ele ainda está ao meu lado, de acordo com as instruções de Haymitch.
Sua expressão está sóbria. “Onde gostaria de começar?”
Eu olho ao redor
para os Tributos Profissionais que estão se exibindo, claramente tentando
intimidar o campo. Então para os outros, os subnutridos, os incompetentes,
tremulamente tendo suas primeiras lições com uma faca ou um machado.
“Suponho que
devamos dar alguns nós,” eu digo.
“Está certíssima,”
diz Peeta. Cruzamos para uma estação vazia onde o treinador parece satisfeito
por ter alunos. Você tem o pressentimento de que a aula de atar nós não é o
ponto quente do Hunger Games. Quando ele percebe que eu sei um pouco sobre
ciladas, ele nos mostra uma armadilha simples e excelente que deixará um
competidor humano pendurado por uma perna em uma árvore. Nós nos concentramos
nessa habilidade por uma hora até ambos termos dominado-a. Então mudamos para
camuflagem. Peeta genuinamente parece gostar dessa estação, espalhando uma
combinação de lama e argila e suco de baga ao redor da sua pele pálida, tecendo
disfarces de vinhas e folhas. O treinador que comanda a estação de camuflagem
está cheio de entusiasmo por seu trabalho.
“Eu faço os
bolos,” ele admite para mim.
“Os bolos?” eu
pergunto. Eu estivera preocupada em observar o garoto do Distrito 2 mandar uma
lança pelo coração de um boneco de treze metros. “Que bolos?”
“Em casa. Os de
pasta americana, para a padaria,” ele diz.
Ele quer dizer
aqueles que eles colocam nas janelas. Bolos chiques com flores e coisas bonitas
pintadas com crosta de açúcar cristalizada. Eles são para aniversários e
Réveillons. Quando estamos na praça, Prim sempre me arrasta para admirá-los,
apesar de nunca sermos capazes de comprar um. Há pouca beleza no Distrito 12,
contudo, então eu não consigo negar isso a ela.
Eu olho mais
criticamente para o desenho no braço do Peeta. O padrão alternado de luz e
escuridão sugerem a luz solar caindo por sobre as folhas na floresta. Eu me
pergunto como ele conhece isso, já que eu duvido que ele já esteve além da
cerca. Ele fora capaz de aprender isso só com aquela velha macieira magricela
em seu quintal? De algum modo o negócio todo – sua habilidade, aqueles bolos inacessíveis,
o elogio do especialista em camuflagem – me irritam.
“É adorável. Se ao menos você pudesse cobrir alguém de
açúcar cristalizado até a morte,” eu digo.
“Não seja tão
superior. Nunca se pode supor o que você encontrará na arena. Digamos que é realmente
um bolo gigante –” começa Peeta.
“Digamos que vamos
para o próximo assunto,” eu interrompo.
Então os próximos
três dias passam com Peeta e eu indo silenciosamente de estação para estação.
Nós realmente aprendemos algumas habilidades valiosas, de acender fogueiras,
até atirar facas, até fazer abrigos. Apesar da ordem de Haymitch de aparecer
medíocre, Peeta se sobressai em combate corpo-a-corpo, e eu arraso no teste de
plantas comestíveis sem piscar um olho. Nós ficamos longe de arqueirismo e levantamento
de peso, contudo, querendo guardar esses para as nossas sessões particulares.
Os Gamekeepers
aparecem cedo no primeiro dia. Mais ou menos vinte homens e mulheres vestidos
em robes roxos escuros. Eles se sentam em estrados elevados que cercam o ginásio,
as vezes perambulando nos arredores para nos observar, rabiscando anotações,
outras vezes comendo no banquete infinito que foi preparado para eles,
ignorando-nos. Mas eles realmente parecem estar de olho nos tributos do
Distrito 12. Várias vezes eu olhei para cima e descobri um fixo em mim. Eles se
consultam com os treinadores durante as nossas refeições, também. Nós vemos
eles todos reunidos juntos quando voltamos.
O café da manhã e
o jantar são servidos no chão, mas no almoço, nós vinte e quatro comemos em uma
sala de jantar fora do ginásio. A comida é arrumada em carrinhos ao redor da
sala e você se serve. Os Tributos Profissionais tendem a se reunir brutalmente
ao redor de uma mesa, como se para provar sua superioridade, que eles não tem
medo um do outro e consideram o resto de nós indignos de sermos notados. A
maioria dos outros tributos senta sozinho, como ovelhas perdidas. Ninguém diz
uma palavra para nós. Peeta e eu comemos junto, e já que Haymitch fica nos
evitando sobre isso, tentamos manter uma conversa amigável durante as
refeições.
Não é fácil achar
um tópico. Falar de casa é doloroso. Falar do presente é insuportável. Um dia,
Peeta esvazia nossa cesta de pães e aponta como eles foram cuidadosos em
incluir os tipos dos distritos junto com o pão refinado do Capital. O pão de
forma em formato de peixe pintado de verde com algas do Distrito 4. O pãozinho
de lua crescente pontilhado com sementes do Distrito 11. De algum modo, apesar
de ser feito do mesmo negócio, parece um bocado mais apetitoso do que as feias
gotas e biscoitos que são a comida padrão em casa.
“E aí está,” diz
Peeta, cavoucando os pães de volta na cesta.
“Você certamente
sabe um monte,” eu digo.
“Só sobre
pães," ele diz. “Está bem, agora ria como se eu tivesse dito algo engraçado.”
Ambos damos um
tipo de risada convincente e ignoramos as encaradas ao redor da sala.
“Está certo, eu ficarei sorrindo alegremente e você fala,”
diz Peeta. Está cansando nós dois, a instrução de Haymitch para ser amigável.
Porque desde que eu bati a minha porta, há um frio no ar entre nós. Mas temos
nossas ordens.
“Já te contei de
quando fui perseguida por um urso?” Eu pergunto.
“Não, mas parece
fascinante,” diz Peeta.
Eu tento e animo
meu rosto enquanto relembro do evento, uma história verdadeira, na qual eu
tolamente desafiei um urso negro sobre os direitos de uma colméia. Peeta ri e
faz perguntas exatamente no momento certo. Ele é muito melhor nisso do que eu
sou.
No segundo dia,
enquanto estamos jogando uma lança, ele sussurra para mim. “Acho que temos uma
sombra.”
Eu jogo minha
lança, na qual eu não sou tão ruim, na verdade, se eu não tiver que jogar de
muito longe, e vejo a garotinha do Distrito 11 de pé um pouco para trás,
observando-nos. Ela é a de doze anos, aquela que me lembrou bastante de Prim na
estatura. De perto ela parece ter dez. Ela tem olhos brilhantes e escuros e
pele marrom acetinada e fica inclinada na ponta do pé com seus braços
ligeiramente estendidos de lado, como se pronta para levantar vôo ao mais leve
som. É impossível não pensar em um pássaro.
Eu pego outra
lança enquanto Peeta joga. “Eu acho que o nome dela é Rue,” ele diz suavemente.
Eu mordo meu
lábio. Rue é uma pequena flor amarela que cresce na Clareira. Rue. Primrose.
Nenhuma das duas conseguiria fazer a balança atingir trinta e um quilos mesmo
ensopadas.
“O que podemos
fazer quanto a isso?” Eu pergunto a ele, mais duramente do que eu pretendia.
“Não há nada a
fazer,” ele diz de volta. “Só conversando.”
Agora que eu sei
que ela está ali, é difícil ignorar a criança. Ela desliza e se junta a nós em
estações diferentes. Como eu, ela é esperta com plantas, escala com ligeireza,
e tem boa mira. Ela consegue atingir o alvo todas as vezes com o estilingue.
Mas o que é um estilingue contra um macho de 100 quilos com uma espada?
De volta no andar
do Distrito 12, Haymitch e Effie nos interrogam durante o café da manhã e o
jantar sobre cada momento do dia. O que fizemos, quem nos observou, como os
outros tributos nos avaliam. Cinna e Portia não estão por perto, então não há
ninguém para acrescentar sanidade às refeições. Não que Haymitch e Effie
estejam brigando mais. Ao invés, eles parecem ser uma só mente, determinada a
nos colocar em forma. Cheios de direções sem fim sobre o que devemos fazer e
não fazer no treinamento. Peeta é mais paciente, mas eu fico cheia e de mal
humor.
Quando finalmente
escapamos para cama na segunda noite, Peeta murmura, “Alguém deveria dar uma
bebida a Haymitch.”
Eu faço um som que está entre uma bufada e uma risada. Então
me paro. Está mexendo muito com a minha mente, tentar ter noção de quando
supostamente somos amigos e quando não somos. Pelo menos quando formos para a
arena, eu saberei em que pé estamos. “Não. Não finjamos quando não há ninguém
por perto.”
“Tudo bem,
Katniss,” ele diz cansadamente. Depois disso, só falamos na frente das pessoas.
No terceiro dia de
treinamento, eles começam a nos chamar do almoço para nossas sessões
particulares com os Gamemakers. Distrito por distrito, primeiro o garoto, então
a garota tributo. Como sempre, o Distrito 12 é condenado a ser o último. Nós
nos tardamos na sala de jantar, não certos de onde mais ir. Ninguém volta uma
vez que tenham partido. Enquanto a sala se esvazia, a pressão para parecer
amigável se alivia. Na hora que chamam Rue, somos deixados sozinhos. Nós nos
sentamos em silêncio até que eles evocam Peeta. Ele se levanta.
“Lembre-se o que
Haymitch disse sobre ter certeza de jogar os pesos.” As palavras saem da minha
boca sem permissão.
“”Obrigado. Eu
irei,” ele diz. “Você... atire diretamente.”
Eu concordo. Eu
não sei por que eu disse algo. Apesar de que, se eu for perder, eu prefiro que
Peeta vença do que os outros. É melhor para o nosso distrito, para minha mãe e
Prim.
Após cerca de
quinze minutos, eles chamam o meu nome. Eu aliso meu cabelo, coloco meus ombros
para trás, e entro no ginásio. Instantaneamente, eu sei que estou encrencada.
Eles estão aqui há muito tempo, os Gamemakers. Estiveram sentados por outras
vinte e três demonstrações. Tomaram muito vinho, a maioria deles. Querem mais
do que tudo ir para casa.
Não há nada que eu
possa fazer a não ser continuar com o plano. Eu ando até a estação de
arqueirismo. Ah, as armas! Eu estava louca para colocar minhas mãos nelas há
dias! Arcos feitos de madeira e plástico e metal e material que eu nem mesmo
sei o nome. Flechas com penas cortadas em linhas uniformes perfeitas. Eu
escolho um arco, penduro-o, e amarro o coldre de flechas combinando por sobre o
meu ombro. Há uma linha de tiro, mas é por demais limitada. O centro de um
círculo padrão e silhuetas humanas. Eu ando até o centro do ginásio e escolho
meu primeiro alvo. O boneco usado para prática de faca. Mesmo quando recuo com
o arco, eu sei que algo está errado. A corda é mais apertada do que a que eu
uso em casa. A flecha é mais rígida.
Eu erro o boneco
por alguns poucos centímetros e perco o pouco de atenção que eu havia
conseguido. Por um instante, fico humilhada, então eu me dirijo de volta para o
centro do círculo. Eu atiro novamente e novamente até eu me acostumar com essas
novas armas.
De volta ao centro
do ginásio, eu tomo minha posição inicial e espeto o boneco bem no coração.
Então eu desfaço a corda que segura o saco de areia de boxe, e o saco se abre
enquanto cai com tudo no chão. Sem parar, eu rolo de ombros para frente,
levanto-me com um joelho, e mando uma flecha em uma das luzes penduradas acima
do chão do ginásio. Uma chuva de faíscas estoura do ornamento.
É um tiro excelente. Eu me viro para os Gamemakers. Alguns
estão acenando em aprovação, mas a maioria deles está fixada em um porco assado
que acabou de chegar em sua mesa do banquete.
De repente eu fico
furiosa, que com a minha vida em risco, eles nem mesmo tem a decência de
prestar atenção em mim. Que um porco morto está roubando a minha cena. Meu coração
começa a martelar, eu consigo sentir o meu rosto queimando. Sem pensar, eu puxo
uma flecha do meu coldre e mando-a diretamente para a mesa dos Gamemakers. Eu
ouço gritos de amedrontamento enquanto as pessoas recuam. A flecha espeta a
maçã na boca do porco e a alfineta na parede atrás dele. Todos me encaram em
descrença.
“Obrigada pela sua
atenção,” eu digo. Então eu dou uma ligeira saudação e ando diretamente na
direção da saída sem ser dispensada.
8
Enquanto eu passo
em direção ao elevador, arremesso meu arco para um lado e meu coldre para o
outro. Eu passo esbarrando pelos Avoxes boquiabertos que guardam os elevadores
e bato no botão doze com meu punho. As portas deslizam juntas e eu me movo
rapidamente para cima. Eu na verdade o faço voltar para o chão antes que minhas
lágrimas comecem a correr pelas minhas bochechas. Posso ouvir os outros me
chamando da sala de estar, mas eu vou voando pelo hall em direção ao meu
quarto, abro a porta, e me jogo na cama. Então eu realmente começo a soluçar.
Agora eu fiz!
Agora eu realmente arruinei tudo! Se eu tinha mesmo um fantasma de chance,
sumiu quando eu mandei aquela flecha voando para os Gamemakers. O que eles
farão comigo agora? Prender-me? Executar-me? Cortar a minha língua e me tornar
uma Avox, assim eu posso esperar pelos futuros tributos de Panem? O que eu
estava pensando, atirando nos Gamemakers? É claro, eu não estava pensando, eu
estava atirando na maçã porque eu estava muito irritada por ser ignorada. Eu
não estava tentando matar nenhum deles. Se eu estivesse, eles estariam mortos!
Oh, o que importa?
Não é como se eu fosse ganhar os Games de qualquer forma. Quem se importa com o
que eles fazem comigo? O que me assusta de verdade é o que eles podem fazer com
a minha mãe e Prim, como minha família pode sofrer agora por causa da minha
impulsividade. Eles vão tomar seus poucos pertences, ou mandar a minha mãe para
prisão e
Prim para a casa comunitária, ou matá-las? Eles não a
matariam, matariam? Por que não? O que importa a eles?
Eu devia ter
ficado e me desculpado. Ou rido, como se fosse uma grande brincadeira. Então
talvez eu achasse alguma indulgência. Mas em vez disso que corri daquele lugar
da maneira mais desrespeitosa possível.
Haymitch e Effie
estão batendo na minha porta. Eu grito para eles irem embora e eventualmente
eles vão. É preciso pelo menos uma hora para eu chorar tudo para fora. Então eu
só fico deitada encolhida na cama, afagando os lençóis de seda, assistindo ao
pôr-do-sol acima do doce e artificial Capital.
Inicialmente, eu
espero os guardas virem me buscar. Mas à medida que o tempo passa, parece menos
possível. Eu me acalmo. Eles ainda precisam de uma garota tributo do Distrito
12, não precisam? Se os Gamemakers querem me punir, eles podem fazê-lo
publicamente. Esperar até eu estar na arena e atiçar animais selvagens famintos
em mim. Pode apostar que eles terão certeza que eu não tenho um arco e uma
fecha para me defender.
Antes disso, eles
me darão uma pontuação tão baixa, que ninguém em juízo certo iria me
patrocinar. Isso é o que vai acontecer hoje à noite. Visto que o treinamento
não é aberto a observadores, os Gamemakers anunciam uma pontuação para cada
jogador. Dá a audiência um ponto de partida para as apostas que continuarão
através do Games. O número, que é entre um e doze, um sendo irremediavelmente
ruim e doze sendo alta de forma inalcançável, anuncia a promessa de um tributo.
A marca não é uma garantia de que a pessoa ganhará. É apenas uma indicação do
potencial que o tributo mostrou no treino. Freqüentemente, por causa das
variáveis na real arena, tributos com alta pontuação caem quase imediatamente.
E há poucos anos, um garoto que ganhou os Games recebeu apenas um três. Ainda
assim, os pontos podem ajudar ou prejudicar um tributo individualmente em
termos de patrocínio. Eu estava esperando que minhas habilidades em atirar
pudessem me conseguir um seis ou sete, mesmo se eu não sou particularmente
poderosa. Agora tenho certeza que terei a pontuação mais baixa dos vinte e
quatro. Se ninguém me patrocinar, minhas chances de ficar viva diminuem para
quase zero.
Quando Effie bate
na porta para me chamar para o jantar, decido que posso ir também. As
pontuações serão televisionadas hoje à noite. Não é como se eu pudesse esconder
o que aconteceu para sempre. Eu vou para o banheiro e lavo minha face, mas
ainda está vermelha e manchada.
Todos estão
esperando na mesa, até Cinna e Portia. Eu queria que os estilistas não tivessem
aparecido porque, por alguma razão, eu não gosto da idéia de desapontá-los. É
como se eu tivesse jogado fora todo o bom trabalho que eles fizeram nas
cerimônias de abertura sem pensar. Evito olhar para todo mundo enquanto tomo
uma pequena colherada da sopa de peixe. O salgado me lembra as minhas lágrimas.
Os adultos começam
a jogar conversa fora sobre a previsão do tempo, e eu deixo os meus olhos
encontrar os de Peeta. Ele levanta as sobrancelhas. Uma pergunta. O que
aconteceu? Eu
só balanço um pouco a minha cabeça. Então, enquanto eles
estão servindo o prato principal, eu ouço Haymitch dizer, “Ok, chega de conversa
fiada, só o quão ruim vocês foram hoje?”
Peeta tem um
sobressalto. “Eu não sei se isso importa. Até o momento que eu apareci, ninguém
nem se importou em olhar para mim. Eles estavam cantando algum tipo de canção
de bebida, eu acho. Então, eu atirei alguns objetos pesados até que eles me
disseram que eu podia ir.”
Isso me faz sentir
um pouquinho melhor. Não é como se Peeta tivesse atacado os Gamemakers, mas ao
menos ele estava provocando, também.
“E você, querida?”
diz Haymitch.
De alguma forma Haymitch
me chamando de querida me marca o suficiente para que eu pelo menos seja capaz
de falar. “Eu atirei uma flecha nos Gamemakers.”
Todo mundo pára de
comer. “Você o quê?” O horror na voz de Effie confirma minhas piores suspeitas.
“Eu atirei uma
flecha neles. Não exatamente neles. Na direção deles. Como Peeta disse, eu
estava atirando e eles estavam me ignorando e eu só... eu só perdi a minha
cabeça, então atirei na maçã da boca daquele estúpido porco assado deles!” eu
disse audaciosamente.
“E o que eles
disseram?” diz Cinna cuidadosamente.
“Nada. Ou eu não
sei. Eu saí depois disso,” digo.
“Sem ser
dispensada?” arfa Effie.
“Eu me dispensei,”
digo. Lembro de como prometi a Prim que eu tentaria de verdade ganhar e senti
como se uma tonelada de carvão tivesse caído sobre mim.
“Bem, é isso,” diz
Haymitch. Então ele passa manteiga no pão.
“Você acha que
eles me prenderão?” pergunto. “Duvido. Seria um saco te substituir a esse
ponto,” diz Haymitch.
“E a minha
família?” digo. “Elas serão punidas?”
“Não acho. Não
faria muito sentido. Veja, eles teriam que revelar o que aconteceu no Centro de
Treinamento para ter um efeito que valha a pena na população. Pessoas saberiam
o que você fez. Mas eles não podem visto que é um segredo, portanto seria uma
perda de tempo.” Diz Haymitch. “É mais provável que eles tornem sua vida um
inferno na arena.”
“Bem, eles já
prometeram fazer isso conosco de qualquer forma,” diz Peeta.
“Verdade,” diz
Haymitch. E eu percebo que o impossível tem acontecido. Eles estão de fato me
animando. Haymitch pega uma costela de porco com seus dedos, o que faz Effie
congelar, e embebeda no seu vinho. Ele arranca um pedaço de carne e começa a
rir. “Como foram as caras deles?”
Posso sentir as beiras da minha boca subindo. “Chocados.
Terrificados. Uh, ridículos, alguns deles.” Uma imagem estoura dentro da minha
cabeça. “Um homem jogou para trás uma tigela de ponche.”
Haymitch gargalha
e todos nós começamos a rir exceto Effie, embora até ela esteja abafando um
sorriso. “Bem, eles mereceram. É trabalho deles prestar atenção em você. E só
porque você vem do Distrito Doze não é desculpa para te ignorarem.” Então seus
olhos olham ao redor como se ela tivesse dito algo escandaloso. “Sinto muito,
mas é assim que eu penso,” ela diz para ninguém em particular.
“Eu vou conseguir
uma pontuação muito ruim,” digo.
“Pontuações apenas
importam se eles são muito bons, ninguém presta muita atenção em pontuações
ruins ou medíocres. Pelo o que eles sabem, você podia estar escondendo seus
talentos para conseguir uma pontuação baixa de propósito. Pessoas usam essa
estratégia,” disse Portia.
“Eu espero que
seja assim que as pessoas interpretem o quatro que eu provavelmente
conseguirei,” diz Peeta. “E olhe lá. Sério, não há nada menos impressionante
que assistir uma pessoa pegar uma bola pesada e jogá-la alguns metros. Uma
quase caiu no meu pé.”
Eu dei uma risada
para ele e percebi que estava faminta. Corto um pedaço do porco, passo no purê
de batatas, e começo a comer. Está ok. Minha família está salva. E se eles
estão salvos, nenhum dano real foi feito.
Depois da janta,
nós nos sentamos na sala de estar para assistir o anunciamento das pontuações
na televisão. Primeiro eles mostram uma foto do tributo, então mostram suas
pontuações abaixo. Os Tributos Profissionais naturalmente conseguem notas de
oito a dez. A maioria dos outros jogadores tem média cinco. Surpreendentemente,
a pequena Rue vem com um sete. Eu não sei o que ela mostrou aos jurados, mas
ela é tão pequena que deve ter sido impressionante.
Distrito 12 vem
por último, como o usual. Peeta consegue um oito do, no mínimo, par de
Gamemakers que deviam tê-lo assistido. Eu empurro minhas unhas contra minhas
palmas enquanto meu rosto aparece, esperando o pior. Então eles mostram o
número onze na tela.
Onze!
Effie Trinket
solta um berro, e todo mundo está batendo nas minhas costas e me animando e me
parabenizando. Mas isso não parece real.
“Deve ter sido um
engano. Como... como isso pôde acontecer?” eu pergunto a Haymitch.
“Acho que eles gostaram
do seu temperamento,” ele diz. “Eles tem um show para carregar. Eles precisam
de alguns jogadores esquentadinhos.”
“Katniss, a garota
que estava em chamas,” diz Cinna e me dá um abraço. “Oh, espere até você ver
seu vestido para a entrevista.”
“Mais chamas?” eu
pergunto.
“De uma espécie,” ele diz de forma travessa.
Peeta e eu
parabenizamos um ao outro, outro momento estranho. Ambos fizemos bem, mas o que
isso significa para o outro? Eu escapo para o meu quarto o mais rápido possível
e entro sob os cobertores. O estresse do dia, particularmente o choro, me
esgotou. Eu divago, suavizada, aliviada, e com o número onze ainda brilhando
atrás das minhas pálpebras.
No amanhecer, eu
deito na cama por um momento, assistindo o sol aparecer numa bela manhã. É
domingo. Um dia fora de casa. Pergunto-me se Gale já está na floresta.
Usualmente nós devotamos todo o Domingo para estocar para toda a semana.
Levantando cedo, caçando e colhendo, então negociando no Hob. Penso em Gale sem
mim. Ambos podemos caçar sozinhos, mas somos melhor como um par.
Particularmente se estamos tentando pegar uma caça sozinhos. Mas também nas
pequenas coisas, ter um par suaviza a carga, poderia mesmo fazer a árdua tarefa
de preencher a mesa da minha família divertida.
Eu estava lutando
sozinha por uns seis meses quando eu pela primeira vez vi Gale na floresta. Era
um Domingo de Outubro, o ar frio e pungente como coisas mortas. Eu tinha
passado a manhã competindo com os esquilos por nozes e a tarde suavemente
quente vadeando em lagoas rasas colhendo katniss. A única comida que eu tinha
pegado era um esquilo que tinha praticamente corrido por sobre meus dedos dos
pés em busca de bolotas, mas os animais ainda estariam em ação quando a neve
queimasse minhas outras fontes de comida. Tendo desviado mais longe do que o
habitual, eu estava voltando apressada para casa, arrastando seu saco de tecido
grosso quando eu percebi um coelho morto. Ele estava pendurado pelo seu pescoço
por um fino fio uns trinta centímetros acima da minha cabeça. Uns quinze metros
mais longe estava outro.
Eu reconheci a
armadilha porque meu pai as tinha usado. Quando a presa é pega, ela é puxada
para o ar fora do alcance de animais famintos. Eu tinha tentando usar
armadilhas todo o verão sem sucesso, então eu não podia evitar deixar cair meu
saco para examiná-la. Meus dedos estavam quase no fio acima dos coelhos quando
uma voz chamou. “Isso é perigoso.”
Eu pulei para trás
quando Gale se materializava de trás de uma árvore. Ele devia estar me
assistindo o tempo todo. Ele tinha apenas quatorze, mas tinha claramente 1,80m
e era tão adulto para mim. Eu o tinha visto por aí em Seam e na escola. E uma
outra vez. Ele tinha perdido o pai na mesma explosão que matou o meu. Em
Janeiro, eu tinha ficado do lado enquanto ele recebia sua medalha de coragem do
Edifício da Justiça, outro filho mais velho sem pai. Lembrei de seus dois
irmãos pequenos agarrando sua mãe, uma mulher cuja barriga inchada anunciava
que ela estava apenas há alguns dias de dar a luz.
“Qual é o seu
nome?” ele disse, aproximando-se e soltando o coelho da armadilha. Ele tinha
outros três pendurados no seu cinto.
“Katniss,” disse,
mal audível.
“Bem, Catnip, a
punição por roubar é a morte, ou você não tinha ouvido?” ele disse.
“Katniss,” eu
disse mais alto. “E eu não estava roubando. Eu só queria ver sua armadilha. As
minhas nunca pegam nada.”
Ele fez uma cara feia para mim, não convencido. “Então de
onde você conseguiu o esquilo?”
“Eu atiro.” Puxei
meu arco do meu ombro. Eu ainda estava usando a versão pequena que meu pai
tinha feito para mim, mas eu estava praticando com o maior quando podia. Estava
esperando que com a primavera eu pudesse ser capaz de derrubar uma caça maior.
Os olhos de Gale
se fixaram no arco. “Posso vê-lo?” eu entreguei a ele. “Só lembre-se, a punição
por roubar é a morte.”
Aquela foi a
primeira vez que eu o vi sorrir. Transformava-o de alguém ameaçador para alguém
que você desejaria conhecer. Mas levou alguns meses para eu retornar esse
sorriso.
Nós conversamos
sobre caçada, então. Eu contei a ele que eu podia ser capaz de conseguir para
ele um arco se ele tinha algo para negociar. Não comida. Eu queria
conhecimento. Eu queria preparar minhas próprias emboscadas que pegassem uma
correia de coelhos gordos em um dia. Ele concordou que algo podia ser
trabalhado. Enquanto as estações passavam, nós rancorosamente começamos a
dividir nosso conhecimento, nossas armas, nossos lugares secretos que eram
cheios de ameixas selvagens ou perus. Ele me ensinou a capturar com a armadilha
e a pescar. Eu mostrei a ele quais as plantas para comer e eventualmente dei a
ele um dos nossos preciosos arcos. E então um dia, sem nenhum de nós dizê-lo,
tornamo-nos um time. Dividindo o trabalho e as presas. Tendo certeza que ambas
nossas famílias tinham comida.
Gale me dava uma
sensação de segurança que eu tinha carência desde a morte do meu pai. Seu
companheirismo substituiu as longas horas solitárias na floresta. Eu me tornei
muito melhor em caçar quando não tinha que olhar por sobre meu ombro constantemente,
quando alguém estava assistindo minhas costas. Mas ele se tornou muito mais do
que um companheiro de caçada. Ele se tornou meu confidente, alguém com quem eu
podia dividir os pensamentos que eu nunca podia dar voz dentro do muro. Em
troca, ele confiou em mim. Estar fora na floresta com Gale... às vezes eu era
feliz de verdade.
Eu o chamei de
amigo, mas no último ano parecia uma palavra muito casual para o que Gale era
para mim. Uma pontada de saudades dispara pelo meu peito. Se ele só tivesse
aqui comigo agora! Mas, claro, eu não quero isso. Eu não o quero na arena onde
ele estaria morto em poucos dias. Eu só... eu só sentia a falta dele. E odeio
estar tão sozinha. Ele sente minha falta? Ele deve.
Penso no onze
brilhando sob meu nome na última noite. Sei exatamente o que ele diria para
mim. “Bem, há algum espaço para melhorias ali.” E então ele me daria um sorriso
e eu o retornaria sem hesitação agora.
Não posso evitar
comparar o que eu tenho com Gale com o que eu finjo que tenho com Peeta. Como
eu nunca questiono os motivos de Gale quando eu não faço nada mais que duvidar
do último. Não é uma comparação justa, de fato. Gale e eu estávamos jogando
juntos pela necessidade mútua de sobreviver. Peeta e eu sabemos que a
sobrevivência do outro significa a própria morte. Como se iludir com isso?
Effie está batendo na porta, lembrando-me que há outro
“grande, grande, grande dia!” pela frente. Amanhã a noite será nossa entrevista
na televisão. Acho que toda a equipe terá suas mãos cheias nos preparando para
isso.
Eu me levanto e
tomo um banho rápido, sendo um pouco mais cuidadosa com os botões em que eu
bato, e sigo em direção ao salão de janta. Peeta, Effie, e Haymitch estão
reunidos ao redor da mesa conversando em vozes baixas. Isso parece estranho,
mas a fome vence minha curiosidade e eu carrego meu prato com o café da manhã
antes de me juntar a eles.
O cozido é feito
com pedaços de cordeiro e ameixas secas hoje. Perfeito no fundo de arroz
selvagem. Eu despejo aproximadamente meio monte quando noto que ninguém está
falando. Tomo um grande gole de suco de laranja e seco minha boca. “Então, o
que está acontecendo? Você está me treinando para as entrevistas hoje, certo?”
“Certo,” diz
Haymitch.
“Você não tem que
esperar até eu terminar. Eu posso escutar e comer ao mesmo tempo,” digo.
“Bem, houve alguma
mudança de planos. Sobre nossa atual abordagem,” diz Haymitch.
“O que é?”
pergunto. Não estou certa sobre qual é a nossa atual abordagem. Tentando
parecer medíocre na frente dos outros tributos é o último pedaço de estratégia
que eu lembro.
Haymitch encolhe
os ombros. “Peeta me pediu para ser treinado separadamente.”
9
Traição. Essa é a
primeira coisa que eu sinto, o que é ridículo. Para que houvesse traição,
deveria ter havido confiança antes.
Entre Peeta e eu.
E confiança não fizera parte do acordo. Somos tributos. Mas o garoto que tinha
arriscado levar uma surra para me dar pão, aquele que me acalmou na carruagem,
que me cobriu no caso da Avox ruiva, que insistiu para que Haymitch conhecesse
minhas habilidades de caça... havia alguma parte de mim que não conseguia
evitar confiar nele?
Por outro lado,
estou aliviada por podermos parar com o fingimento de sermos amigos.
Obviamente, qualquer tênue conexão que tínhamos tolamente formado tinha se
partido. E bem na hora, também.
Os Games começam em dois dias, e confiança só será uma
fraqueza. O que quer que tenha ativado a decisão do Peeta – e eu suspeito que
tenha a ver comigo ter sido melhor que ele no treinamento – eu deveria
simplesmente estar grata por isso. Talvez ele finalmente tenha aceitado o fato
de que quanto mais cedo nós reconhecermos abertamente que somos inimigos,
melhor.
“Ótimo,” eu digo.
“Então qual o cronograma?”
“Cada um de vocês
terá quatro horas com a Effie para a apresentação e quatro comigo para
conteúdo,” diz Haymitch. “Você começa com a Effie, Katniss.”
Eu não consigo
imaginar o que Effie pode me ensinar que levará quatro horas, mas ela me põe
para trabalhar até o último minuto. Vamos para o meu quarto e ela me coloca em
um vestido comprido e sapatos de salto alto, não os que eu estarei usando para
a entrevista verdadeira, e me instrui a andar. Os sapatos são a pior parte. Eu
nunca usei salto alto e eu não consigo me acostumar a basicamente ficar
balançando nas pontas dos pés.
Mas Effie corre em
cima deles o tempo todo, e eu estou determinada que se ela consegue fazer isso,
eu também consigo. O vestido oferece outro problema.
Fica enrolando ao
redor dos meus sapatos, então, é claro, eu o puxo para cima, e então Effie
lança-se sobre mim como um falcão, batendo nas minhas mãos e gritando, “Não
acima do tornozelo!” Quando eu finalmente conquisto andar, há ainda sentar,
postura – aparentemente eu tenho uma tendência de abaixar a minha cabeça –
comtato visual, gestos da mão, e sorrir. Sorrir é quase todo sobre sorrir mais.
Effie me faz dizer uma centena de frases banais começando com um sorriso,
enquanto sorrio, ou terminando com um sorriso. Na hora do almoço, os músculos
nas minhas bochechas estão contorcendo-se por uso exagerado.
“Bem, esse é o
melhor que eu consigo,” Effie diz com um suspiro. “Lembre-se, Katniss, você
quer que a audiência goste de você.”
“E você não acha
que eles gostarão?” Eu pergunto.
“Não se você olhar
feio para eles o tempo todo. Por que você não guarda isso para a arena? Ao
invés, pense que você está entre amigos,” diz Effie.
“Eles estão
apostando quanto tempo eu viverei!” Eu estouro. “Eles não são meus amigos!”
“Bem, tente e
finja!” retruca Effie. Então ela se recompõe e sorri radiantemente para mim.
“Viu, assim. Eu estou sorrindo para você mesmo que você esteja me irritando.”
“Sim, parece muito
convincente,” eu digo. “Eu vou comer.” Eu tiro meus saltos e piso pesadamente
até a sala de jantar, subindo minha saia até as minhas coxas.
Peeta e Haymitch
parecem estar de muito bom humor, então eu acho que a sessão de conteúdo deve
ser uma melhora dessa manhã. Eu não podia estar mais errada. Após o almoço,
Haymitch me leva para a sala de estar, me direciona para o sofá, e então só
franze a testa para mim por um tempo.
“O quê?” Eu
finalmente pergunto.
“Estou tentando descobrir o que fazer com você,” ele diz.
“Como vamos apresentá-la. Você vai ser charmosa? Arredia? Feroz? Até agora,
você está brilhando como uma estrela. Você se voluntariou para salvar sua irmã.
Cinna te fez parecer inesquecível. Você tirou a maior nota do treinamento. As
pessoas estão intrigadas, mas ninguém sabe quem você é. A impressão que você
causar amanhã decidirá exatamente o que eu conseguirei para você em termos de
patrocinadores,” diz Haymitch.
Tendo observado as
entrevistas dos tributos a minha vida toda, eu sei que há uma verdade no que
ele está dizendo. Se você conquistar a multidão, sendo ou humorística ou brutal
ou excêntrica, você ganha boas graças.
“Qual a abordagem
do Peeta? Ou eu não posso perguntar?” Eu digo.
“Amigável. Ele tem
um tipo de humor auto-depreciativo natural,” diz Haymitch. “Enquanto que quando
você abre sua boca, você parece mais mal-humorada e hostil.”
“Não pareço!” Eu
digo.
“Por favor. Eu não
sei de onde você puxou aquela garota alegre e acenadora de antes na carruagem,
mas eu não a vi antes ou desde então,” diz Haymitch.
“E você me deu
tantas razões para ser alegre,” eu contrapus.
“Mas você não tem
que me agradar. Eu não vou te patrocinar. Então finja que eu sou a audiência,”
diz Haymitch. “Me fascine.”
“Ótimo!” Eu rosno.
Haymitch toma o papel de entrevistador e eu tento responder suas perguntas de
uma maneira vencedora. Mas eu não consigo. Eu estou nervosa demais com Haymitch
pelo que ele disse e que eu ainda tenho que responder as perguntas. Tudo em que
consigo pensar é em como o negócio todo é injusto, o Hunger Games. Por que eu
estou pulando de um lado para o outro como algum cão treinado tentando agradar
pessoas que eu odeio?
Quanto mais a
entrevista prolonga-se, mais a minha fúria parece subir à superfície, até que
eu literalmente estou cuspindo respostas para ele.
“Está certo,
chega,” ele disse. “Temos que encontrar outro ângulo. Não só você é hostil,
como eu não sei nada sobre você. Eu te fiz cinqüenta perguntas e ainda não faço
ideia da sua vida, a sua família, do que você gosta. Eles querem saber sobre
você, Katniss.”
“Mas eu não quero
que eles saibam! Eles já estão tomando o meu futuro! Eles não podem ter as
coisas que eram importantes para mim no passado!” Eu digo.
“Então minta!
Invente alguma coisa!” diz Haymitch.
“Não sou boa
mentindo,” eu digo.
“Bem, é melhor
você aprender rápido. Você tem tanto charme quanto uma lesma morta,” diz
Haymitch.
Ai. Isso machuca. Até mesmo Haymitch deve saber que ele foi
duro demais, porque sua voz suaviza. “Tenho uma ideia. Tente agir humilde.”
“Humilde,” eu
ecoo.
“Que você não
consegue acreditar que uma menininha do Distrito Doze se deu tão bem. O negócio
todo foi mais do que você poderia ter sonhado. Fale sobre as roupas do Cinna.
Como as pessoas são legais. Como a cidade te fascina. Se você não vai falar
sobre sim, pelo menos elogie a audiência. Simplesmente fique virando de volta,
está bem. Entusiasme-se.”
As próximas horas
são agonizantes. De uma só vez, fica claro que eu não consigo me entusiasmar.
Nós tentamos eu metida, mas eu simplesmente não tenho a arrogância.
Aparentemente, eu sou “vulnerável” demais para ferocidade. Eu não sou vivaz.
Engraçada. Sexy. Ou misteriosa.
Ao final da
sessão, eu não sou ninguém. Haymitch começou a beber por volta do vivaz, e uma
beirada maldosa arrastou-se para sua voz. “Eu desisto, querida. Só responda as
perguntas e tente não deixar a audiência ver o quanto você os despreza
abertamente.”
Eu janto naquela
noite no meu quarto, pedindo um número escandaloso de iguarias, comendo até
passar mal, e então descontando minha raiva do Haymitch, dos Hunger Games, de
cada ser vivo em Capital ao quebrar pratos pelo meu quarto. Quando a garota do
cabelo vermelho vem para arrumar minha cama, seus olhos se arregalam com a
bagunça. “Só deixa!” Eu grito para ela. “Só deixa isso em paz!”
Eu a odeio,
também, com seus sabidos olhos reprovadores que me chamam de covarde, de
monstro, de fantoche de Capital, tanto agora quanto antes. Para ela, a justiça
deve finalmente estar acontecendo. Por fim minha morte ajudará a pagar pela
vida do garoto na floresta.
Mas ao invés de
fugir da sala, a garota fecha a porta atrás de si e vai para o banheiro. Ela
volta com um pano úmido e limpa meu rosto gentilmente, então limpa o sangue de
um prato quebrado das minhas mãos. Por que ela está fazendo isso? Por que eu
estou deixando-a?
“Eu devia ter
tentando salvá-la,” eu sussurro.
Ela balança sua
cabeça. Isso significa que estávamos certos ao ficar parados? Que ela me
perdoou?
“Não, foi errado,”
eu digo.
Ela bate em seus
lábios com seus dedos e então aponta para o meu peito. Eu acho que ela quer
dizer que eu simplesmente teria acabado uma Avox, também. Provavelmente teria.
Uma Avox ou morta.
Eu passo a próxima
hora ajudando a garota ruiva limpar o quarto. Quando todo o lixo foi jogado no
dispositivo de coleta e tratamento de lixo e a comida fora limpada, ela arruma
a minha cama. Eu engatinho entre os lençóis como uma menina de cinco anos e
deixo-a me
ajeitar. Então ela se vai. Eu quero que ela fique até eu
pegar no sono. Estar lá quando eu acordar. Eu quero a proteção dessa garota,
mesmo que ela nunca tenha tido a minha.
De manhã, não é a
garota, mas sim meu time de preparação que está sobre mim. Minhas lições com
Effie e Haymitch acabaram. Esse dia pertence ao Cinna. Ele é minha última
esperança. Talvez ele possa me fazer parecer tão maravilhosa que ninguém ligará
para o que saia da minha boca.
O time trabalha em
mim até o fim da tarde, transformando a minha pele em um cetim resplandecente,
gravando padrões nos meus braços, pintando desenhos de chamas nas minhas vinte
unhas perfeitas. Então Venia trabalha no meu cabelo, entrelaçando tranças de
vermelho em um padrão que começa no meu ouvido esquerdo, se enrola ao redor da
minha cabeça, e então cai em uma trança pelo meu ombro direito. Eles limpam o
meu rosto com uma camada de maquiagem pálida e desenham meus traços de volta.
Enormes olhos negros, lábios vermelhos cheios, cílios que desviam um pouco de
luz quando eu pisco. Finalmente, eles cobrem o meu corpo inteiro com um pó que
me faz brilhar em poeira dourada.
Então Cinna entra
com o que eu presumo ser meu vestido, mas eu não consigo realmente ver, porque
está coberto. “Feche seus olhos,” ele ordena.
Eu consigo sentir
a seda interior enquanto eles o deslizam pelo meu corpo nu, então o peso. Deve
ser uns dezoito quilos. Eu aperto a mão da Octavia enquanto eu cegamente coloco
meus sapatos, feliz por descobrir que eles são pelo menos cinco centímetros
mais baixos do que o par que a Effie me fez praticar. Há algum ajuste e
manuseio. Então silêncio.
“Posso abrir meus
olhos?” Eu pergunto.
“Sim,” diz Cinna.
“Abra-os.”
A criatura de pé
perante a mim no espelho inteiro veio de outro mundo. Onde peles brilham e
olhos relampejam e aparentemente eles fazem suas roupas de jóias. Porque o meu
vestido, ah, o meu vestido é inteiramente coberto em pedras preciosas
reflexivas, vermelhas e amarelas e brancas com um pouquinho de azul que acentua
as pontas do desenho de chamas. O movimento mais leve dá a impressão que eu sou
engolfada por línguas de fogo.
Eu não estou
bonita. Eu não estou linda. Eu estou tão radiante quanto o sol.
Por um tempo,
simplesmente me encaramos. “Ah, Cinna,” eu finalmente sussurro. “Obrigada.”
“Gire para mim,”
ele diz. Eu estico meus braços e giro em um círculo. O time de preparação grita
em admiração.
Cinna dispensa o
time e me faz mover com o vestido e os sapatos, que são infinitamente mais
manejáveis que os da Effie. O vestido paira de tal jeito que eu não tenho que
levantar a saia quando ando, deixando-me com menos uma coisa com a qual me
preocupar.
“Então, todo
prontos para a entrevista então?” pergunta Cinna. Eu consigo ver por sua
expressão que ele está falando com Haymitch. Que ele sabe o quanto eu sou
terrível.
“Eu sou horrível. Haymitch me chamou de lesma morta. Não
importa o que tentássemos, eu não conseguia. Eu simplesmente não consigo ser
uma dessas pessoas que ele quer que eu seja,” eu digo.
Cinna pensa nisso
por um momento. “Por que você simplesmente não é você mesma?”
“Eu mesma? Isso
não é nada bom, também. Haymitch diz que eu sou mal humorada e hostil,” eu
digo.
“Bem, você é...
perto do Haymitch,” diz Cinna com um sorriso irônico. “Eu não te acho isso. O
time de preparação te adora. Você até mesmo conquistou os Gamemakers. E quanto
aos cidadãos de Capital, bem, eles não conseguem parar de falar sobre você.
Ninguém consegue evitar admirar o seu espírito.”
Meu espírito. Esse
é um novo pensamento. Eu não tenho certeza do que exatamente isso significa,
mas sugere que eu sou uma lutadora. De um jeito meio corajoso. Não é como se eu
nunca fosse amigável. Está bem, talvez eu não saia por aí amando todo mundo que
eu conheço, talvez meus sorrisos sejam difíceis de aparecer, mas eu realmente
gosto de algumas pessoas.
Cinna toma minhas
mãos geladas nas suas quentes. “Suponha, quando você responder as perguntas,
que você acha que está se dirigindo a um amigo lá em casa. Quem seria seu
melhor amigo?” pergunta Cinna.
“Gale,” eu digo
instantaneamente. “Só que não faz muito sentido, Cinna. Eu nunca diria essas
coisas sobre mim ao Gale. Ele já as conhece.”
“E quanto a mim?
Você consegue pensar em mim como um amigo?” pergunta Cinna.
De todas as
pessoas que eu conheci desde que eu deixei minha casa, Cinna é de longe a minha
favorita. Eu gostei dele de cara e ele não me decepcionou ainda. “Eu acho que
sim, mas –”
“Eu vou estar
sentado na plataforma principal com os outros estilistas. Você será capaz de
olhar diretamente para mim. Quando te fizerem uma pergunta, me encontre, e
responda-a o mais honestamente possível,” diz Cinna.
“Mesmo se o que eu
pensar for horrível?” Eu pergunto. Porque pode ser, sério.
“Especialmente se
o que você acha é horrível,” diz Cinna. “Você tentará?”
Eu aceno. É um
plano. Ou pelo menos algo a que se agarrar.
Cedo demais é hora
de ir. A entrevista se dá em um palco construído na frente do Centro de
Treinamento. Uma vez que eu deixo o meu quarto, serão só minutos até eu estar
na frente da multidão, das câmeras, de toda Panem.
Enquanto Cinna
vira a maçaneta, eu paro sua mão. “Cina...” Eu estou completamente tomada pelo
medo de palco.
“Lembre-se, eles
já te amam,” ele diz gentilmente. “Só seja você mesma.”
Nós nos encontramos com o resto do povo do Distrito 12 no
elevador. Portia e sua gangue tinham trabalhado arduamente. Peeta parece
formidável em um terno preto com ênfases de chama. Enquanto parecemos bem
juntos, é um alívio não estar vestida identicamente. Haymitch e Effie estão
todos arrumados para a ocasião. Eu evito Haymitch, mas aceito os elogios de
Effie. Effie pode ser cansativa e tola, mas ela não é destrutiva como o
Haymitch.
Quando o elevador
abre, os outros tributos estão sendo alinhados para tomar o palco. Todos nós
vinte e quatro sentamos em um grande arco durante as entrevistas. Eu serei a
última, ou a penúltima, já que a menina tributo precede o garoto de cada
distrito. Como eu gostaria de ser a primeira e acabar com esse negócio todo!
Agora eu terei que
ouvir como todos os outros são vivazes, engraçados, humildes, ferozes, e
charmosos antes de eu ir. Além disso, a audiência vai começar a ficar
entediante, exatamente como os Gamemakers ficaram. E eu não posso exatamente
atirar uma flecha na multidão para chamar sua atenção.
Logo antes de
desfilarmos até o palco, Haymitch aparece atrás de Peeta e eu e rosna,
“Lembre-se, vocês ainda são um casal feliz. Então ajam de acordo.”
O quê? Eu achei
que tínhamos abandonado isso quando Peeta pediu um treinamento separado. Mas
acho que esse era um negócio particular, não público. De qualquer jeito, não há
muita chance de interação agora, enquanto andamos em fila indiana até nossos
assentos e tomamos nossos lugares.
Simplesmente pisar
no palco deixa minha respiração rápida e superficial. Eu consigo sentir minha
pulsação em minhas têmporas. É um alívio ir até a minha cadeira, porque com os
saltos e as minhas pernas tremendo, eu tenho medo de tropeçar. Apesar da noite
estar caindo, a Cidade Circular é mais clara que um dia de verão. Uma unidade
de assentos elevados foi organizada para os convidados de prestígio, com os
estilistas comandando a fileira da frente. As câmeras irão se virar para eles
quando a multidão estiver reagindo ao seu trabalho. Uma enorme sacada de uma
construção lateral foi reservada para os Gamemakers. Equipes de televisão
reinvindicaram a maioria das outras sacadas. Mas a Cidade Circular e as
avenidas que a alimentam estão completamente lotadas de pessoas. Uma sala só
para espectadores. Nas casas e salões comunitários pelo país, cada televisão
está ligada. Cada cidadão de Panem está atento. Não haverá apagões hoje.
Caesar Flickerman,
o homem que faz as entrevistas por mais de quarenta anos, saltita pelo palco. É
um pouco assustador, porque sua aparência permaneceu virtualmente imutável
durante todo esse tempo. Mesmo rosto debaixo de uma camada de maquiagem branca
pura. Mesmo penteado que ele tinge de uma cor diferente para cada Hunger Games.
Mesmo terno de cerimônia, azul escuro pingado com mil minúsculos bulbos
elétricos que piscam como estrelas.
Eles fazem
cirurgia em Capital, para fazer as pessoas parecerem mais jovens e mais magras.
No Distrito 12, parecer velho é meio que uma realização, já que tantas pessoas
morrem cedo. Você vê uma pessoa idosa e quer parabenizá-la por sua longevidade,
perguntar o segredo da sobrevivência. Uma pessoa rechonchuda é invejada porque
ela não está apenas sobrevivendo
dia a dia como a maioridade de nós. Mas aqui é diferente.
Rugas não são desejáveis. Uma barriga redonda não é um sinal de sucesso.
Esse ano, o cabelo
de Caesar é azul acinzentado e suas pálpebras e lábios estão cobertos com a
mesma matiz. Ele parece bizarro, mas menos assustador do que no ano passado,
quando sua cor fora carmesim e ele parecera estar sangrando. Caesar conta algumas
piadas para aquecer a audiência, mas então parte para os negócios.
A garota tributo
do Distrito 1, parecendo provocadora em um vestido dourado transparente, anda
até o centro do palco para se juntar a Caesar para sua entrevista. Você
consegue afirmar que seu mentor não teve problema algum em bolar um ângulo para
ela. Com aquele cabelo loiro flutuante, olhos verde esmeralda, seu corpo alto e
exuberante... ela é totalmente sexy.
Cada entrevista
dura apenas três minutos. Então uma campainha soa e é a vez do próximo tributo.
Eu digo isso do Caesar, ele realmente faz seu melhor para deixar os tributos
brilharem. Ele á amigável, tenta deixar os nervosos à vontade, ri de umas
piadas podres, e consegue transformar uma resposta fraca em uma memorável
somente pelo jeito com que ele reage.
Eu sento como uma
dama, do jeito que Effie me mostrou, enquanto os distritos deslizam. 2, 3, 4.
Todos parecem estar jogando de algum ângulo.
O garoto
monstruoso do Distrito 2 é uma máquina de matar cruel. A garota de rosto de
raposa do Distrito 5 é dissimulada e elusiva, Eu avistei Cinna assim que ele
tomou seu lugar, mas até mesmo sua presença não conseguiu me relaxar. 8, 9, 10.
O garoto aleijado do 10 é bem quieto. Minhas palmas estão suando adoidadas, mas
o vestido encravado de jóias não é absorvente e elas derrapam diretamente por
ele se eu tento secá-las. 11.
Rue, que está
vestida em um vestido diáfano completo com asas, flutua até Caesar. Um silêncio
cai sobre a multidão ao sinal mágico dessa pequena e delicada tributo. Caesar é
muito doce com ela, elogiando o seu sete no treinamento, uma nota excelente
para alguém tão pequeno. Quando ele pergunta a ela qual sua maior habilidade na
arena será, ela não hesita. “Eu sou muito difícil de se capturar,” ela diz em
uma voz trêmula. “E se eles não puderem me pegar, eles não podem me matar.
Então não descarte.”
“Eu não iria em um
milhão de anos,” diz Caesar encorajadoramente.
O garoto tributo
do Distrito 11, Thresh, tem a mesma pele negra de Rue, mas as semelhanças param
ali. Ele é um dos gigantes, provavelmente um metro e noventa e cinco e o porte
de um boi, mas eu notei que ele rejeitou os convites dos Tributos Profissionais
de juntar a seu grupo. Ao invés, ele tem estado bastante solitário, falando com
ninguém, mostrando pouco interesse no treinamento. Mesmo assim, ele conseguiu
um dez e não é difícil de imaginar que ele impressionou os Gamemakers. Ele
ignora as tentativas de Caesar de brincadeira e responde com um sim ou não
simplesmente permanecendo em silêncio.
Se eu ao menos
fosse do tamanho dele, eu podia me safar sendo mal humorada e hostil e ficaria
tudo bem! Eu aposto que metade dos patrocinadores estão pelo menos
considerando-o. Se eu tivesse algum dinheiro, eu mesma apostaria nele.
E então eles estão chamando Katniss Everdeen, e eu me sinto,
como se em um sonho, levantar e andar até o centro do palco. Eu aperto a mão
esticada de Caesar, e ele tem os bons modos de não limpar imediatamente a sua
mão em seu terno.
“Então, Katniss, Capital
deve ser uma mudança e tanto do Distrito Doze. O que mais te impressionou desde
que você chegou aqui?” pergunta Caesar.
O quê? O que ele
disse? É como se as palavras não fizessem sentido algum.
Minha boca ficou
seca como serragem. Eu desesperadamente encontro Cinna na multidão e travo meus
olhos com ele. Eu imagino as palavras saindo de seus lábios. “O que mais te
impressionou desde que você chegou aqui?” Eu vasculho meu cérebro por algo que
me fez feliz aqui. Seja honesta, eu penso. Seja honesta.
“O cozido de
cordeiro,” eu saio.
Caesar ri, e eu
vagamente percebo que parte da audiência se juntou a ele.
“Aquela com as
ameixas secas?” pergunta Caesar. Eu aceno. “Ah, eu o como de monte.” Ele se
vira de lateral para audiência com terror, a mão em seu estômago. “É notável,
não é?” Eles gritam reassegurações de volta a ele e aplaudem. Isso é o que eu
quis dizer sobre Caesar. Ele tenta te ajudar.
“Agora, Katniss,”
ele diz confiantemente, “Quando você saiu na cerimônia de abertura, meu coração
realmente parou. O que você achou daquele traje?”
Cinna levanta uma
sobrancelha para mim. Seja honesta. “Você quer dizer depois de eu ter superado
meu medo de ser queimada viva?” Eu pergunto.
Uma risada alta.
Uma real da audiência.
“Sim. Comece aí,”
diz Caesar.
Cinna, meu amigo,
eu deveria dizer a ele de qualquer jeito. "Eu achei que Cinna foi
brilhante e foi o traje mais lindo que eu já vi e eu não consegui acreditar que
estava usando ele. Eu não consigo acreditar que estou usando isso, tampouco.”
Eu levanto minha saia para espalhá-la. “Quero dizer, olhe para ela!”
Enquanto a
audiência faz oohs e aahs, eu vejo Cinna fazer o menor movimento circular com
seu dedo. Mas eu sei o que ele está dizendo.
Gire para mim.
Eu rodo em uma
círculo uma vez e a reação é imediata.
“Ah, faça isso
novamente!” diz Ceaser, e então eu levanto meus braços e rodopio ao redor sem
parar, deixando a saia voar para cima, deixando o vestido me engolfar em
chamas. A audiência começa a aplaudir. Quando eu paro, eu aperto o braço de
Caesar.
“Não pare!” ele
diz.
“Eu preciso, estou tonta!” Eu também estou dando risinhos, o
que eu acho que nunca fiz em minha vida. Mas o nervosismo e os rodopios
ganharam de mim.
Caesar envolve um
braço protetor ao meu redor. “Não se preocupe, estou com você. Não posso
fazê-la seguir os passos do seu mentor.”
Todos estão
vaiando enquanto as câmeras acham Haymitch, que agora já é famoso por seu
mergulho de cabeça na colheita, e ele acena para ele de um jeito bom humorado e
aponta de volta para mim.
“Está tudo bem,”
Caesar assegura à multidão. “Ela está segura comigo. Então, e quanto a nota do
treinamento. On-ze. Dê-nos uma dica do que aconteceu lá.”
Eu olho para os
Gamemakers na sacada e mordo meu lábio.
“Hm... tudo que eu
posso dizer é que acho que foi inédito.”
As câmeras estão
bem nos Gamemakers, que estão rindo e assentindo.
“Você está nos
matando,” diz Caesar como se estivesse com uma dor real. “Detalhes. Detalhes.”
Eu me dirijo a
sacada. “Não devo falar sobre isso, certo?”
O Gamemaker que
caiu na tigela de ponche grita, “Ela não deve!”
“Obrigada,” eu
digo. “Desculpa. Meus lábios estão selados.”
“Vamos voltar
então para o momento que chamam o nome da sua irmã na colheita,” diz Caesar.
Seu humor está mais silencioso agora.
“E você se
voluntariou. Pode nos falar sobre ela?”
Não. Não, não para
todos vocês. Mas talvez para Cinna. Eu não acho que estou imaginando a tristeza
em seu rosto. “Seu nome é Prim. Ela só tem doze anos. E eu a amo mais que
tudo.”
Você conseguia
ouvir um alfinete cair na Cidade Circular agora.
“O que ela disse
para você; Depois da colheita?” Caesar pergunta.
Seja honesta. Seja
honesta. Eu engulo em seco. “Ela me pediu para tentar arduamente ganhar.” A
audiência está congelada, segurando-se em cada palavra minha.
“E o que você
disse?” Caesar estimulou gentilmente.
Mas ao invés de
calor, eu sinto uma gelada rigidez tomar conta do meu corpo. Meus músculos
ficam tensos como quando antes de uma matança. Quando eu falo, minha voz parece
ter caído uma oitava. “Eu jurei que iria.”
“Aposto que sim,”
diz Caesar, dando-me um apertão. A campainha soa. “Desculpa, nosso tempo
acabou. Muita sorte, Katniss Everdeen, tributo do Distrito Doze.”
Os aplausos continuam por muito tempo depois de eu estar
sentada. Eu olho para Cinna para tranquilização. Ele me dá um jóia sutil.
Eu ainda estou
maravilhada na primeira parte da entrevista de Peeta. Ele conquista a audiência
de cara, contudo; eu os ouço rindo, gritando. Ele joga com o negócio de filho
do padeiro, comparando os tributos com os pães de seus distritos. Então tem uma
anedota engraçada sobre os riscos dos chuveiros de Capital.
“Diga-me, eu
cheiro a rosas?” ele pergunta a Caesar, e então há toda uma cena onde eles se
revezam cheirando um ao outro, o que traz a casa abaixo.
Eu estou voltando
a prestar atenção quando Caesar pergunta a ele se ele tem uma namorada em casa.
Peeta hesita,
então dá uma sacudidade não convincente de sua cabeça.
“Um rapaz bonito
como você. Deve haver uma garota especial. Vamos, qual o nome dela?” diz
Caesar.
Peeta suspira.
“Bem, tem essa garota. Eu tenho uma queda por ela desde que consigo me lembrar.
Mas tenho bastante certeza de que ela nem mesmo sabia que eu estava vivo até a
colheita.”
Sons de simpatia
da multidão. Eles encontram ligação com amor platônico.
“Ela tem outro
cara?” pergunta Caesar.
“Eu não sei, mas
muitos outros garotos gostam dela,” diz Peeta.
“Então, faça o
seguinte. Ganhe, volte para casa. Ela não pode te recusar então, hein?” diz
Caesar encorajadoramente.
“Eu não acho que
vai funcionar. Ganhar... não vai ajudar no meu caso,” diz Peeta.
“Por que não?” diz
Caesar, perplexo.
Peeta cora um tom
de beterraba e gagueja. “Porque... porque... ela veio aqui comigo.”
PARTE II
Os Games
10
Por um momento, as
câmeras focam nos olhos abatidos de Peeta enquanto o que ele diz afunda. Então
posso ver meu rosto, a boca meio aberta numa mistura de surpresa e protesto,
ampliada em todas as telas enquanto eu percebo, Eu! Ele quer dizer eu! Junto
meus lábios e fito o chão, esperando que isso oculte as emoções que começam a
ferver dentro de mim.
“Oh, isso é que é
má sorte,” diz Caesar, e há uma ponta real de dor na sua voz. A multidão está
murmurando de acordo, uns poucos dando gritinhos agonizantes.
“Não é bom,”
concorda Peeta.
“Bem, eu não acho
que algum de nós pode te culpar. É difícil não se apaixonar por essa jovem
dama,” diz Ceasar. “Ela não sabia?”
Peeta balança a
cabeça. “Não até agora.”
Eu deixo meus
olhos fitarem a tela por tempo suficiente para ver que o rubor nas minhas
bochechas é claro.
“Vocês não amariam
puxá-la de volta para cá e conseguir uma resposta?” Ceasar pergunta à
audiência. A multidão grita assentindo. “Tristemente, regras são regras, e o
tempo de Katniss Everdeen acabou. Bem, sorte para você, Peeta Mellark, e acho
que eu falo por toda a Panem quando eu digo que nosso coração vai com o seu.”
O rugido da
multidão é ensurdecedor. Peeta tem absolutamente apagado o resto de nós do mapa
com sua declaração de amor por mim. Quando a audiência finalmente se aquieta,
ele sufoca um calmo “Obrigado” e retorna à sua cadeira. Nós ficamos de pé para
o hino. Eu tenho que levantar minha cabeça por respeito obrigatório e não posso
fugir de ver que todas as telas estão agora dominadas pelas imagens de Peeta e
eu, separados por poucos passos que nas cabeças dos observadores não podem ser
violados. Pobre de nós.
Mas eu sei melhor.
Depois do hino, os
tributos voltam em fila para o salão do Centro de Treinamento e para os
elevadores. Eu tenho a certeza de entrar num carro que não tem Peeta. A
multidão retarda nossas comitivas de estilistas e orientadores e acompanhantes,
então nós temos apenas uns aos outros como companhia. Ninguém fala. Meu
elevador pára para colocar quatro tributos antes de eu estar sozinha e então
acho a porta abrindo no décimo segundo andar. Peeta tinha acabado de sair do
seu carro quando eu bato minhas palmas no seu peito. Ele perde o equilíbrio e
colide em um vaso feio cheio de flores falsas. O vaso se inclina e quebra-se em
centenas de pequenos pedaços. Peeta cai nos cacos, e sangue
imediatamente flui de suas mãos.
“Para que foi
isso?” ele diz, perplexo.
“Você não tinha
nenhum direito! Nenhum direito de dizer aquelas coisas sobre mim!” eu gritei
para ele.
Agora os
elevadores se abrem e todo o grupo está lá, Effie, Haymitch, Cinna, e Portia.
“O que está acontecendo?”
diz Effie, uma nota de histeria em sua voz. “Você caiu?”
“Depois que ela me
empurrou,” diz Peeta enquanto Effie e Cinna o ajudam a se levantar.
Haymitch se vira
para mim. “Você o empurrou?”
“Isso foi idéia
sua, não foi? Tornar-me algum tipo de tola na frente de todo o país?” eu
replico.
“Foi idéia minha,”
diz Peeta, recuando enquanto ele puxa os pedaços de cerâmica de suas palmas.
“Haymitch só me ajudou com isso.”
“Sim, Haymitch é
muito útil. Para você!” Eu digo.
“Você é uma tola,”
Haymitch diz com desgosto. “Você acha que ele te prejudicou? Aquele garoto só
deu a você algo que você nunca poderia conseguir sozinha.”
“Ele me fez
parecer fraca!” eu digo.
“Ele fez você
parecer desejável! E vamos encarar, você pode usar toda a ajuda que conseguir
nesse departamento. Você era tão romântica quanto sujeira até ele dizer que
queria você. Agora todos eles querem. Você é tudo sobre o que eles estão
falando. Os desafortunados amantes do Distrito Doze!” diz Haymitch.
“Mas nós não somos
amantes desafortunados!” eu digo.
Haymitch agarra
meus ombros e me prende contra a parede. “Quem se importa? É tudo um grande
show. É tudo como você é percebida. O máximo que eu poderia dizer sobre você
depois da sua entrevista era que você estava boa o bastante, embora isso em si
seja um pequeno milagre. Agora eu posso dizer que você é uma arrasa-corações.
Oh, oh, oh, como os garotos de volta para casa caem saudosamente aos seus pés.
O que você pensa que vai te conseguir mais patrocinadores?”
O cheiro de vinho
do seu hálito me deixa doente. Eu empurro suas mãos dos meus ombros e me
afasto, tentando limpar minha cabeça.
Cinna se aproxima
e coloca seus braços ao meu redor. “Ele está certo, Katniss.”
Eu não sei o que
pensar. “Eu deveria ter sido informada, então eu não pareceria tão estúpida.”
“Não, sua reação
estava perfeita. Se você soubesse, não seria tão real,” diz Portia.
“Ela só está preocupada com o namorado dela,” diz Peeta
bruscamente, jogando fora um pedaço da urna manchada de sangue.
Minhas bochechas
queimam de novo ao pensar em Gale. “Eu não tenho um namorado.”
“Que seja,” diz
Peeta. “Mas eu aposto que ele é esperto o bastante para reconhecer um blefe
quando ele o vê. Além disso, você não disse que me amava. Então o que importa?”
As palavras estão
penetrando. Minha raiva sumindo. Eu estou rasgada agora entre pensar que eu
estava sendo usada e pensar que eu estava tendo uma vantagem. Haymitch está
certo. Eu sobrevivi à entrevista, mas o que eu era realmente?
Uma garota boba
girando num vestido cintilante. Dando risadinhas. O único momento de qualquer
substância que eu abençoei foi quando eu conversei sobre Prim. Comparar isso
com Thresh, seu silêncio, seu poder mortal, e eu sou esquecível. Boba e
brilhante e esquecível. Não, não inteiramente esquecível, tenho meu onze do
treino.
Mas agora Peeta
fez de mim um objeto de amor. Não só dele. Ouvi-lo dizer que eu tenho muitos
admiradores. E se a audiência realmente pensa que nós estamos apaixonados...
lembro o quão forte eles responderam a sua confissão. Amantes desafortunados.
Haymitch está certo, eles engolem essas coisas em Capital. De repente me
preocupo se eu não reagi direito.
“Depois de ele
dizer que me amava, você achou que eu poderia estar apaixonada por ele,
também?” perguntei.
“Eu achei,” diz
Portia. “O modo como você fugiu olhar para as câmeras, o rubor.”
Os outros gritam,
concordando.
“Você é ouro,
querida. Você vai ter patrocinadores se enfileirando ao redor do bloco,” diz
Haymitch.
Estou embaraçada
com a minha reação. Eu me forço a admitir Peeta. “Sinto muito por te empurrar.”
“Não tem
problema,” ele encolhe os ombros. “Embora isso é tecnicamente ilegal.”
“Suas mãos estão
bem?” pergunto.
“Elas ficarão
bem,” ele diz.
No silêncio que se
seguiu, o cheiro delicioso do nosso jantar flutua da sala de janta. “Vamos lá,
vamos comer,” diz Haymicth. Todos nós o seguimos para a mesa e pegamos nossos
pratos. Mas então Peeta está sangrando tanto, e Portia o leva para tratamento
médico. Nós começamos a cremosa sopa rose-petal sem eles. Na hora que nós
terminamos, eles chegam. As mãos de Peeta estavam cobertas de ataduras. Eu não
posso evitar sentir-me culpada. Amanhã nós estaremos na arena. Ele tinha feito
um favor para mim e eu tinha respondido a ele com agressão. Eu nunca vou parar
de dever a ele?
Depois do jantar, nós assistimos a gravação na sala de
estar. Eu parecia enfeitada e superficial, girando e rindo no meu vestido,
embora os outros me assegurassem que eu era charmosa. Peeta na verdade é
charmoso e totalmente cativante como o garoto apaixonado. E lá estava eu,
ruborizando e confusa, bonita pelas mãos de Cinna, desejável pela confissão de
Peeta, trágica pelas circunstâncias, e por tudo em conta, inesquecível.
Quando o hino
termina e a tela fica preta, um silêncio cai no cômodo. Amanhã ao amanhecer,
nós seremos despertados e preparados para a arena. Os reais Games não começam
até as dez porque muitos dos residentes de Capital levantam tarde. Mas Peeta e
eu temos que fazer um começo mais cedo. Não tem como dizer o quão longe nós
viajaremos para a arena que foi preparada pros Games esse ano.
Sei que Haymitch e
Effie não irão conosco. Tão breve eles partirem daqui, eles estarão no Posto de
Comando dos Games, esperando loucamente inscrever nossos patrocinadores,
trabalhando uma estratégia de como e quando nos mandar os presentes. Cinna e
Portia viajarão conosco para o mesmo lugar onde seremos lançados na arena.
Ainda as despedidas finais devem ser ditas aqui.
Effie toma ambos
nós pela mão e, com lágrimas de verdade em seus olhos, nós deseja sorte.
Agradece-nos por sermos os melhores tributos que ela já teve o privilégio de
apadrinhar. E então, porque é Effie e ela aparentemente é obrigada por alguma
lei a dizer algo terrível, ela acrescenta “Eu não estaria nem um pouco surpresa
se eu finalmente for promovida para um distrito decente próximo ano!”
Então ela nos
beija nas bochechas e sai apresada, sujeitada ou pela despedida emocional ou
pela possível melhora em seu destino.
Haymitch cruza os
braços e olha para nós.
“Alguma palavra
final como conselho?” pergunta Peeta.
“Quando o gongo
soar, caia fora de lá. Vocês nem eram vocês até o banho de sangue em
Cornucópia. Só para deixar claro, ponha o máximo de distância possível entre
vocês e os outros, e encontrem uma fonte de água,” ele diz. “Entenderam?”
“E depois disso?”
pergunto.
“Fiquem vivos,”
diz Haymitch. É o mesmo conselho que ele nos deu no trem, mas ele não está
bêbado e rindo dessa vez. E nós apenas acenamos. O que há mais para dizer?
Quando eu vou ao
meu quarto, Peeta demora-se para conversar com Portia. Estou satisfeita.
Quaisquer palavras de despedidas para nós trocarmos podem esperar até amanhã.
Meus cobertores estão esticados de novo, mas não há sinal da garota Avox de
cabelos vermelhos. Queria saber o nome dela. Devia ter perguntado. Ela podia
escrever, talvez. Ou representá-lo. Mas talvez aquilo apenas resultaria em uma
punição para ela.
Tomo banho e lavo
a cor dourada, a maquiagem, o odor de beleza do meu corpo. Tudo o que resta dos
esforços da equipe de design são as chamas nas minhas unhas. Decido mantê-las
para lembrar a audiência quem eu sou. Katniss, a garota que
estava em chamas. Talvez isso me dê algo para segurar nos próximos dias.
Eu coloco uma
camisola grossa de lã e subo na cama. Preciso de cinco segundos para notar que
eu nunca iria dormir. E eu precisava dormir desesperadamente porque na arena
todo o momento em que eu cedesse à fadiga seria um convite à morte.
Isso não é bom.
Uma hora, duas, três passam, e minhas pálpebras se recusam a ficarem pesadas.
Não posso parar de tentar imaginar exatamente em que terreno estarei amanhã.
Deserto? Pântano? Uma frígida devastação? Acima de tudo eu espero por árvores,
que podem me fornecer alguns meios de dissimulação e comida e abrigo.
Freqüentemente há arvores porque paisagens áridas são maçantes e os Games se
resolvem muito rápido sem elas. Mas como será o clima? Que armadilhas os
Gamemakers esconderam para animar os momentos mais lentos? E ainda há meus
tributos companheiros...
Quanto mais
ansiosa eu estou para dormir, mais o sono me evita. Finalmente, eu estou
inquieta demais mesmo para ficar na cama. Eu ando no chão, coração batendo
muito rápido, respiração muito curta. Meu quarto parece uma cela de uma prisão.
Se eu não conseguir ar logo, vou começar a atirar coisas novamente. Corro no
corredor em direção à porta do telhado. Não está trancada, mas entreaberta.
Talvez alguém tenha esquecido de fechá-la, mas isso não importa. O campo de
força ao redor do telhado previne qualquer forma desesperada de escapar. E eu
não estou procurando escapar, apenas encher meus pulmões de ar. Quero ver o céu
e a lua na última noite em que ninguém estará me caçando.
O telhado não é
iluminado a noite, mas logo que meu pé descalço toca a superfície de azulejo,
vejo sua silhueta, negra contra as luzes que iluminam interminavelmente no Capital.
Há muita comoção acontecendo nas ruas, música e canto e buzina, nada que eu
podia escutar através do grosso vidro dos painéis da janela no meu quarto. Eu
podia escapular agora, sem ele me notar; ele não me ouviria acima do ruído. Mas
o ar da noite está tão doce, que não posso suportar retornar àquela gaiola
abafada do meu quarto. E que diferença isso faz? Se nós falarmos ou não?
Meus pés movem-se
silenciosamente sobre os azulejos. Estou apenas a um metro dele quando eu digo,
“Você deveria dormir um pouco.”
Ele se
sobressalta, mas não se vira. Posso vê-lo balançando suavemente a cabeça. “Não
queria perder a festa. É por nós, depois de tudo.”
E venho ao seu
lado e me inclino contra a beira da grade. As ruas largas estão cheias de
pessoas dançando. Eu soslaio para ver suas pequenas figuras em mais detalhes.
“Eles estão em fantasias?”
“Quem poderia
dizer?” Peeta responde. “Como todas essas roupas malucas que eles usam aqui.
Não pôde dormir, também?”
“Não pude desligar
a minha mente,” digo.
“Pensando na sua
família?” ele pergunta.
“Não,” admito um pouco culpada. “Tudo o que eu posso fazer é
pensar sobre isso amanhã. O que é sem sentido, é claro.” Na luz que vem de
baixo, posso ver sua face agora, a estranha forma que ele apóia suas mãos
enfaixadas. “Eu realmente sinto muito quanto a suas mãos.”
“Isso não importa,
Katniss,” ele diz. “Eu nunca fui um candidato nesses jogos, de qualquer forma.”
“Isso não é
maneira de pensar,” digo.
“Por que não? É
verdade. Minha melhor esperança é não dar vexame e...” Ele hesita.
“E o quê?” digo.
“Eu não sei como
dizer exatamente. Apenas... eu quero morrer como eu mesmo. Isso faz algum
sentido?” ele pergunta. Eu balanço minha cabeça. Como ele poderia morrer como
alguém além de si mesmo? “Eu não quero que eles me mudem. Tornem-me algum tipo
de monstro que eu não sou.”
Mordo meu lábio me
sentindo inferior. Enquanto eu estive ruminando sobre a disponibilidade de
árvores, Peeta estava se esforçando em como manter sua identidade. Sua própria
pureza. “Você quer dizer que não matará ninguém?” pergunto.
“Não, quando a
hora chegar, tenho certeza que matarei como todo mundo. Eu não posso cair sem
lutar. Só continuo desejando que eu pudesse pensar num modo de... mostrar ao Capital
que eles não são donos de mim. Que eu sou mais que um pedaço em seus Games,”
diz Peeta.
“Mas você não é,”
digo. “Nenhum de nós é. É como os Games funcionam.”
“Ok, mas dentro
desse quando, ainda há você, ainda há eu,” ele insiste. “Você não vê?”
“Um pouco.
Apenas... sem ofensa, mas quem se importa, Peeta?” digo.
“Eu me importo.
Quero dizer, o que mais eu sou autorizado a me importar a esse ponto?” ele
pergunta irritado. Ele prende aqueles olhos azuis nos meus agora, exigindo uma
resposta.
Eu dou um passo
para trás. “Importe-se com o que Haymitch disse. Sobre ficar vivo.”
Peeta sorri para
mim, triste e desdenhoso. “Ok. Obrigado pelo toque, querida.”
É como um tapa na
minha cara. Ele usando o afeito arrogante de Haymitch. “Olhe, se você quer
passar as últimas horas da sua vida planejando alguma morte nobre na arena, é
escolha sua. Eu quero passar as minhas no Distrito Doze.”
“Não me
surpreenderia se você conseguir,” diz Peeta. “Dê a minha mãe o meu melhor
quando você voltar, ok?”
“Conte com isso.”
digo. Então me viro e deixo o telhado. Passo o resto da noite entrando e saindo
de um cochilo, imaginando as observações cortantes que farei a Peeta de manhã.
Peeta Mellark. Nós veremos o quão alto e poderoso ele é quando ele enfrentar a
vida e a morte. Ele provavelmente se transformará naqueles tributos bestas
enfurecidos, o tipo que tentar comer o coração de alguém depois de matá-los.
Houve um cara assim há alguns anos do Distrito 6
chamado Titus. Ele ficou completamente selvagem e os
Gamemakers tiveram que paralisá-lo com armas elétricas para juntar os corpos
dos jogares que ele tinha matado antes que ele os comessem. Não há regras na
arena, mas canibalismo não fica bem com a audiência do Capital, então eles
tentaram acabar com isso. Havia alguma especulação de que a avalanche que
finalmente levou Titus para fora foi projetada especificamente para assegurar o
vencedor não era um lunático.
Não vejo Peeta de
manhã. Cinna aparece antes do amanhecer, me dá uma simples troca para vestir, e
me guia para o telhado. Meu vestido final e preparações estarão sozinhos nas
catacumbas sob a própria arena. Um aerobarco aparece do nada no ar, justo como
aquele na floresta no dia em que eu vi a garota Avox de cabelos vermelhos
capturada, e uma escada caindo. Eu posiciono minhas mãos e piso nos degraus
mais baixos e instantaneamente é como se eu tivesse congelada. Algum tipo de
corrente me junta a escada enquanto estou deslizando segura para dentro.
Espero a escapa
para me libertar então, mas ainda estou presa quando uma mulher num casaco
branco se aproxima de mim carregando uma seringa. “Esse é apenas seu
localizador, Katniss. Quando mais parada você estiver, mais eficiente eu posso
colocá-lo,” ela diz.
Parada? Eu estou
uma estátua. Mas isso não me previne da sensação do golpe afiado de dor
enquanto a agulha insere o dispositivo metálico de localização profundamente
sob a pele no lado do meu antebraço. Agora os Gamemakers sempre serão capazes
de traçar meu lugar na arena. Não iriam querer perder um tributo.
Tão logo o
localizador está no lugar, a escada me liberta. A mulher desaparece e Cinna é
retomado do telhado. Um garoto Avox vem e nos direciona ao quarto onde será o
café da manhã. Apesar da tensão no meu estômago, eu como o máximo que posso,
embora nenhuma das comidas deliciosas faça alguma impressão em mim. Estou tão
nervosa que poderia estar comendo poeira de carvão. A única coisa que me
distrai de tudo é a visão das janelas enquanto nós navegamos pela cidade e
então para a imensidão além dela. Isso é o que os pássaros vêem. Apenas eles
são livres e salvos. O oposto de mim.
A corrida continua
por meia-hora antes de janela ficar escura, sugerindo que nós estamos nos
aproximando da arena. O aerobarco aterrissa e Cinna e eu voltamos para a
escada, só que dessa vez ela segue para baixo dentro de um tubo subterrâneo,
dentro das catacumbas que ficam sob a arena. Nós seguimos instruções para o meu
destino, uma sala para minha preparação. No Capital, eles a chamam de Sala de
Abertura. Nos distritos, é referida como Curral. O lugar para onde os animais
vão antes do abate.
Tudo é novo em
folha, serei o primeiro e único Tributo a usar essa Sala de Abertura. As arenas
são sítios históricos, preservados depois dos Games. Destinos populares para os
moradores de Capital visitarem, nas férias. Ir por um mês, re-assistir os
Games, passear pelas catacumbas, visitar os sítios onde as mortes ocorreram.
Você pode mesmo tomar parte no restabelecimento. Dizem que a comida é
excelente.
Eu luto para
manter meu café da manhã no estômago enquanto tomo banho e limpo os meus
dentes. Cinna faz em meu cabelo a simples trança que é minha marca registrada.
Então as
roupas chegam, a mesma para cada tributo. Cinna não tinha
falado nada sobre meus trajes, nem sequer sabe o que estará no pacote, mas ele
me ajuda a vestir minha roupa de baixo, calça marron-amarelada simples, blusa
verde claro, cinto marrom vigoroso, e um fino casaco de capuz preto que cai nas
minhas coxas. “O material dessa jaqueta é desenhado para refletir o calor do
corpo. Espere algumas noites frias,” ele diz.
As botas, usadas
sobre meias muito justas, são melhores do que eu podia ter esperado. Couro
macio diferente do de casa. Essas aqui têm uma sola de borracha estreita e
flexível. Bons para corrida.
Penso que eu
terminei quando Cinna puxa o broche de mockingjay de ouro do seu bolso. Tinha
me esquecido completamente dele.
“Onde você
conseguiu isso?” pergunto.
“Na roupa verde
que você usou no trem,” diz. Lembro agora de tirar do vestido da minha mãe,
prendendo-o na camisa. “É sua lembrança do distrito, certo?” Aceno e ele o
prega na minha camisa. “Ele quase abriu o conselho de revisão. Alguns pensaram
que o pino podia ser usado como uma arma, o que lhe dá uma vantagem injusta.
Mas, finalmente, deixaram-no,” diz Cinna. “Eles eliminaram o anel daquela
garota do Distrito Um, entretanto. Se você torcer a jóia, um prego pula para
fora. Envenenado. Ela disse que não tinha conhecimento do anel transformado e
não tinham como provar que ela soubesse. Mas ela perdeu sua lembrança. Aqui,
você está pronta. Dê um giro. Tenha certeza que tudo está confortável.”
Eu ando, corro em
um círculo, balanço meus braços. “Sim, está ótimo. Perfeito.”
“Então não há nada
a fazer a não ser esperar pela chamada,” diz Cinna. “A não ser que você ache
que pode comer mais?”
Eu recuso a
comida, mas aceito um copo de água que tomo aos golinhos enquanto esperamos no
sofá. Eu não quero roer minhas unhas ou morder meus lábios, então eu me
encontro mordendo a parte de dentro da minha bochecha. Ela ainda não está
totalmente curada de alguns dias atrás. Logo o gosto de sangue enche a minha
boca.
Nervosismo ecoa em
terror enquanto eu antecipo o que está por vir. Eu podia estar morta, morta sem
rodeios, em uma hora. Menos até. Meus dedos obsessivamente rastream a
protuberância um pouco dura no meu antebraço, onde a mulher tinha injetado o
dispositivo de rastreamento. Eu pressiono, embora doa, eu pressiono tão forte
que um pequeno inchaço começa a se formar.
“Você quer
conversar, Katniss?” Cinna pergunta.
Balanço a minha
cabeça, mas depois de um momento estendo minha mão a ele. Cinna segura com as
duas mãos. E é assim como nós sentamos até uma agradável voz feminina anunciar
que é a hora da abertura.
Ainda apertando
uma das mãos de Cinna, eu ando mais e fico em cima de uma placa circular de
metal. “Lembre-se do que Haymitch falou. Corra, encontre água. O resto virá
depois,” diz.
Eu aceno. “E lembre-se disso. Eu não estou autorizado a
apostar, mas se eu pudesse, meu dinheiro estaria em você.”
“Verdade?”
sussurro.
“Verdade,” diz
Cinna. Ele se inclina e me beija na testa. “Boa sorte, garota em chamas.” E
então um cilindro de vidro está descendo ao meu redor, quebrando nosso aperto
de mão, cortando-o de mim. Ele coloca seus dedos sob seu queixo. Cabeça
erguida.
Eu levanto meu
queixo e fico tão reta quanto posso. O cilindro começa a levantar. Por talvez
quinze segundos, eu estou na escuridão e então eu posso sentir a placa metálica
me empurrando para fora do cilindro, para o ar aberto. Por um momento, meus
olhos estão ofuscados pela brilhante luz do sol e eu estou consciente apenas do
vento forte com o cheiro esperançoso de pinheiros.
Então escuto o
lendário locutor, Claudius Templesmith, enquanto sua voz ruge ao meu redor.
“Damas e
cavalheiros, deixem o septuagésimo quarto Hunger Games começarem!”
11
Sessenta segundos.
É esse o tempo que devemos permanecer nos nossos círculos de metal antes do som
de um gongo nos liberar. Pise para fora antes de dar um minuto, e minas
terrestres arrancarão suas pernas. Sessenta segundos para absorver o círculo de
tributos, todos eqüidistantes de Cornucópia, uma gigante trombeta de corno
dourada na forma de um cone com uma ponta curva, a boca de qual tem pelo menos
seis metros e dez centímetros de altura, derramando as coisas que nos darão
vida aqui na arena. Comida, recipientes de água, armas, remédios, vestimentas,
iniciadores de fogo. Espalhados pela Cornucópia estão outros suprimentos, seu
valor diminuindo quanto mais distante estejam da trombeta. Por exemplo, a
apenas três passos dos meus pés está um plástico de noventa centímetros
quadrados. Certamente seria de alguma utilidade em um aguaceiro. Mas ali na
boca, eu consigo ver uma barraca de acampar que protegeria de quase qualquer
tipo de tempo. Se eu tivesse coragem de ir brigar por ela contra os outros
vinte e três tributos. O que eu fui instruída a não fazer.
Nós estamos em um
pedaço aberto de chão terreno. Uma planície de terra de chão. Atrás dos
tributos na minha frente, eu não consigo ver nada, indicando ou uma ladeira
excessiva ou até mesmo um precipício. À minha direita tem um lago. À minha
esquerda e às minhas costas, um mastro de floresta de pinheiro. É aqui que
Haymitch iria querer que eu fosse. Imediatamente.
Eu ouço as instruções dele na minha cabeça. “Só para deixar
claro, ponha o máximo de distância possível entre vocês e os outros, e
encontrem uma fonte de água.”
Mas é tentador,
tão tentador, quando eu vejo os prêmios esperando lá perante mim. E eu sei que
se eu não pegá-los, alguma outra pessoa pegará. Que os Tributos Profissionais
que sobrevivem ao banho de sangue dividirão a maioria dessa pilhagem vital.
Algo captura a minha atenção. Lá, descansando em um amontoado de cobertores,
está um estojo prateado de flechas e um arco, já pendurado, só esperando ser
engajado. Esse é meu, eu penso. É para mim.
Eu sou rápida. Eu
consigo correr a toda velocidade mais rápido do que qualquer uma das garotas na
nossa escola, apesar de algumas conseguirem me vencer em corridas de distância.
Mas esse comprimento de trinta e seis metros, é para isso que fui feita. Eu sei
que posso pegá-los, eu sei que consigo alcançá-los primeiro, mas então a
pergunta é quão rápido eu consigo sair dali? Depois que eu tiver afastado os
pacotes e pegado as armas, outros terão chegado na trombeta, e um ou dois eu
talvez seja capaz de alvejar, mais digamos que há uma dúzia, a queima-roupa,
eles poderiam me abater com as lanças e clavas. Ou seus próprios punhos
poderosos.
Ainda assim, eu
não serei o único alvo. Aposto que muitos dos outros tributos rejeitariam uma
garota menor, mesmo uma que tirou onze em seu treinamento, para abater seus
adversários mais ferozes.
Haymitch nunca me
viu correr. Talvez se ele tivesse visto, ele teria me dito para ir adiante.
Pegar a arma. Já que é essa a arma que pode ser a minha salvação. E eu só vejo
um arco na pilha inteira. Eu sei que o minuto deve estar quase acabando e terei
que decidir qual a minha estratégia será e eu me encontrando posicionando meu
pé para correr, não para longe para a prisão da floresta cercante, mas na
direção da pilha, na direção do arco.
Haymitch nunca me
viu correr. Talvez se ele tivesse visto, ele teria me dito para ir adiante.
Pegar a arma. Já que é essa a arma que pode ser a minha salvação. E eu só vejo
um arco na pilha inteira. Eu sei que o minuto deve estar quase acabando e terei
que decidir qual a minha estratégia será e eu me encontrando posicionando meu
pé para correr, não para longe para a prisão da floresta cercante, mas na
direção da pilha, na direção do arco. Quando de repente eu noto Peeta, ele está
a cerca de cinco tributos à minha direita, uma distância bem boa, ainda assim,
consigo afirmar que ele está olhando para mim e eu acho que ele pode estar
balançando sua cabeça. Mas o sol está nos meus olhos, e enquanto eu estou
quebrando minha cabeça sobre isso, o gongo soa.
E eu perdi! Eu
perdi minha chance! Porque esses poucos segundos extras que eu perdi por não
estar pronta são o bastante para mudar de ideia sobre ir. Meus pés se
arrastaram por um momento, confusos com a direção que o meu cérebro queria
tomar e então eu me arremessei para frente, removi a placa de plástico e um pão
de forma. As escolhas são tão pequenas e eu estou tão brava com Peeta por me
distrair que eu corri a toda velocidade por dezoito metros para pegar uma
mochila laranja brilhante que poderia carregar qualquer coisa, porque eu não
consigo suportar partir com literalmente nada.
Um garoto, eu acho que do Distrito 9, pega a mochila ao
mesmo tempo que eu e por um breve instante nós lutamos por ela e então ele
tosse, respingando sangue no meu rosto. Eu recuo, enojada pelo respingo quente
e grudento. Então o garoto desliza para o chão. É quando eu vejo a faca nas
suas costas. Outros tributos já alcançaram a Cornucópia e estão se espalhando
para atacar. Sim, a garota do Distrito 2, há nove metros, correndo na minha
direção, uma mão apertando meia dúzia de facas. Eu a vi jogá-las no
treinamento. Ela nunca erra. E eu sou seu próximo alvo.
Todo o medo geral
que eu estive sentindo se condensa em um medo imediato dessa garota, dessa
predadora que pode me matar em segundos. Adrenalina é atirada através de mim e
eu atiro a mochila por sobre um ombro e corro a toda velocidade para a
floresta. Eu consigo ouvir a lâmina assobiando na minha direção e eu levanto a
mochila reflexivamente para proteger a minha cabeça. A lâmina se aloja na
mochila. Com ambas as alças nos meus ombros agora, eu corro para as árvores. De
algum modo eu sei que a garota não me perseguirá. Que ela será atraída de volta
para a Cornucópia antes que todas as coisas boas acabem. Um sorriso irônico
cruza o meu rosto. Obrigada pela faca, eu penso.
Na beira da
floresta eu me viro por um instante para analisar o campo. Em torno de mais ou
menos uma dúzia de tributos estão despedaçando na trombeta. Diversos já estão
caídos mortos no chão. Aqueles que fugiram estão desaparecendo nas árvores ou
no vazio oposto a mim. Eu continuo correndo até que a floresta tenha me
escondido dos outros tributos, então diminuo para uma corrida leve uniforme que
acho que consigo manter por algum tempo. Pelas próximas horas, eu alterno entre
correr de leve e andar, colocando o máximo de distância quanto consigo entre eu
e meus competidores. Eu perdi meu pão durante a luta com o garoto do Distrito
9, mas consegui enfiar meu plástico na minha manga então enquanto eu ando eu
dobro-o organizadamente e enfio-o em um bolso. Eu também solto a faca – é fina
com uma lâmina longa e afiada, serrada próxima ao cabo, o que será útil para
serrar coisas – e deslizo-a no meu cinto. Eu não ouso parar para examinar o
conteúdo da mochila ainda. Eu simplesmente continuo, pausando apenas para
checar perseguidores.
Eu posso continuar
por um longo tempo. Eu sei disso pelos dias na floresta. Mas eu precisarei de
água. Essa foi a segunda instrução do Haymitch, e já que eu meio que estraguei
o primeiro, eu fico de olho por qualquer sinal dela. Sem sorte.
A floresta começa
a desenvolver-se, e os pinheiros estão mesclados com uma variedade de árvores,
algumas eu reconheço, algumas são completamente estrangeiras para mim. Uma
hora, eu ouço um barulho e puxo minha faca, pensando que talvez eu tenha que me
defender, mas eu só assustei um coelho. “Bom te ver,” eu sussurro. Se há um
coelho, pode haver centenas simplesmente esperando para serem capturados.
O chão se inclina.
Eu não gosto disso particularmente. Vales me fazem sentir aprisionada. Eu quero
ficar no alto, como nas colinas ao redor do Distrito 12, onde consigo ver meus
inimigos se aproximando. Mas eu não tenho escolha a não ser continuar indo.
Estranho, mas não
me sinto muito mal. Os dias me empanturrando se provaram válidos. Eu tenho
capacidade de resistência mesmo tendo dormido pouco. Estar na floresta é
rejuvenante. Estou feliz pela solidão, apesar de ser uma ilusão, porque eu
provavelmente estou na tela
agora. Não consistentemente, mas em intervalos. Há tantas
mortes para se mostrar no primeiro dia que um tributo viajando pela floresta
não é muito que se ver. Mas eles mostrarão o bastante de mim para informar às
pessoas que eu estou viva, intacta e me movendo. Um dos dias mais pesados de
aposta é a abertura, quando as casualidades iniciais aparecem. Mas isso não se
compara ao que acontece quando o campo se espreme em um punhado de jogadores.
É final da tarde
quando eu começo a escutar os canhões. Cada tiro representa um tributo morto. A
luta deve ter finalmente acabado na Cornucópia. Eles nunca coletam os corpos do
banho de sangue até que os assassinos tenham se dispersado. No dia da abertura,
eles nem ao menos disparam os canhões até a luta inicial acabar, porque é
difícil demais ter uma noção das fatalidades. Eu me permito pausar, ofegando,
enquanto conto os tiros. Um... dois… três… continuamente até que se chegue a
onze. Onze mortos no total. Treze restantes para jogar. Minhas unhas arranham o
sangue seco do garoto do Distrito 9 que tossiu no meu rosto. Ele se foi,
certamente. Eu me pergunto sobre Peeta. Ele durou o dia? Eu saberei em algumas
horas. Quando eles projetarem as imagens dos mortos no céu para o resto de nós
vermos.
Repentinamente, eu
sou sobrecarregada pelo pensamento que Peeta possa já estar perdido, drenado de
sangue, coletado, e em processo de ser transportado de volta para Capital para
ser limpo, vestido novamente, e mandado em uma caixa de madeira simples de
volta para o Distrito 12. Não mais aqui. Se dirigindo para casa. Eu tentei
arduamente me lembrar se eu o tinha visto uma vez que a ação começara. Mas a
última imagem que consigo invocar é o Peeta balançando sua cabeça enquanto o
gongo soa.
Talvez seja
melhor, se ele já tiver partido. Ele não tinha confiança alguma de que poderia
vencer. E eu não acabarei com a tarefa desagradável de matá-lo. Talvez seja
melhor se ele tiver saído dessa de vez.
Eu desmorono
próxima a minha mochila, exausta. Eu preciso vasculhar o que tem nela de
qualquer jeito antes que a noite caia. Ver o que eu tenho para trabalhar.
Enquanto eu desengancho as alças, eu consigo sentir que tem uma estrutura
forte, apesar de ser de uma cor infeliz. Esse laranja praticamente brilhará no
escuro. Eu faço uma nota mental para camuflá-la cedo amanhã.
Eu abro
rapidamente a aba. O que eu mais quero, bem nesse momento, é água. A diretriz
do Haymitch para achar água imediatamente não era arbitrária. Eu não durarei
muito sem ela. Por alguns dias, eu serei capaz de funcionar com os sintomas
desagradáveis da desidratação, mas após isso eu deteriorarei para um desamparo
e estarei morta em uma semana, no máximo. Eu cuidadosamente coloco a vista os
estoques. Um fino saco de dormir preto que reflete o calor corporal. Um pacote
de bolachas. Um pacote de tiras de carne seca. Uma garrafa de iodo. Uma caixa
de fósforos de madeira. Um rolo pequeno de arame. Um par de óculos de sol. E
uma garrafa de plástico de dois litros com uma tampa para levar água que está
totalmente seca.
Nada de água.
Seria tão difícil assim para eles encherem a garrafa? Eu me torno consciente da
secura na minha garganta e boca, das rachaduras nos meus lábios. Eu estivera me
movendo o dia todo. Estava quente e eu tinha suado muito. Eu faço isso em casa,
mas sempre houve riachos para se beber, ou neve para derreter se chegasse a
esse ponto.
Enquanto eu tornava a encher minha mochila eu tive um
péssimo pensamento. O lago. Aquele que eu vi enquanto estava esperando pelo
gongo soar. E se aquela fosse a única fonte de água na arena? Desse jeito eles
garantiriam nos atrair para uma briga. O lago é uma jornada de dia todo de onde
eu me sento agora, uma jornada muito mais árdua com nada para beber. E então,
mesmo que o alcance, com certeza deverá estar pesadamente segura por alguns dos
Tributos Profissionais. Eu estou prestes a entrar em pânico quando me lembro do
coelho que eu assustei hoje mais cedo. Ele tem que beber, também. Eu só tenho
que achar onde.
O crepúsculo está
chegando e eu estou facilmente enferma. As árvores são finas demais para
oferecer muito esconderijo. A camada de folhas de pinheiro que abafa os meus
passos tanto dificulta localizar animais quando eu preciso das trilhas deles
para achar água. E eu ainda estou me dirigindo colina abaixo, cada vez mais
profundamente para um vale que parece interminável.
Estou com fome,
também, mas eu ainda não ouso assaltar meu estoque precioso de bolachas e
carne. Ao invés, eu uso a minha faca e vou trabalhar em um pinheiro, cortando a
casca de árvore e raspando um grande punhado de cortiça macia. Eu lentamente
mastigo o negócio enquanto ando. Após uma semana da comida mais chique do
mundo, é um pouco difícil engolir. Mas eu já comi muitos pinheiros na minha
vida. Eu me ajustarei rapidamente.
Mais uma hora, e
fica claro que eu tenho que achar um lugar para acampar. Criaturas da noite
estão saindo. Eu consigo ouvir o pio de uma coruja ou o uivo ocasional, minha
primeira pista de que estarei competindo com predadores pelos coelhos. Se eu
serei vista como uma fonte de alimento, é cedo demais para afirmar. Pode haver
qualquer quantidade de animais me perseguindo nesse momento.
Mas nesse
instante, eu decido tornar meus tributos companheiros uma prioridade. Tenho
certeza de que muitos continuarão caçando pela noite. Aqueles que venceram na
Cornucópia terão comida, uma abundância de água do lago, tochas ou lanternas, e
armas que estão se coçando para usar. Eu só posso esperar que eu tenha viajado
longe e rápido o bastante para estar fora de alcance.
Antes de me
assentar, eu pego meu arame e armo duas armadilhas de movimento nos galhos
cortados. Eu sei que é arriscado armar emboscadas, mas a comida acabará logo
aqui. E eu não posso armar armadilhas quando estiver fugindo. Ainda assim, eu
ando mais cinco minutos antes de acampar.
Eu escolho a minha
árvore cuidadosamente. Um salgueiro, não terrivelmente alto, mas alojado em um
grupo de outros salgueiros, oferecendo esconderijo nesses galhos longos e
fluidos. Eu subo, ficando com os galhos mais fortes perto do tronco, e acho uma
forquilha vigorosa como minha cama. Leva algum tempo, mas eu arranjo o saco de
dormir de uma maneira relativamente confortável. Eu coloco minha mochila no
fundo do saco, então me deslizo para dentro. Como precaução, eu removo meu
cinto, enrolo-o todo ao redor do galho e do meu saco de dormir, e o recoloco na
minha cintura. Agora se eu rolar no meu sono, eu não irei cair no chão. Eu sou
pequena o bastante para enfiar o topo do saco por sobre a minha cabeça, mas eu
coloco meu capuz também. A medida em que a noite cai, o ar esfria rapidamente.
Apesar do risco que eu corri em pegar a mochila, eu sei agora que foi a escolha
certa. Esse saco de
dormir, radiando e preservando o meu calor corporal, será
inestimável. Tenho certeza de que há diversos tributos cuja maior preocupação
agora é como se manter quente, enquanto eu na verdade serei capaz de ter
algumas horas de sono. Se eu apenas não estivesse com tanta sede...
A noite acabou de
chegar quando eu ouço o hino que precede o recapitulamento das mortes. Através
dos galhos eu consigo ver o selo de Capital, que parece estar flutuando no céu.
Eu na verdade estou vendo outra tela, uma enorme que é transportada por um de
seus aerobarcos ausentes. O hino dissipa-se e o céu fica escuro por um momento.
Em casa, estaríamos assistindo a cobertura total de cada uma das mortes, mas
isso dá uma vantagem injusta para os tributos vivos. Por exemplo, se eu coloco
minhas mãos num arco e acerto alguém, meu segredo seria revelado a todos. Não,
aqui na arena, tudo que vemos são as mesmas fotografias que mostraram quando
televisionaram nossas notas do treinamento. Fotos de rosto simples.
Mas agora, invés
de notas, eles postam apenas números de distritos. Eu tomo um longo fôlego à
medida que os rostos dos onze tributos mortos começam e marca-os um por um nos
meus dedos.
A primeira a
aparecer é a garota do Distrito 3. Isso quer dizer que todos os Tributos
Profissionais do 1 e do 2 sobreviveram. Nenhuma surpresa aqui. Então o garoto
do 4. Eu não esperava essa, geralmente todos os Profissionais sobrevivem ao
primeiro dia. O garoto do Distrito 5... eu acho que a garota de rosto de raposa
o matou. Ambos os tributos do 6 e do 7. O garoto do 8. Ambos do 9. Sim, ali
está o garoto por quem eu briguei pela mochila. Eu conto nos meus dedos, só
mais um tributo morto faltando. É o Peeta? Não, lá está a garota do Distrito
10. É isso. O selo de Capital está de volta com um floreio musical final. Então
a escuridão e os sons da floresta retornaram.
Estou aliviada por
Peeta estar vivo. Eu digo a mim mesma novamente que se eu for morta, a vitória
dele beneficiará mais a minha mãe e a Prim. É isso o que eu digo a mim mesma
para explicar as emoções conflitantes que surgem quando eu penso no Peeta. A
gratitude por ele ter me dado uma vantagem ao professar seu amor por mim na
entrevista. A raiva por sua superioridade no telhado. O temor que possamos
ficar cara a cara a qualquer momento nessa arena.
Onze mortos, mas
nenhum do Distrito 12. Eu tento perceber quem sobrou. Cinco Tributos
Profissionais. A cara de raposa. Thresh e Rue. Rue... então ela sobreviveu ao
primeiro dia afinal. Eu não posso evitar me sentir feliz. Isso dá dez de nós.
Os outros três eu descobrirei amanhã. Agora que está escuro, e que eu viajei
muito, e eu estou aconchegada altamente nessa árvore, agora eu devo tentar
descansar.
Eu não durmo
realmente há dois dias, e então houve o longo dia de jornada até a arena.
Lentamente, eu permito que meus músculos relaxem. Que meus olhos fechem. A
última coisa que eu penso é que é sorte eu não roncar...
Snap! O som de um
galho quebrando me acorda. Por quanto tempo eu dormi? Quatro horas? Cinco? A
ponta do meu nariz está congelada. Snap! Snap! O que está havendo? Esse não é o
som de um galho sob o pé de alguém, mas a explosão aguda de alguém vindo de uma
árvore.
Snap! Snap! Eu julgo ser há centenas de metros a minha
direita. Lentamente, silenciosamente, eu me viro naquela direção. Por alguns
minutos, não há nada além de escuridão e um pouco de arrastamento de pés. Então
eu vejo uma faísca e um fogo pequeno começa a florescer. Um par de mãos se
aquece nas chamas, mas eu não consigo distinguir mais que isso.
Eu tenho que
morder o meu lábio para não gritar cada nome imundo que conheço para o
iniciador do fogo. O que está pensando? Um fogo logo ao anoitecer teria sido
uma coisa. Aqueles que batalharam na Cornucópia, com sua força superior e
excedente de fornecimentos, não seria possível para eles estarem perto o
bastante para avistar chamas então. Mas agora, quando eles provavelmente
estiveram passando um pente fino na floresta por horas procurando as vítimas.
Tanto faz se você também estivesse acenando uma bandeira e gritando, “Venha e
me pegue!”
E aqui estou eu, a
uma distância curta do maior idiota dos Games. Presa em uma árvore. Não ousando
fugir, já que minha localização em geral acabou de ser anunciada para qualquer
assassino que se importa. Quero dizer, eu sei que está frio aí e nem todo mundo
tem um saco de dormir. Mas então você cerra seus dentes e agüenta até o
amanhecer!
Eu me deito
ardendo no meu saco pelas próximas horas, na verdade pensando que se eu
conseguir sair dessa árvore, eu não terei o menor problema em dizimar meu
vizinho próximo. Meu instinto tem sido de fugir, não lutar. Mas obviamente essa
pessoa é um perigo. Pessoas estúpidas são perigosas. E essa provavelmente não
tem muita arma, enquanto eu tenho essa faca excelente.
Eu me deito
ardendo no meu saco pelas próximas horas, na verdade pensando que se eu
conseguir sair dessa árvore, eu não terei o menor problema em dizimar meu
vizinho próximo. Meu instinto tem sido de fugir, não lutar. Mas obviamente essa
pessoa é um perigo. Pessoas estúpidas são perigosas. E essa provavelmente não
tem muita arma, enquanto eu tenho essa faca excelente.
O céu ainda está
escuro, mas eu consigo sentir os primeiros sinais do amanhecer se aproximando.
Estou começando a achar que nós – quero dizer, a pessoa cuja morte eu estou
agora planejando e eu – nós podemos realmente ter passado despercebidos. Então
eu ouço. Diversos pares de pés correndo. O iniciador do fogo deve ter
cochilado. Eles estão em cima dela antes que ela possa escapar. Eu sei que é
uma garota agora, eu consigo afirmar pela súplica, pelo grito agonizante que se
segue. Então há uma risada e parabenizações de diversas vozes. Alguém grita,
“Doze já foram e faltam onze!” o que consegue uma rodada de assovios de
apreciação.
Então eles estão
lutando em bando. Não estou realmente surpresa. Regularmente alianças são
formadas nos estágios primários dos Games. Os fortes se juntam para caçar os
fracos, então, quando a tensão começa a se tornar grande demais, começam a se
virar uns contra os outros. Eu não tenho que pensar muito em quem formou essa
aliança. Serão os Tributos Profissionais restantes dos Distritos 1, 2 e 4. Dois
garotos e três garotas. Aqueles que almoçavam juntos.
Por um momento, eu
ouço-os checando os suprimentos da garota. Eu posso afirmar por seus
comentários que eles não acharam nada de bom. Eu me pergunto se a vítima é a
Rue, mas
rapidamente descarto esse pensamento. Ela é brilhante demais
para estar preparando uma fogueira como essa.
“É melhor nos
afastarmos para que eles possam pegar o corpo antes que ele comece a feder.”
Estou quase certa que esse é o garoto bruto do Distrito 2. Há murmúrios de
assentimento e então, para meu horror, eu escuto o bando se dirigindo na minha
direção. Eles não sabem que eu estou aqui. Como poderiam? E eu estou bem
escondida no grupo de árvores. Pelo menos enquanto o sol permanece abaixado.
Então meu saco de dormir preto se transformará de camuflagem em encrenca. Se
eles simplesmente continuarem se movendo, eles passarão por mim e terão ido
embora em um minuto.
Mas os
Profissionais param na clareira a cerca de nove metros da minha árvore. Eles
têm lanternas, tochas. Eu consigo ver um braço aqui, uma bota ali, através dos
intervalos nos galhos. Eu viro pedra, nem mesmo ousando respirar. Eles me
avistaram? Não, ainda não. Eu consigo afirmar pelas palavras deles que suas
mentes estão em outro lugar.
“Não deveríamos
ter ouvido um canhão já?”
“Eu diria que sim.
Nada para impedir que eles entrem imediatamente.”
“A não ser que ela
não esteja morta.”
“Ela está morta.
Eu mesmo a imobilizei.”
“Então onde está o
canhão?”
“Alguém deveria
voltar. Se certificar que o trabalho foi feito.”
“É, não queremos
ter que localizá-la duas vezes.”
“Eu disse que ela
está morta!”
Uma discussão
ocorre até que um tributo silencia os outros. “Estamos perdendo tempo! Eu vou
terminar com ela e vamos nos mover.”
Eu quase caio da
árvore. A voz pertence ao Peeta.
12
Graças a Deus, eu
tive a perspicácia de me cingir. Eu rolei para o lado de fora da bifurcação e
encarei o chão, segura no lugar pelo cinto, por um lado, e meus pés escarranchados
na mochila dentro do meu saco de dormir, apoiados contra o tronco. Deve ter
havido algum farfalho quando eu me inclinei de lado, mas os Profissionais
estavam muito concentrados em sua discussão para perceber.
“Vá em frente,
então, Lover Boy,” diz o garoto do Distrito 2. “Veja por si mesmo.”
Eu só tenho um
vislumbre de Peeta, iluminado pela tocha, voltando para a garota pelo fogo. Seu
rosto está inchado dos machucados, há uma bandagem manchada de sangue em um
braço, e pelo som de seu andar, está mancando. Lembro dele balançando sua
cabeça, me dizendo para não entrar na briga pelos suprimentos, quando o tempo
todo, o tempo todo ele planejava se atirar no centro das coisas. Justo o oposto
do que Haymitch tinha dito para ele fazer.
Ok, eu posso engolir
isso. Ver todos aqueles suprimentos foi tentador. Mas isso... isso é outra
coisa. Essa parceria com a matilha de lobos Profissionais para caçar o resto de
nós. Ninguém do Distrito 12 pensaria em fazer uma coisa dessas! Tributos
Profissionais são excessivamente cruéis, arrogantes, melhor alimentados, mas só
porque são os cãezinhos do Capital.
De modo universal,
um sólido ódio de todos menos aqueles de seus próprios distritos. Posso
imaginar as coisas que eles estão dizendo sobre ele em casa agora. E Peeta teve
a ousadia de conversar comigo sobre desonra?
Obviamente, o
garoto nobre do telhado estava jogando apenas mais um jogo comigo. Mas esse
será seu último. Eu assistirei avidamente o céu de noite por sinais de sua
morte, se eu mesma não matá-lo primeiro.
Os Tributos
Profissionais estão silenciosos até que ele sai do campo auditivo, então usam
vozes baixas.
“Por que nós
apenas não o matamos logo agora e acabamos com isso?”
“Deixe-o por
enquanto. Qual é o dano? E ele é útil com aquela faca.”
Ele é? Isso é
novidade. Que monte de coisas interessantes eu estou aprendendo sobre meu amigo
Peeta hoje.
“Além disso, ele é
nossa melhor chance de encontrá-la.”
Eu levo um momento
para registrar que eles estão se referindo a mim.
“Por quê? Você
acha que ela está mesmo naquela coisa romântica e sentimental?”
“Ela deve. Parece
muito simplória para mim. Toda vez que eu penso nela dando voltas naquele
vestido, tenho vontade de vomitar.”
“Gostaria de saber
como ela conseguiu aquele onze.”
“Aposto que o
Lover Boy sabe.”
O som de Peeta retornando os silencia.
“Ela estava
morta?” Pergunta o garoto do Distrito 2.
“Não. Mas ela está
agora,” diz Peeta. Justo então, o canhão dispara. “Prontos para ir adiante?”
O grupo dos
Profissionais começa a correr justo enquanto a alvorada começa irromper, e as
músicas dos pássaros preenchem o ar. Eu permaneço na minha posição estranha, os
músculos tremendos com o esforço por um longo tempo, então me suspendo de volta
ao meu galho. Eu preciso descer, continuar, mas por um momento eu fico deitada
ali, digerindo o que acabei de escutar. Não só Peeta está com os Profissionais,
ele está os ajudando a me encontrar. A garota simplória que tem que ser levada
a sério por causa de seu onze. Porque ela pode usar seu arco e flecha. O que Peeta
sabe melhor que qualquer um.
Mas ele não disse
pra eles ainda. Ele está guardando essa informação porque sabe que é tudo que o
mantém com vida? Ele ainda está fingindo me amar para a audiência? O que está
se passando pela cabeça dele?
De repente, os
pássaros ficam silenciosos. Então um pássaro dá uma chamada de alerta. Uma
simples nota. Como aquela que Gale e eu escutamos quando a Avox de cabelos
vermelhos foi pega. Alto, acima da fogueira morrendo, um aerobarco se
materializa. Um enorme conjunto de dentes de metal cai. Devagar, gentilmente, a
tributo morta é levada para dentro do aerobarco. Então ele some. Os pássaros
retomam o canto.
“Mexa-se,”
sussurro para mim mesma. Esquivo-me do saco de dormir, e o coloco na mochila.
Respiro fundo. Enquanto estava oculta na escuridão e no saco de dormir e ramos
de salgueiro, é provável que tenha sido difícil para as câmeras conseguirem um
bom close de mim. Sei que eles devem estar me rastreando agora mesmo. No minuto
que eu bato no chão, tenho garantido meu close-up.
A audiência estará
fora de si, sabendo que eu estava na árvore, que eu escutei a conversa dos
Profissionais, que eu descobri que Peeta estava com eles. Até que eu planeje
exatamente como eu vou jogar, é melhor, ao menos, passar por cima das coisas. Não
perplexa. Certamente não confusa ou assustada.
Não, eu preciso
ver um passo à frente no jogo.
Então enquanto
deslizo para fora das folhagens e dentro da luz do amanhecer, paro por um
segundo, dando às câmeras tempo para focarem em mim. Então inclino minha cabeça
levemente para o lado e dou um sorriso. Vejam! Deixem-no imaginarem o que isso
significa!
Eu estou para
abandonar o lugar quando penso nas cobras. Talvez seja imprudente checá-las com
os outros tão perto. Mas eu tenho. Muitos anos de caçada, eu acho. E a isca de
uma possível comida. Sou recompensada com um ótimo coelho. Num piscar de olhos,
eu limpei e retirei as tripas do animal, deixando a cabeça, os pés, rabo, pele,
e vísceras sob uma pilha de folhas. Gostaria de ter fogo – comer coelho cru
pode te dar febre, uma lição que aprendi da pior forma – quando penso no
tributo morto. Eu corro de volta ao seu campo. Certo o
bastante, o carvão do fogo de sua morte ainda está quente.
Eu corto o coelho, colo num galho em forma de espelho, e coloco-o sobre as
brasas.
Estou satisfeita
com as câmeras agora. Quero que os patrocinadores vejam que eu posso caçar, que
eu sou uma boa aposta porque não cairei em armadilhas tão facilmente quanto os
outros irão pela fome. Enquanto o coelho assa, eu môo parte dos ramos
carbonizados e passo-o sobre minha mochila laranja. O tom a escurece, mas eu
sinto que uma camada de lama iria ajudar definitivamente. É claro, para ter
lama, precisaria de água...
Eu puxo meus
utensílios, seguro minha saliva, chuto alguma sujeira sobre as brasas, e tomo a
direção oposta da que os Profissionais foram. Como metade do coelho enquanto eu
vou, então embrulho as sobras em um plástico para mais tarde. A carne pára o
rugido no meu estômago, mas faz pouco para sossegar minha sede. Água é minha
maior prioridade agora.
Enquanto eu
marcho, tenho certeza que ainda estou prendendo as telas em Capital, então
tenho o cuidado de continuar a esconder minhas emoções. Mas que diversão
Claudius Templesmith deve estar tendo com seus comentaristas convidados,
dissecando o comportamento de Peeta, minha reação. O que fazer de tudo? Peeta
tem revelado suas verdadeiras cores? O que isso afeta nas chances de aposta?
Nós perderemos patrocínios? Nós ao menos temos patrocínio? Sim, tenho certeza
que temos, ou pelo menos tínhamos.
Certamente Peeta
acabou nossa dinâmica de namorados celebridades. Ou não? Talvez, uma vez que
ele não fale muito sobre mim, nós ainda possamos conseguir algo disso. Talvez
as pessoas pensem que é algo que nós planejamos juntos se eu parecer que estou
divertida agora.
O sol se eleva no
céu e mesmo através da cobertura parece excessivamente iluminado. Cubro os meus
lábios com a gordura do coelho e tento não arquejar, mas é inútil. Só se passou
apenas um dia e eu estou desidratada rápido. Tento pensar em tudo que sei sobre
achar água. Corro morro abaixo, então, de fato, continuar a descer nesse vale
não é uma má idéia. Se eu pudesse apenas localizar uma pista do jogo ou um
ponto particularmente verde na vegetação, podia me ajudar bastante, mas nada
parece mudar. Há apenas um leve declive gradual, os pássaros, a mesmice nas
árvores.
Enquanto o dia
passa, sei que estou com problemas. O pouco que eu pude urinar era castanho
escuro, minha cabeça está doendo, e há uma mancha seca na minha língua que se
recusa a umedecer. O sol machuca meus olhos então eu pego meus óculos escuros,
mas quando eu os coloco, eles fazem algo suspeito com a minha visão, então
apenas os coloco de volta na minha mochila.
É fim de tarde
quando acho que encontrei ajuda. Identifico um grupo de arbustos de bagas e me
apresso em tirar as frutas, sugando o doce suco de suas peles. Mas justo quando
eu estou segurando-os para os meus lábios, realmente olho para eles. O que eu
pensei que era arando tinha o formato levemente diferente, e quando eu abro um,
o interior é vermelho vivo. Eu não reconheço essas bagas, talvez elas sejam
comestíveis, mas eu estou achando que essa é uma vil armadilha da parte dos
Gamemakers. Até o instrutor de plantas no Centro de Treinamento nos disse para
fugir de bagas a menos que você esteja 100 por cento certa de que elas não
sejam tóxicas. Algo que eu já sabia, mas estou com tanta
sede que preciso de tempo para ter a força de jogá-las fora.
Fadiga está
começando a me envolver, mas não o cansaço usual que segue uma longa caminhada.
Tenho que parar e descansar freqüentemente, embora eu saiba que a única cura
para o que me aflige requer procura contínua. Experimento uma nova tática –
subir nas árvores tão alto que ouso no meu instável estado – para procurar
algum sinal de água. Mas tão longe eu consigo ver em qualquer direção, há o
mesmo implacável trecho de floresta.
Determinada a
continuar até o cair da noite, caminho até estar tropeçando sobre meus pés.
Exausta, eu me
lanço em cima de uma árvore e me prendo lá. Não tenho apetite, mas chupo os
ossos do coelho para dar a minha boca algo para fazer. A noite cai, o hino
toca, e no alto do céu vejo a figura de agora, que aparentemente era do
Distrito 8. À qual o Peeta voltou para acabar.
Meu medo do grupo
de Profissionais é mínimo comparado à minha sede ardente. Além disso, eles
estão seguindo para longe de mim e por enquanto eles também terão de descansar.
Com a escassez de água, eles podem ter que retornar para o lago para encher as
garrafas.
Talvez, esse é o
único curso para mim também.
A manhã traz
agonia. Minha cabeça palpita a cada batida do coração. Movimentos simples
mandam punhaladas de dor através das minhas juntas. Eu caio mais do que pulo da
árvore. Toma alguns minutos para eu juntar meus utensílios. Em algum lugar
dentro de mim, sei que isso é errado. Eu deveria estar agindo mais
cuidadosamente, movendo-me com mais urgência. Mas minha mente parece enevoada e
formar um plano é difícil. Inclino-me para trás contra o tronco da árvore, um dedo
delicadamente alisando a superfície de lixa da minha língua, enquanto avalio
minhas opções. Como eu consigo água?
Retornar ao lago.
Nada bom. Eu nunca faria isso.
Esperar por chuva.
Não há nem uma nuvem no céu.
Continuar
procurando. Sim, essa é minha única chance. Mas então, outro pensamento me
bate, e a explosão de raiva que se segue traz meu senso de volta.
Haymitch! Ele
podia me mandar água! Aperte um botão e a envie para mim em um pára-quedas de
prata em minutos. Sei que devo ter patrocinadores, no mínimo um ou dois que
podem bancar meio litro de água para mim. Sim, é caro, mas essas pessoas, elas
são feitas de dinheiro. E eles estarão apostando em mim também. Talvez Haymitch
não perceba o quão profunda é minha necessidade.
Digo numa voz tão
alta quanto ouso. “Água.” Espero, esperançosa, por um pára-quedas descer do
céu. Mas nada está vindo.
Algo está errado.
Eu estava enganada sobre ter patrocinadores? Ou o comportamento de Peeta fez
com que eles todos recuassem? Não, não acredito. Há alguém aí fora que quer me
comprar água, só Haymitch está recusando em deixá-la passar para cá. Como meu
mentor, ele
tem o controle do fluxo de presentes dos patrocinadores. Sei
que ele me odeia. Ele deixou isso bem claro. Mas o bastante para me deixar
morrer? Disso? Não pode fazer isso, pode? Se um mentor maltrata seus tributos,
será responsabilizado pelos telespectadores, pelas pessoas do Distrito 12.
Mesmo Haymitch não se arriscaria, arriscaria? Diga o que quiser sobre meus
companheiros negociantes de Hob, mas não acho que eles dariam boas-vindas a ele
lá se me deixasse morrer dessa forma. E então onde ele iria conseguir a sua
bebida? Então... o quê? Ele está tentando me fazendo sofrer por desafiá-lo? Ele
está direcionando todo o patrocínio para Peeta? Ele está tão bêbado até para
notar o que está acontecendo nesse momento? De alguma forma não acredito nisso
e não acredito que ele está tentando me matar por negligência, também. Ele tem,
na verdade, no seu próprio modo desagradável, genuinamente tentado me preparar
para isso. Então, o que está acontecendo?
Eu enterro meu
rosto em minhas mãos. Não há perigo de lágrimas agora, eu não poderia produzir
nenhuma nem para salvar a minha vida. O que Haymitch está fazendo? Apesar da
minha raiva, ódio, e suspeitas, uma pequena voz detrás da minha cabeça sussurra
uma resposta.
Talvez ele esteja
te mandando uma mensagem, ela diz. Uma mensagem. Dizendo o quê? Então eu sei.
Só há uma boa razão para Haymitch estar segurando a água de mim. Porque ele
sabe que eu quase estou encontrando-a.
Eu cerro meus
dentes e me coloco de pé. Minha mochila parece ter triplicado o peso. Encontro
um galho quebrado que vai servir como uma bengala e começo a caminhada. O sol
está forte, ainda mais abrasador que os primeiros dois dias. Sinto-me como um
velho pedaço de couro, secando e chicoteando no calor. Todo passo é um esforço,
mas me recuso a parar. Eu me recuso a sentar. Se eu sentar, há uma boa chance
de não ser capaz de me levantar de novo, de que eu nem lembre minha tarefa.
Que presa fácil eu
sou! Qualquer tributo, até a pequena Rue, poderia me pegar agora, meramente
pulando sobre mim e me matando com minha própria faca, e eu teria pouca força
para resistir. Mas se alguém está na minha parte da floresta, ignora-me. A
verdade é, eu sinto como se estivesse a milhões de quilômetros de outra alma
viva.
Não sozinha,
porém. Não, eles com certeza têm as câmeras me seguindo agora. Penso nos anos
assistindo tributos morrendo de fome, congelando, sangrando, ou desidratando
até a morte. A menos que haja uma briga muito boa acontecendo em algum lugar,
eu estou sendo a atração.
Meus pensamentos
voltam a Prim. É provável que ela não esteja me assistindo ao vivo, mas eles
mostram as gravações na escola durante o almoço. Por ela, tenho que parecer o
menos desesperada possível.
Mas pela tarde,
sei que o final está chegando. Minhas pernas estão tremendo e meu coração
acelerado. Eu continuo esquecendo exatamente o que estou fazendo. Tropeço
repetidamente e consigo recuperar meus pés, mas quando a vara escorrega por
debaixo de mim, eu finalmente caio no chão incapaz de me levantar. Deixo meus
olhos se fecharem.
Eu me enganei
quanto ao Haymitch. Ele não tem nenhuma intenção de me ajudar.
Está tudo certo, penso. Não é tão ruim aqui. O ar é menos
quente, significando que a noite se aproxima. Há um suave, doce cheiro que me
lembra lírios. Meus dedos batem no chão macio, deslizando facilmente sobre ele.
Esse é um bom lugar para morrer, penso.
Minhas pontas dos
dedos fazem pequenos padrões de giros na terra fria e escorregadia. Eu adoro
lama, penso. Quantas vezes eu segui as caças com a ajuda dessa macia e legível
superfície. Bom para picadas de abelha, também. Lama. Lama. Lama! Meus olhos se
abrem e eu envio meus dedos na terra. É lama! Meu nariz se ergue no ar. E aqueles
são lírios! Aguapés!
Eu rastejo agora,
sobre a lama, arrastando-me em direção ao cheiro. Cinco metros de onde eu caí,
rastejo pela confusão de plantas até a poça. Flutuando na superfície, flores
amarelas no florescer, estão meus belos lírios.
É tudo o que posso
fazer para não mergulhar o meu rosto na água e engolir tudo o que posso. Mas
tenho juízo o bastante para me abster. Com as mãos tremendo, pego minha garrafa
térmica e a encho com água. Acrescento o que eu lembro ser o número certo de
gotas de iodo para purificá-la. A meia hora de espera é uma agonia, mas eu
consigo. Ao menos, penso que é meia hora, mas é certamente o tempo que posso
suportar.
Devagar, calma
agora, digo para mim mesma. Tomo um gole e me obrigo a esperar. Então outro.
Durante o próximo par de horas, eu tomo metade do galão. Então um segundo.
Preparo outro antes de me retirar para uma árvore onde eu continuo bebericando,
comendo coelho, e até mesmo um dos meus preciosos biscoitos. No momento que o
hino toca, sinto-me consideravelmente melhor. Não há rostos essa noite, nenhum
tributo morreu hoje. Amanhã eu ficarei aqui, descansando, camuflando minha
mochila com lama, pegando alguns daqueles pequenos peixes que eu vi enquanto
bebia, desenterrando as raízes do aguapé para fazer uma boa refeição. Eu me
aconchego debaixo do meu saco de dormir, segurando minha garrafa de água como
se fosse minha própria vida, que, é claro, é.
Umas poucas horas
depois, um barulho de pés me balança do meu sono. Eu olho ao redor em confusão.
Ainda não amanheceu, mas meus doloridos olhos podem ver.
Seria difícil
perder a parede de fogo descendo sobre mim.
13
Meu primeiro
impulso é descer da árvore, mas eu estou amarrada. De algum modo, meus dedos
tateando soltam a fivela e eu caio no chão num amontoado, ainda embrulhada em
meu saco de dormir. Não há tempo para qualquer tipo de arrumação. Felizmente,
minha mochila e garrafa de água já estão no saco. Eu empurro a fivela, hasteio
o saco sobre meu ombro, e fujo.
O mundo se
transformou em chamas e fumaça. Galhos queimando explodem das árvores e caem em
chuvas de faíscas aos meus pés. Tudo que posso fazer é seguir os outros, os
coelhos e veados e eu até mesmo avisto uma matilha de cachorros selvagens
disparando pela floresta. Eu confio no sentido de direção deles porque seu
instinto é mais aguçado que o meu. Mas eles são muito mais velozes, voando pelo
matagal tão graciosamente enquanto minhas botas enroscam em raízes e troncos
caídos de árvores, que não há maneira de eu acompanhá-los.
O calor é
horrível, mas pior que o calor é a fumaça, que ameaça me sufocar a qualquer
momento. Eu puxo o colar da minha camiseta sobre meu nariz, grata por
encontrá-la ensopada com suor, e ela me oferece um fino véu de proteção. E eu
corro, sufocando, meu saco batendo contra minhas costas, meu rosto cortado com
os galhos que se materializam sem aviso do nevoeiro cinza, porque eu sei que
devo correr.
Isso não é nenhuma
fogueira de tributo que saiu de controle, nenhuma ocorrência acidental. As
chamas que pressionam sobre mim tem uma altura anormal, uma uniformidade que as
marca como feitas por humanos, feitas por máquinas, feitas por Gamemakers. As
coisas estavam quietas demais hoje. Nenhuma morte, talvez nem mesmo uma luta. A
audiência em Capital estaria se entediando, clamando que esses Games estavam a
beira de serem sonolentos. Isso é uma coisa que os Games não podem ser.
Não é difícil
seguir a motivação dos Gamemakers. Há o bando dos Profissionais e então há o
resto de nós, provavelmente espalhados longe e escassamente pela arena. Esse
fogo foi designado para nos revelar, para nos atrair. Pode não ser o
dispositivo mais original que eu já havia visto, mas é muito, muito eficiente.
Eu pulo por sobre
uma lenha em chamas. Não alto o bastante. A ponta final da minha jaqueta pega
fogo e eu tenho que parar para arrancá-la do meu corpo e extirpar as chamas.
Mas eu não ouso deixar a jaqueta, queimada e ardendo como estava, eu arrisco
enfiá-la no meu saco de dormir, esperando que a falta de ar sufoque o que eu
não extingui. Isso é tudo que eu tenho, o que eu carrego nas costas, e é pouco
para se sobreviver.
Em uma questão de
minutos, minha garganta e nariz estavam queimando. A tosse começou logo depois
e meus pulmões começaram a parecer que realmente estavam sendo cozinhados.
Desconforto transformou-se em agonia até que cada respiração mandava uma dor
abrasadora pelo meu peito. Eu consigo me abrigar debaixo de uma pedra brotando
bem quando o vômito começou, e eu perco minha janta escassa e o pouco de água
que sobrou no meu estômago. Agachando de quatro, eu forço o vômito até que não
tenha sobrado nada para subir.
Eu sei que preciso
continuar me mexendo, mas estou tremendo e tonta agora, arfando por ar. Eu me
permito uma colherada de água para limpar minha boca e cuspir, então tomo
alguns goles da minha garrafa. Você tem um minuto, eu digo a mim mesma. Um
minuto para descansar. Eu tomo tempo para reordenar meus suprimentos, estofar o
saco de dormir, e desordenadamente enfiar tudo na mochila. Meu minuto acabou.
Eu sei que é hora de me mexer, mas a fumaça encobriu meus pensamentos. Os
animais de pernas ligeiras que eram a
minha bússola me deixaram para trás. Eu sei que não estive
nessa parte da floresta antes, não havia pedras de tamanho considerável como
essa na qual estou me abrigando nas minhas viagens anteriores. Para onde os
Gamemakers estão me levando? De volta para o lago? Para um terreno totalmente
novo cheio com novos perigos? Eu tinha acabado de encontrar algumas horas de
paz na poça quando esse ataque começou. Haveria algum jeito de eu viajar
paralelamente ao fogo e conseguir voltar para cá, para enfim uma fonte de água?
A parede de fogo devia ter um fim e não queimaria indefinitivamente. Não porque
os Gamemakers não pudessem mantê-la queimando, mas porque, novamente, isso
chamaria acusações de tédio da audiência. Se eu conseguisse voltar para trás da
linha de fogo, eu conseguiria evitar encontrar os Profissionais. Eu tinha
acabado de decidir tentar e voltar, apesar de precisar de quilômetros de viagem
para longe do inferno e então uma rota muito tortuosa de volta, quando a
primeira bola de fogo explode na pedra a cerca de sessenta centímetros da minha
cabeça. Eu salto de debaixo do meu leito, energizada por medo renovado.
O jogo deu uma
virada. O fogo era só para nos fazer mover, agora a audiência verá uma diversão
de verdade. Quando eu ouço o próximo sibilo, eu me abaixo no chão, não tomando
o tempo para olhar. A bola de fogo atinge uma árvore à minha esquerda,
engolfando-a em chamas. Permanecer parada é morrer. Mal estou de pé quando a
terceira bola atinge o chão onde estava deitada, mandando uma pilastra de fogo
atrás de mim. O tempo perde o significado agora que eu tento freneticamente
desviar dos ataques. Eu não consigo ver de onde estão sendo mandados, mas não é
um aerobarco. Os ângulos não são extremos o bastante. Provavelmente todo esse
segmento da floresta foi armado com lançadores de precisão que estão escondidos
em árvores ou pedras. De algum lugar, em uma sala gelada e imaculada, um
Gamemaker está sentado com um par de controles, os dedos no gatilho que
poderiam acabar com a minha vida em um segundo. Tudo o que precisa é um golpe
direto.
Qualquer plano
vago que eu tinha concebido em relação a retornar para a minha poça é apagado
da minha mente enquanto eu ziguezagueio e salto para evitar bolas de fogo. Cada
uma é somente do tamanho de uma maçã, mas engloba um poder tremendo em contato.
Cada sentido que eu tenho fica em sobrecarga à medida que a necessidade de
sobreviver toma conta. Não há tempo para julgar se um movimento é o correto.
Quando há um sibilo, eu ajo ou morro.
Algo me mantém
movendo para frente, contudo. Toda uma vida de assistir os Hunger Games me
informa que certas áreas da arena são equipadas para certos ataques. E que se
eu conseguir simplesmente sair dessa seção, eu talvez consiga sair do alcance
dos lançadores. Eu talvez também possa então cair diretamente numa sepultura de
víboras, mas não posso me preocupar com isso agora.
Por quanto tempo
eu me arrastei desviando das bolas de fogo, não sei dizer, mas os ataques
finalmente começam a diminuir. O que é bom, porque eu novamente estou tendo
ânsias. Dessa vez é uma substância ácida que escalda a minha garganta e acha
caminho até o meu nariz também. Sou forçada a parar enquanto meu corpo convulsiona,
tentando desesperadamente se livrar dos venenos que estive sugando durante o
ataque. Eu espero pelo próximo sibilo, o próximo sinal para fugir. Não vem. A
força da ânsia espremeu lágrimas dos meus olhos doloridos. Minhas roupas estão
ensopadas em suor. De algum modo, através da
fumaça e do vômito, eu capturo o cheiro de cabelo queimado.
Minhas mãos remexem minha trança e descobrem que uma bola de fogo cauterizou
pelo menos quinze centímetros dela. Mechas de cabelo escuro esfarelam nos meus
dedos. Eu encaro-as, fascinada pela transformação, quando o sibilo é
registrado.
Meus músculos
reagem, só que não rápidos o bastante dessa vez. A bola de fogo atinge o chão
do meu lado, mas não antes de derrapar pela minha panturrilha direita. Vendo a
perna da minha calça pegando fogo me faz pirar. Eu giro e corro para trás de
quatro, esperneando, tentando me retirar do horror. Quando eu finalmente
reganho sentido o bastante, eu rolo a perna para frente e para trás no chão, o
que sufoca a pior parte. Mas então, sem pensar, eu rasgo o tecido restante com
as minhas próprias mãos.
Eu sento no chão,
a alguns metros do calor emanado da bola de fogo. Minha panturrilha está
gritando, minhas mãos cobertas por açoites vermelhos. Estou tremendo demais
para me mover. Se os Gamemakers quiserem me finalizar, agora é a hora.
Eu ouço a voz do
Cinna, carregando imagens de tecidos ricos e pedras preciosas brilhantes.
“Katniss, a garota que estava pegando fogo.” Que risada gostosa os Gamemakers
deviam estar dando dessa. Talvez, as lindas vestimentas de Cinna tenham até
mesmo trazido essa tortura particular para mim. Eu sei que ele não podia ter
previsto isso, deve estar sofrendo por mim, porque, de fato, eu acredito que
ele gosta de mim. Mas no todo, talvez aparecer completamente pelada naquela
carruagem tivesse sido mais seguro para mim.
O ataque agora
tinha acabado. Os Gamemakers não me querem morta. Ainda não, de qualquer
maneira. Todos sabem que eles poderiam destruir todos nós dentro de segundo
após o gongo de abertura. O esporte real do Hunger Games é observar os tributos
matando uns aos outros. De vez em quando, eles matam um tributo só para lembrar
aos jogadores que eles podem. Mas na maioria, eles nos manipulam para
confrontar uns aos outros cara-a-cara. O que quer dizer que, se não estão mais
atirando em mim, tem pelo menos um outro tributo próximo.
Eu me arrastaria
para uma árvore e me acobertaria agora se pudesse, mas a fumaça ainda está
grossa o bastante para me matar. Eu me faço ficar de pé e começo a mancar para
longe da parede de chamas que ilumina o céu. Parece não estar mais me
perseguindo, exceto com suas nuvens pretos fedorentas.
Outra luz, a do
dia, começa a emergir suavemente. Giros de fumaça capturam os raios solares.
Minha visibilidade é pobre. Eu consigo ver talvez treze metros em qualquer
direção. Um tributo podia facilmente estar escondido de mim daqui. Eu devia
puxar minha faca como precaução, mas eu duvido da minha habilidade de segurá-la
por muito tempo. A dor nas minhas mãos não pode de jeito algum competir com a
da minha panturrilha. Eu odeio queimaduras, sempre as odiei, mesmo uma pequena
adquirida quando puxava uma fornada de pão do forno. É o pior tipo de dor para
mim, mas eu nunca experenciei nada como isso.
Eu estou tão
cansada que nem ao menos noto que estou no lago até estar até o tornozelo. É
alimentada por uma nascente, borbulhando de uma fenda em algumas pedras, e
agradavelmente gelada. Eu enfio minhas mãos na água rasa e sinto alívio
instantâneo. Não é
isso que minha mãe sempre diz? O primeiro tratamento para
uma queimadura é água gelada? Que reduz o calor? Mas ela queria dizer
queimaduras menores. Provavelmente ela recomendaria isso para as minhas mãos.
Mas e quanto à minha panturrilha? Apesar de eu não ter tido coragem ainda de
examiná-la, suponho que seja um ferimento de um nível totalmente diferente.
Eu deito de
barriga na beirada do lago por um tempo, balançando minhas mãos na água,
examinando as pequenas chamas em minhas unhas que estavam começando a
descascar. Ótimo. Já tive fogo o bastante por uma vida.
Eu lavo o sangue e
as cinzas do meu rosto. Eu tento relembrar tudo que eu sei sobre queimaduras.
São ferimentos comuns em Seam, onde cozinhamos e aquecemos nossas casas com
carvão. Então há os acidentes nas minas... Uma família uma vez trouxe um jovem
inconsciente implorando para minha mãe ajudá-lo. O médico do distrito que é
responsável por tratar os minerados tinha descartado-o, dito a família para
levá-lo para casa para morrer. Mas eles não aceitavam isso. Ele ficou deitado
na mesa da nossa cozinha, desacordado inteiramente. Eu vislumbrei o ferimento
em sua coxa, carne aberta e carbonizada, queimada até o osso, antes que eu
fugisse de casa. Eu fui para a floresta e cacei o dia todo, assombrada pela
terrível perna, as memórias da morte do meu pai. O que foi engraçado é que,
Prim, que tem medo de sua própria sombra, ficou e ajudou. Minha mãe diz que
curandeiros nascem, e não são feitos. Elas fizeram seu melhor, mas o homem
morreu, justamente como o médico tinha dito.
Minha perna
precisa de atenção, mas eu ainda não consigo olhar para ela. E se for tão ruim
quanto do homem e eu conseguir ver o meu osso? Então eu lembro da minha mãe
dizendo que se uma queimadura é severa, a vítima podia nem ao menos sentir dor,
porque os nervos estariam destruídos. Encorajada por isso, eu me sento e
balanço minha perna na minha frente.
Eu quase desmaio
ao ver a minha panturrilha. A carne é um vermelho brilhante coberto com bolhas.
Eu me forço a tomar fôlegos profundos e vagarosos, sentindo-me bem certa que as
câmeras estão no meu rosto. Eu não posso mostrar fraqueza com esse ferimento.
Não se eu quiser ajudar. Pena não te dá ajuda. Admiração por sua recusa em
ceder te dá. Eu corto o restante da perna da calça no joelho e examino o
ferimento mais de perto. A área queimada é cerca do tamanho da minha mão.
Nenhuma pele está preta. Eu acho que não é tão ruim para ensopar.
Cuidadosamente, eu estiquei minha perna no lago, sustentando o calcanhar da
minha bota numa pedra para que o couro não ficasse muito encharcado, e suspiro,
porque isso oferecia mesmo algum alívio. Eu sei que há ervas, se eu conseguisse
achá-las, que acelerariam a cura, mas eu não consigo exatamente lembrar. Água e
tempo serão provavelmente tudo que eu terei com o que trabalhar.
Eu deveria estar
me mexendo? A fumaça está lentamente dissipando, mas ainda é pesada demais para
ser saudável. Se eu continuar longe do fogo, eu não estarei andando diretamente
para as armas dos Profissionais? Além do mais, toda vez eu levanto minha perna
da água, a dor ressalta tão intensamente que eu tenho que deslizar para dentro
de novo. Minhas mãos estão ligeiramente menos exigentes. Elas conseguem
aguentar pequenos intervalos do lago.
Então eu lentamente coloco o motor de volta em ação.
Primeiramente eu encho minha garrafa com a água do lago, trato-a, e quando
tempo o bastante passou, começo a reidratar meu corpo. Após um tempo, eu me
forço a mordiscar uma bolacha de água e sal, o que ajuda a acalmar meu
estômago. Eu enrolo meu saco de dormir. Exceto por algumas marcas pretas, é
relativamente incólume. Minha jaqueta é outro assunto. Fedendo e queimada, pelo
menos trinta centímetros nas costas não havia conserto algum. Eu corto a área
danificada, ficando com uma vestimenta que fica simplesmente no final das
minhas costelas. Mas o capuz está intacto e é bem melhor do que nada.
Apesar da dor, o
entorpecimento começa a tomar conta. Eu iria para uma árvore e tentaria
descansar, exceto que eu seria facilmente avistada. Além do mais, abandonar meu
lago seria impossível. Eu arrumo organizadamente meus suprimentos, até mesmo
coloco meu saco nos meus ombros, mas não consigo partir. Eu avisto algumas
plantas aquáticas com raízes comestíveis e faço uma pequena refeição com meu
último pedaço de coelho. Tomo um gole de água. Observo o sol fazer um vagaroso
arco pelo céu. Onde eu iria, de qualquer jeito, que fosse mais seguro que aqui?
Eu recuo sobre meu saco, sobrecarregada por sonolência. Se os Profissionais me
querem, que eles me achem. Eu penso antes de ser levada em um estupor. Que eles
me achem.
E eles me acham. É
uma sorte eu estar pronta para me mover, porque quando ouço os passos, eu tenho
menos de um minuto de dianteira. A noite começou a cair. No momento em que
acordo, estou de pé e correndo, respingando pelo lago, voando sobre os
matagais. Minha perna me desacelera, mas eu sinto que meus perseguidores não
estão tão velozes quanto eram antes que o fogo, tampouco. Eu ouço suas
tossidas, suas vozes ásperas chamando uns aos outros.
Ainda assim, eles
estão cercando, bem como um bando de cachorros selvagens, então eu faço o que
fiz minha vida toda em tais circunstâncias. Eu escolho uma árvore alta e começo
a escalar. Se correr dói, escalar é agonizante, porque requere não só esforço,
mas contato direto das minhas mãos na casca da árvore. Eu sou rápida, contudo,
e na hora que eles alcançaram a base do meu tronco, estou a seis metros de
altura. Por um instante, nós paramos e inspecionamos um ao outro. Eu espero que
eles não consigam ouvir o martelar do meu coração.
Pode ser agora, eu
penso. Que chance eu tenho contra eles? Todos os seis estão aqui, os cinco
Profissionais e Peeta, e minha única consolação é que eles estão bem acabados,
também. Mesmo assim, olhe para as armas deles. Olhe para os rostos deles,
sorrindo maliciosamente e rosnando para mim, uma morte certa acima deles.
Parece bastante desesperançoso. Mas então outra coisa é assimilada. Eles são
maiores e mais fortes que eu, sem dúvida, mas também são mais pesados. Há uma
razão por ser eu e não Gale a se arriscar a arrancar as frutas mais altas, ou
roubar os ninhos de pássaro mais remotos. Eu devo pesar pelo menos vinte dois
ou vinte e sete quilos a menos que o menor dos Profissionais.
Agora eu sorrio.
“Como vocês estão?” eu chamo alegremente.
Isso os deixa
desconcertados, mas eu sei que a multidão irá amar.
“Bem o bastante,” diz o garoto do Distrito 2. “Você?”
“Está um pouco
quente pro meu gosto,” eu digo. Eu quase consigo ouvir a risada de Capital. “O
ar é melhor aqui em cima. Por que você não sobe?”
“Acho que irei,”
diz o mesmo garoto.
“Aqui, tome isso,
Cato,” diz a garota do Distrito 1, e ela lhe oferece o arco prateado e a caixa
de flechas. Meu arco! Minhas flechas! Só a visão deles me deixa tão nervosa que
eu quero gritar, comigo mesma, com o traidor Peeta por me distrair de pegá-los.
Eu tento fazer contato visual com ele agora, mas ele parece estar
intencionalmente evitando o meu olhar enquanto ele lustra sua faca com a bainha
de sua camiseta.
“Não,” diz Cato,
empurrando o arco. “Eu ficarei melhor com a minha espada.” Eu consigo ver a
arma, uma lâmina pequena e pesada em seu cinto.
Eu dou a Cato
tempo de se arvorar antes de eu começar a escalar novamente. Gale sempre diz
que eu o lembro de um esquilo, do jeito que eu consigo subir até mesmo o galho
mais delgado. Parte disso é por causa do meu peso, mas parte é por prática.
Você tem que saber onde colocar suas mãos e pés. Já estou a mais nove metros
acima quando ouço o estrondo e olho para baixo para ver Cato sacudindo-se
violentamente enquanto ele e o galho caem. Ele acerta o chão com força e estou
esperando que ele possivelmente tenha quebrado seu pescoço quando ele se
levanta novamente, xingando como um demônio.
A garota com as
flechas, Glimmer eu ouço alguém chamá-la – credo, os nomes que as pessoas no
Distrito 1 dão a seus filhos são tão ridículos – de qualquer jeito, Glimmer
escala a árvore até que os galhos começam a quebrar sob seus pés e então tem o
bom senso de parar. Estou a pelo menos vinte e quatro metros de altura agora. Ela
tenta atirar em mim e fica evidente de imediato que ela é incompetente com um
arco. Uma das flechas, contudo, fica alojada na árvore próxima a mim e consigo
pegá-la. Eu a aceno provocativamente acima de sua cabeça, como se esse fosse o
único propósito de recuperá-la, quando na verdade eu quero usá-la se eu tiver a
chance de fazê-lo. Eu poderia matá-los, cada um deles, se aquelas armas
prateadas estivessem em minhas mãos.
Os Profissionais
se reagrupam no chão e eu consigo ouvi-los rosnando conspiratoriamente entre
si, furiosos por eu tê-los feito parecer tolos. Mas o crepúsculo chegou e sua
janela para me atacar está se fechando. Finalmente, eu ouço Peeta dizer
severamente, “Ah, deixe que ela fique lá em cima. Não é como se ela fosse a
algum lugar. Nós lidaremos com ela de manhã.”
Bom, ele está
certo sobre uma coisa. Eu não vou a lugar algum. Todo o alívio da água do lago
se foi, deixando-me sentir a potência total das minhas queimaduras. Eu desço
para uma forquilha na árvore e desajeitadamente preparo minha cama. Coloco
minha jaqueta. Deito meu saco de dormir. Me amarro e tento me impedir de gemer.
O calor do saco é demais para a minha perna. Eu faço um corte no tecido e pairo
minha panturrilha no ar. Eu pingo água no ferimento, nas minhas mãos.
Toda a minha
bravata se foi. Estou fraca da dor e faminta, mas não consigo me forçar a
comer. Mesmo que eu consiga sobreviver à noite, o que a manhã trará? Eu encaro
a folhagem
tentando me forçar a descansar, mas as queimaduras proíbem
isso. Pássaros estão se preparando para a noite, cantando canções de ninar para
seus filhotes. Criaturas da noite emergem. Uma coruja pia. O fraco odor de
cangambá corta a fumaça. Os olhos de algum animal me espreitam de uma árvore
vizinha – talvez um gambá – capturando a chama das tochas dos Profissionais. De
repente, estou apoiada em um cotovelo. Esses não são olhos de gambá, conheço
muito bem sua reflexão envidraçada. De fato, esses não são nem ao menos olhos
de animais. Nos últimos raios turvos de luz, eu a vejo, observando-me silenciosamente
entre os galhos. Rue.
Por quanto tempo
ela estava aí? O tempo todo, provavelmente. Parada e invisível enquanto a ação
se desdobrava na frente dela. Talvez ela tenha se dirigido para sua árvore
pouco antes de mim, escutando que o bando estava tão perto.
Por um tempo nós
seguramos os olhares uma da outra. Então, sem nem ao menos o farfalhar de uma
folha, sua pequena mão desliza para fora e aponta para algo acima da minha
cabeça.
14
Meus olhos seguem
a linha do seu dedo apontado para a folhagem acima de mim. No início, não tenho
idéia de para o que ela esteja apontando, mas então, uns 13 metros acima,
percebo a vaga forma na luz turva. Mas de... de quê? Algum tipo de animal?
Parece do tamanho de um racum, mas está pendurado no galho, oscilando sempre
ligeiramente. Há algo mais. Entre os sons noturnos familiares de uma floresta,
meus ouvidos registram um baixo zumbido. Então percebo. É ninho de vespas.
Medo me atravessa,
mas eu tenho juízo suficiente de continuar parada. Depois de tudo, não sei que
tipo de vespas vivem ali. Poderia ser o tipo ordinário
deixe-nos-em-paz-e-nós-deixaremos-vocês-em-paz. Mas esses são os Hunger Games,
e ordinário não é a regra. É mais provável que elas sejam uma das mutações do Capital,
tracker jacker. Como os jabberjays, aquelas vespas assassinas eram geradas em
laboratório e posicionadas estrategicamente, como um campo minado, em torno dos
distritos durante a guerra. Maiores do que as vespas normais, eles têm um
sólido corpo especial de ouro e uma picada que gera um nódulo do tamanho de uma
ameixa em contato. A maior parte das pessoas não consegue tolerar mais que
poucas picadas. Algumas morrem na primeira. Se você viver, as alucinações
trazidas pelo veneno podem levar as pessoas à loucura. E há outra coisa, essas
vespas vão caçar qualquer um que incomode seu ninho e atacá-lo até matá-lo. É
de onde a parte do nome tracker vem.
Depois da guerra, o Capital destruiu todos os ninhos ao
redor de suas cidades, mas os próximos aos distritos foram deixados intocados.
Outro lembrete de nossa fraqueza, suponho, bem como os Hunger Games. Outra
razão para se manter dentro da cerca do Distrito 12. Quando Gale e eu
chegávamos perto de um ninho de tracker jackers, nós imediatamente caminhávamos
para a direção oposta.
Então é isso que
está pendurado sobre mim? Olho de volta para Rue por ajuda, mas ela evaporou na
sua árvore.
Dada as
circunstâncias, penso que não importa que tipo de ninho de vespa é. Estou
ferida e emboscada. A escuridão me dá um breve adiamento, mas no momento em que
o sol subir, os Profissionais formularão um plano para me matar. Não tem chance
de eles fazerem de outra forma depois que eu os fiz parecerem estúpidos. Aquele
ninho pode ser a única opção que eu tenho. Se eu pudesse derrubá-la em cima
deles, poderia ser capaz de escapar. Mas eu arriscaria minha vida no processo.
É claro, nunca
serei capaz de me aproximar do ninho o bastante para soltá-lo. Terei que serrar
o galho do tronco e mandar toda a coisa para baixo. A parte dentada da minha
faca deve ser capaz de fazer isso. Mas minhas mãos seriam? E a vibração da
serração levantará o enxame? E se os Profissionais descobrirem o que estou
fazendo e moverem seu acampamento? Isso iria acabar com todo o propósito.
Noto que a melhor
chance que terei de fazer a serração sem ser notada será durante o hino. Que
pode começar a qualquer instante. Arrasto-me para fora do meu saco, asseguro-me
que minha faca está no meu cinto, e começo o meu caminho acima na árvore. Isso
em si é perigoso visto que os galhos estão se tornando precariamente finos até
para mim, mas persevero. Quando alcanço o membro que suporta o ninho, o zumbido
se torna mais distintivo. Mas ainda é estranhamente fraco, se esses forem
tracker jackers. É a fumaça, penso. Ela os sedou. Essa foi uma das defesas que
os rebeldes encontraram para combater as vespas.
O selo do Capital
brilha acima de mim e o hino ruge. É agora ou nunca, penso, e começo a serrar.
Bolhas estouram na minha mão direita enquanto eu desajeitadamente arrasto a
faca para trás e adiante. Logo que eu pego o entalhe, o trabalho requer menos
esforço, mas é quase mais do que eu posso lidar. Cerro meus dentes e olho para
o céu ocasionalmente para registrar se houve nenhuma morte hoje. Está certo. A
audiência ficará satisfeita me vendo machucada e forçada a subir nas árvores e
com um grupo abaixo de mim. Mas o hino está acabando e estou apenas a três
quartos do caminho pela madeira quando a música acaba, e o céu fica escuro, e
sou forçada a parar.
E agora? Poderia
provavelmente terminar o trabalho pela sensação do tato, mas esse pode não ser
o plano mais esperto. Se as vespas estão muito debilitadas, se o ninho cair, se
eu tentar escapar, isso tudo pode ser uma perda fatal de tempo. Melhor, penso,
esgueirar-se aqui de madrugada e mandar o ninho para os inimigos.
Na luz fraca das
tochas dos Profissionais, movimento-me de volta para minha bifurcação para
achar a melhor surpresa que eu já tive. Sobre meu saco de dormir está um
pequeno pote de plástico preso a um pára-quedas prateado. Meu primeiro presente
de um patrocinador!
Haymitch deve ter mandando durante o hino. O pote cabe
facilmente na palma da minha mão. O que pode ser? Não comida, com certeza.
Desaperto a tampa e sei pelo cheiro que é remédio. Cautelosamente, eu examino a
superfície do remédio. A pulsação nas pontas dos meus dedos some.
“Ah, Haymitch,”
sussurro. “Obrigada.” Ele não me abandonou. Nem me deixou para defender-me
sozinha. O custo desse remédio deve ter sido astronômico. Provavelmente não um,
mas vários patrocinadores contribuíram para comprar esse pequeno pote. Para
mim, era sem preço.
Mergulho dois
dedos no pote e espalho o bálsamo sobre minha panturrilha. O efeito é quase
mágico, apagando a dor em contato, deixando uma agradável sensação fria. Isso
não é mistura de ervas que minha mãe tritura das plantas da floresta, é
medicamento de alta tecnologia fabricado em laboratórios do Capital. Quando
minha panturrilha está tratada, esfrego uma camada fina em minhas mãos. Depois
de empacotar o pote no pára-quedas, guardo-o seguro na minha mochila. Agora que
a dor se tranqüilizou, é tudo que posso fazer para me reposicionar no saco
antes de dormir.
Um pássaro que
aterrissou apenas há alguns metros de mim me alerta que um novo dia está amanhecendo.
Na luz cinza da manhã, examino minhas mãos. O remédio transformou todas as
manchas vermelhas e irritadas em uma pele de bebê macia e rosa. Minha perna
ainda está inflamada, mas a queimação é muito menor. Aplico uma nova camada de
remédio e silenciosamente pego minhas coisas. O que quer que aconteça, vou ter
que me mexer, e mexer rápido. Também como um biscoito e uma fatia de carne e
tomo alguns goles de água.
Quase nada ficou
no meu estômago ontem, e já estou começando a sentir os efeitos da fome.
Abaixo de mim,
posso ver o grupo de Profissionais e Peeta dormindo no chão. Por sua posição,
inclinada contra o tronco da árvore, penso que Glimmer ficou responsável pela
guarda, mas a fadiga a venceu.
Meus olhos apertam
enquanto eles tentam compreender a árvore próxima a mim, mas não posso perceber
Rue. Visto que ela me deu a dica, parece justo avisá-la. Além disso, se vou
morrer hoje, é Rue quem quero que ganhe. Mesmo que isso signifique um pouco de
comida extra para minha família, a idéia de Peeta sendo coroado vencedor é
insuportável.
Chamo o nome de
Rue num sussurro quieto e os olhos aparecem, arregalados e alertas,
imediatamente. Ela aponta para o ninho novamente. Seguro minha faca e faço o
movimento da serração. Ela acena e desaparece. Há um farfalho na árvore mais
próxima. Então o mesmo som de novo um pouco além. Percebo que ela está pulando
de árvore em árvore. Tudo o que posso fazer é não rir alto. É isso o que ela
mostrou para os Gamemakers? Imagino-a voando ao redor do equipamento de treino
nunca tocando o chão. Deveria ter conseguido pelo menos um dez.
Listras rosadas
aparecem ao leste. Não posso me dar ao luxo de esperar mais. Comparada a agonia
da subida de ontem à noite, essa é moleza. No ramo da árvore que segura o
ninho, posiciono minha faca no entalhe e estou começando a puxar os dentes pela
madeira quando vejo algo se movendo. Lá, no ninho. O brilho dourado de um
tracker jacker fazendo
preguiçosamente o seu caminho através da superfície cinza
parecida com papel. Sem dúvida, está agindo um pouco subjugado, mas as vespas
estão em cima e se movendo, e isso significa que os outros logo estarão fora
também. Suor parece nas palmas das minhas mãos, espumando pelo remédio, e faço
o melhor para secá-las na minha camisa. Se eu não partir esse galho em questão
de segundos, o enxame inteiro pode emergir e me atacar.
Não tem sentido
ficar adiando. Respiro fundo, pego o cabo da faca e forço para baixo o mais
forte que posso. Para trás, para frente, para trás, para frente! Os tracker
jackers começam a zunir e temo que eles estejam vindo. Para trás, para frente,
para trás, para frente! Uma dor aguda dispara pelo meu joelho e percebo que um
me encontrou e os outros virão logo. Para trás, para frente, para trás, para
frente. E logo quando a faca atravessa, arremesso o final do galho o mais longe
que posso. Ele cai através dos galhos mais baixos, esbarrando temporariamente
em alguns poucos, mas então se deforma até romper com uma pancada no chão.
O inchaço. A dor.
O líquido. Assistir Glimmer se debater até a morte no chão. É demais para lidar
antes mesmo de o sol clarear o horizonte. Não quero pensar em como Glimmer deve
parecer agora. Seu corpo desfigurado. Seus dedos inchados endurecidos ao redor
do arco...
O arco! Em algum
lugar na minha mente confundida uma pensamento se conecta a outro e estou de
pé, balançando-me através das árvores de volta para Glimmer. O arco. As
flechas. Devo pegá-los. Não escutei os disparos dos canhões ainda, então talvez
Glimmer esteja em algum tipo de coma, seu coração ainda lutando contra o veneno
das vespas. Mas assim que ele parar e os canhões sinalizarem sua morte, um
aerobarco aparecerá e retomará seu corpo, tirando o único arco e bainha de
flechas que eu vi nos Games. E me recuso a deixar escapá-los pelos meus dedos
novamente!
Alcanço Glimmer
logo quando os canhões disparam. Os tracker jackers sumiram. Essa garota, bela
de forma impressionante no seu vestido dourado na noite das entrevistas, está
irreconhecível. Suas feições erradicadas, seus membros três vezes maior que o
tamanho normal. Os inchaços das picadas já começaram a explodir, emitindo
líquido verde putrefato ao seu redor. Tenho que quebrar alguns dos que
costumavam serem seus dedos com uma pedra para libertar o arco. A bainha de
flechas está presa sob suas costas. Tento girar seu corpo puxando um braço, mas
a carne desintegra-se em minhas mãos e caio no chão.
Isso é real? Ou as
alucinações começaram? Esfrego meus olhos apertados e tento respirar pela minha
boca, ordenando-me a não ficar doente. Café da manhã deve ficar no estômago,
pode ser dias antes de eu caçar novamente. O segundo canhão dispara e estou
achando que a garota do Distrito 4 acabou de morrer. Ouço os pássaros ficarem
silenciosos e então um dá um grito de aviso, o que significa que aerobarco está
para aparecer.
Confusa, penso que
é para Glimmer, embora isso não faça sentido porque ainda estou no painel,
ainda brigando pelas flechas. Eu inclino para trás sobre meus joelhos e as
árvores ao meu redor começam a rodar em círculos. No meio do céu, localizo o
aerobarco. Atiro-me sobre o corpo de Glimmer como se fosse protegê-lo, mas
então vejo a garota do Distrito 4 sendo elevada no ar e sumindo.
“Faça isso!” Eu me ordeno. Apertando minha mandíbula,
empurro minhas mãos sob o corpo de Glimmer, segurando o que deve ser sua caixa
torácica, e a forçando sobre seu estômago. Não posso evitar, estou respirando
rapidamente agora, a coisa toda tão aterrorizante e estou perdendo minha noção
do que é real. Puxo a bainha de flechas prateada, mas ela está presa em alguma
coisa, sua omoplata, alguma coisa, e finalmente a solto. Estou rodeando a
bainha com meus braços quando ouço passos, alguns passos, vindo pelos arbustos,
e percebo que os Profissionais estão voltando. Eles estão voltando para me
matar ou pegar suas armas, ou ambos.
Mas é muito tarde.
Puxo uma flecha pegajosa da bainha e tento posicioná-la na corda do arco, mas
em vez de uma corda vejo três e o cheiro das cordas é tão repulsivo que não sou
capaz de fazer. Não sou capaz. Não sou capaz.
Estou desamparada
quando o primeiro caçador movimenta-se através das árvores, lança levantada,
posicionada para atirar. O choque no rosto de Peeta não faz sentido para mim.
Espero o golpe. Em vez disso seu braço cai do seu lado.
“O que você ainda
está fazendo aqui?” ele sibila para mim. Encaro sem compreender enquanto uma
gota de água pinga do ferrão sob seu ouvido. Todo o seu corpo começa a cintilar
como se ele tivesse mergulhado no orvalho. “Você está louca?” Ele está me
empurrando com o cabo da lança agora. “Levante! Levante!” levanto, mas ele
ainda está me empurrando. O quê? O que está acontecendo? Ele me empurra para
longe dele rudemente. “Corra!” ele grita. “Corra!”
Atrás dele, Cato
corta seu caminho pelos galhos. Ele está molhado, também, e ferroado gravemente
sob um olho. Pego o brilho da luz do sol em sua espada e faço como Peeta diz.
Segurando apertado meu arco e flechas, batendo em árvores que aparecem do nada,
tropeçando e caindo enquanto tento me equilibrar. Ultrapasso minha poça e entro
numa floresta não familiar. O mundo começa a se dobrar de forma alarmante. Uma
borboleta incha até o tamanho de uma casa então se espedaça em milhões de
estrelas. Árvores se transformam em sangue e salpicam minhas botas. Formigas
começam a rastejar para fora das bolhas em minhas mãos e não consigo me livrar
delas. Elas sobem pelos meus braços, meu pescoço. Alguém está gritando, um
grito longo, alto e agudo que nunca pára para respirar. Tenho a vaga idéia de
que talvez seja eu. Tropeço e caio em um buraco forrado com minúsculas bolhas
laranja que zumbem como o ninho de tracker jacker. Dobrando meus joelhos até
meu queixo, espero pela morte.
Nauseada e
desorientada, sou capaz de formar apenas um pensamento. Peeta Mellark acabou de
salvar a minha vida.
Então as formigas
perfuram meus olhos e eu perco os sentidos.
15
Eu entro em um
pesadelo, do qual eu acordo repetitivamente só para encontrar um terror maior
me aguardando. Todas as coisas que eu mais temo, todas as coisas que eu temo
pelos outros se manifestam em detalhes tão vívidos que eu não posso evitar
acreditar que sejam reais. Cada vez que eu acordo, eu penso, Por fim, isso
acabou, mas não acabou. É só o começo de um novo capítulo de tortura. De
quantas maneiras que observo Prim morrer? Revivo os últimos instantes do meu pai?
Sinto o meu próprio corpo ser despedaçado? Essa é a natureza do veneno do
tracker jacker, tão cuidadosamente criado para alvejar o lugar onde o medo vive
no seu cérebro.
Quando eu
finalmente volto a mim, eu fico deitada quieta, esperando pelo próximo ataque
de imagens. Mas eventualmente eu aceitei que o veneno deve ter finalmente saído
do meu sistema, deixando meu corpo quebrado e fraco. Eu ainda estou deitada de
lado, presa na posição fetal. Eu levanto uma mão até meus olhos para achá-los
seguros, intocados por formigas que nunca existiram. Simplesmente esticar meus
membros requisita um esforço enorme. Tantas partes de mim doem, não parece que
vale a pena fazer um inventário delas. Muito, muito lentamente eu consigo me
sentar. Estou num buraco raso, não enchido pelas bolhas laranjas zumbindo da
minha alucinação, mas com folhas velhas e mortas. Minhas roupas estão úmidas,
mas eu não sei se a causa era ou água da lagoa, orvalho, chuva, ou suor. Por um
longo tempo, tudo que eu consigo fazer é tomar pequenos goles da minha garrafa
e observar um besouro rastejar pela lateral de um arbusto de madressilva.
Por quanto tempo
fiquei desacordada? Era de manhã quando eu perdi a razão. Agora era de tarde.
Mas a dureza nas minhas juntas sugeria que mais de um dia tinha passado,
possivelmente até dois. Se sim, eu não teria jeito de saber quais tributos
tinha sobrevivido àquele ataque do tracker jacker. Nem a Glimmer ou a garota do
Distrito 4. Mas havia o garoto do Distrito 1, ambos os tributos do Distrito 2,
e Peeta. Eles morreram das picadas? Certamente, se sobreviveram, seus últimos
dias devem ter sido tão horríveis quanto os meus próprios. E quanto à Rue? Ela
é tão pequena, não seria preciso muito veneno para domá-la. Mas também... os
tracker jackers teriam que pegá-la, e ela tinha tido uma boa dianteira.
Um gosto ruim e
podre penetra a minha boca, e a água tem pouco efeito nisso. Eu me arrasto até
o arbusto de madressilva e arranco uma flor. Eu gentilmente puxo o estame da
flor e coloco a gota de néctar na minha língua. A doçura se espalha pela minha
boca, pela minha garganta, aquecendo minhas veias com lembranças do verão, e a
floresta da minha casa e a presença de Gale ao meu lado. Por alguma razão,
nossa discussão daquela última manhã volta até mim.
“Nós poderíamos
fazer, sabe.”
“O quê?”
“Deixar o
distrito. Fugir. Viver na floresta. Você e eu, nós podemos fazer isso.”
E de repente, eu não estou pensando no Gale, mas no Peeta
e... Peeta! Ele salvou a minha vida! eu penso. Porque na hora que nos
encontramos, eu não conseguia afirmar o que era real e o que o veneno do
tracker jacker tinha me feito imaginar. Mas se ele tinha me salvado, e meus
instintos diziam que ele tinha, por que motivo? Ele simplesmente está
trabalhando no ângulo de Lover Boy que ele tinha iniciado na entrevista? Ou ele
realmente estava tentando me proteger? E se ele estivesse, o que ele estava
fazendo com aqueles Profissionais, pra começo de conversa? Nada disso fazia
sentido.
Eu me pergunto por
um momento o que Gale achou do incidente e então eu empurro esse negócio todo
para fora da minha mente porque por alguma razão Gale e Peeta não coexistem bem
juntos nos meus pensamentos.
Então eu me foco
na coisa realmente boa que aconteceu desde que eu pousei na arena. Eu tenho um
arco e flechas! Uma inteira dúzia de flechas se você contar aquele que eu
recuperei na árvore. Elas não possuem semelhança alguma com o limo verde nocivo
que saiu do corpo da Glimmer – o que me leva a crer que isso pode não ter sido
inteiramente real –, mas elas têm uma boa quantidade de sangue seco nelas. Eu
posso limpá-las mais tarde, mas eu tiro um minuto para atirar algumas numa
árvore próxima. Elas são mais parecidas com as armas do Centro de Treinamento
do que com as minhas lá em casa, mas quem liga? Eu posso trabalhar com elas.
As armas me davam
uma perspectiva totalmente nova nos Games. Eu sei que tenho adversários fortes
para enfrentar. Mas eu não sou mais uma mera presa que corre e se esconde e
toma medidas desesperadas. Se Cato saísse pelas árvores agora, eu não fugiria,
eu atiraria. Descubro que estou na verdade antecipando o momento com prazer.
Mas primeiro, eu
tenho que colocar um pouco de força de volta no meu corpo. Estou muito
desidratada novamente e meu suprimento de água está terrivelmente baixo. A
pequena camada de gordura que eu consegui adquirir ao me empanturrar durante o
tempo de preparação em Capital se foi, além de diversos quilos a mais, também.
Meus quadris e costelas estão mais proeminentes do que eu me lembro desde
aqueles terríveis meses após a morte do meu pai. E então há os meus ferimentos
a se conter – queimaduras, cortes, e contusões de bater nas paredes, e três
picadas de tracker jackers, que estão tão doloridas e inchadas como nunca. Eu
trato as minhas queimaduras com pomada e tento untar um pouco as minhas picadas
também, mas não faz efeito algum nelas.
Minha mãe conhecia
um tratamento para elas, algum tipo de folha que podia retirar o veneno, mas
ela raramente tinha motivo para usá-la, e eu nem me lembro nome, quanto mais de
sua aparência.
Primeiro água, eu
penso. Você pode caçar pelo caminho agora. É fácil ver a direção de onde vim
pelo caminho de destruição que meu corpo desvairado fez pela folhagem. Então eu
ando em outra direção, esperando que meus inimigos ainda estão presos no mundo surreal
do veneno do tracker jacker.
Eu não posso me
mover muito rapidamente, minhas juntas rejeitam quaisquer movimentos abruptos.
Mas eu estabeleço minha passada lenta de caçadora que eu uso quando persigo
uma caça. Dentro de poucos minutos, eu avisto um coelho e
faça a minha primeira matança com o arco e a flecha. Não é o meu tiro limpo
normal no olho, mas eu o tomo. Após cerca de uma hora, eu acho um riacho, raso,
mas largo, e mais do que o suficiente para as minhas necessidades. O sol está
quente e severo, então enquanto eu espero minha água purificar, eu me dispo até
ficar de roupa de baixo e arrasto-me na corrente branda. Estou imunda da cabeça
aos pés, tento me chapinhar, mas eventualmente só fico parada na água por
alguns minutos, deixando ela limpar a fuligem e o sangue e a pele que começou a
descascar das minhas queimaduras. Após lavar as minhas roupas e pendurá-las nos
arbustos para secar, eu sento no banco ao sol por um pouquinho, desembaraçando
meu cabelo com meus dedos. Meu apetite retorna e eu como um biscoito e uma tira
de bife. Com um punhado de musgo, eu poli o sangue das minhas armas de prata.
Refrescada, eu
trato das minhas queimaduras de novo, tranço meu cabelo novamente, e me visto
nas minhas roupas úmidas, sabendo que o sol iria secá-las logo. Seguindo o
riacho contra sua corrente parece o mais inteligente a se fazer. Estou viajando
colina acima agora, o que eu prefiro, com uma fonte de água fresca não só para
mim, mas possivelmente para caça. Eu facilmente acerto um pássaro estranho que
deve ser alguma forma de peru selvagem.
No fim da tarde,
eu decido construir uma pequena fogueira para cozinhar a carne, apostando que o
pôr-do-sol ajudaria a esconder a fumaça e eu posso apagar o fogo ao cair da
noite. Eu limpo a caça, tomando cuidado extra com o pássaro, mas não há nada de
alarmante nele. Uma vez que as penas são depenadas, ele não é maior que uma
galinha, mas é rechonchudo e firme. Eu acabo de colocar a primeira porção sobre
os carvões quando eu ouço o galho se quebrar.
Em um movimento,
eu me viro para o som, trazendo o arco e flecha no meu ombro. Não há ninguém
ali. Ninguém que eu consiga ver, de qualquer jeito. Então eu avisto a ponta da
bota de uma criança simplesmente espiando detrás de um tronco de uma árvore.
Meus ombros relaxam e eu sorrio. Ela consegue se mover pela floresta como uma
sombra, você tem que dar-lhe esse crédito. Como mais ela poderia ter me
seguido? As palavras saem da minha boca antes que eu possa pará-las.
“Sabe, eles não
são os únicos que podem formar alianças,” eu digo.
Por um instante,
não há resposta. Então um dos olhos da Rue espia por trás do tronco. “Você me
quer como aliada?”
“Por que não? Você
me salvou com aqueles tracker jackers. Você é esperta o bastante para ainda
estar viva. E eu não pareço conseguir me livrar de você," eu digo. Ela
pesteneja para mim, tentando decidir. “Está com fome?” Eu consigo vê-la engolir
em seco, seu olho vacilando para a carne. “Vamos, então, eu tive duas matanças
hoje.”
Rue sai
hesitantemente no aberto. “Posso curar suas picadas.”
“Pode?” eu
pergunto. “Como?”
Ela procura na
mochila que carrega e puxa um punhado de folhas. Tenho quase certeza de que são
essas as que a minha mãe usa. “Onde encontrou elas?”
“Por aí. Nós todos carregamos elas quando trabalhamos nos
pomares. Elas deixaram um monte de ninhos lá,” diz Rue. “Tem um monte aqui
também.”
“É mesmo. Você é
do Distrito Onze. Agricultura,” eu digo. “Pomares, hein? Deve ser assim que
você consegue voar pelas árvores como se tivesse asas.” Rue sorri. Eu parei em
uma das poucas coisas que ela admitirá ter orgulho. “Bem, vamos lá, então. Me
conserta.”
Eu caio
pesadamente ao lado da fogueira e subo a perna da minha calça para revelar a
picada no meu joelho. Para minha surpresa, Rue coloca o punhado de folhas em
sua mão e começa a mastigá-las. Minha mãe usaria outros métodos, mas não é como
se tivéssemos muita opção. Após um minuto, mais ou menos, Rue pressiona um
bloco verde nojento de folhas mastigadas e cuspe no meu joelho.
“Ahhh.” O som sai
da minha boca antes que eu possa pará-lo. É como se as folhas estivessem
realmente sugando a dor da picada.
Rue dá uma
risadinha. “Sorte você ter tido o bom senso de puxar os ferrões, ou seria muito
pior.”
“Põe no meu
pescoço! Põe na minha bochecha!” eu quase imploro.
Rue enche sua boca
com outro punhado de folhas, e logo eu estou rindo, porque o alívio é tão doce.
Eu noto uma queimadura grande no antebraço da Rue. “Eu tenho algo para isso.”
Eu deixo minhas armas de lado e unto seu braço com o remédio para queimadura.
“Você tem bons
patrocinadores,” ela diz saudosamente.
“Você não recebeu
nada ainda?” eu pergunto. Ela balança sua cabeça. “Você irá, contudo. Veja.
Quanto mais perto chegarmos do fim, mais as pessoas perceberão como você é
esperta.” Eu viro a carne.
“Você não estava
brincando, sobre me querer como aliada?” ela pergunta.
“Não, eu estou
falando sério,” eu digo. Eu quase consigo ouvir Haymitch urrando enquanto eu me
junto à criança franzina. Mas eu quero ela. Porque ela é uma sobrevivente, e eu
confio nela, e por que não admitir? Ela me lembra a Prim.
“Está bem,” ela
diz, e estica sua mão. Nós apertamos. “É um acordo.”
É claro, esse tipo
de acordo só pode ser temporário, mas nenhuma de nós menciona isso.
Rue contribui para
a refeição com um grande punhado de algum tipo de raiz dura. Assada sobre o
fogo, elas tem o doce e picante gosto de pastinaca. Ela reconhece a ave,
também, alguma coisa selvagem que chamam de groosling em seu distrito. Ela diz
que às vezes uma manada vaga pelo pomar e eles têm um almoço decente nesse dia.
Por um tempo, toda a conversa para enquanto enchemos nossos estômagos. O
groosling tem uma carne deliciosa que é tão gorda, a gordura pinga no seu rosto
quando você a morde.
“Ah,” diz Rue com
um suspiro. “Eu nunca comi uma perna inteira sozinha.”
Aposto que não. Aposto que ela raramente tem carne. “Pegue a
outra,” eu digo.
“Sério?” ela
pergunta.
“Pegue o que
quiser. Agora que eu tenho um arco e flecha, eu posso conseguir mais. Além
disso, eu tenho armadilhas. Eu posso te mostrar como montá-las,” eu digo. Rue
ainda olha incerta para a perna. “Ah, pega,” eu digo, colocando a perna da
galinha em sua boca. “Só ficará boa por alguns dias, de qualquer jeito, e nós
temos o pássaro todo, além do coelho.” Uma vez que ela tomou posse dela, seu
apetite ganha e ela dá uma bocada enorme.
“Eu achava que, no
Distrito Onze, você teria um pouco mais para comer do que nós. Sabe, já que
vocês plantam comida,” eu digo.
Os olhos de Rue se
alargam. “Ah, não, não podemos comer as colheitas.”
“Eles te prendem, ou
algo assim?” eu pergunto.
“Eles te açoitam e
fazem todo mundo assistir,” diz Rue. “O prefeito é muito severo quanto a isso.”
Eu posso afirmar
pela expressão dela que não é uma ocorrência tão incomum. Um açoitamento
público é algo raro no Distrito 12, apesar de um ocorrer ocasionalmente.
Tecnicamente, Gale e eu podíamos ser açoitados diariamente por caçar
ilegalmente na floresta – bem, tecnicamente, podíamos conseguir muito pior –
exceto que todos os oficiais compram a nossa carne. Além do mais, nosso prefeito,
o pai da Madge, não parece gostar muito de tais eventos. Talvez ser o distrito
menos prestigioso, mais pobre, e mais ridicularizado do país tem suas
vantagens. Tal como ser amplamente ignorado pelo Capital enquanto produzíssimos
nossas quotas de carvão.
“Você tem todo o
carvão que quer?” Rue pergunta.
“Não,” eu
pergunto. “Só o que compramos e o que quer que fique preso nas nossas botas.”
“Eles nos
alimentam um pouquinho a mais durante a colheita, para que as pessoas possam
continuar por mais tempo,” diz Rue.
“Você não tem que
estar na escola?” eu pergunto.
“Não durante a
colheita. Todos trabalham nessa época," diz Rue.
É interessante,
escutar sobre a vida dela. Nós temos tão pouca comunicação com qualquer um fora
do nosso distrito. De fato, eu me pergunto se os Gamemakers estão bloqueando a
nossa conversa, porque mesmo que a informação parece ser inofensiva, eles não
querem que pessoas em distritos diferentes saibam umas sobre as outras.
Como Rue sugeriu,
nós deitamos toda a nossa comida para planejar adiantadamente. Ela viu a maior
parte da minha, mas eu acrescento as últimas bolachas e tiras de bife à pilha.
Ela coletou uma bela coleção de raízes, nozes, verduras frescas, e até mesmo
algumas bagas.
Eu rolo uma baga
estranha nos meus dedos. “Você tem certeza de que isso é seguro?”
“Ah, sim, nós a temos lá em casa. Eu estou comendo elas há
dias,” ela diz, enfiando um punhado em sua boca. Eu mordo uma hesitantemente, e
é tão boa quanto as nossas amoras silvestres. Ter a Rue como aliada parece uma
escolha melhor o tempo todo. Nós dividimos nosso suprimento de comida, para
que, caso fôssemos separadas, ambas ficaríamos bem por alguns dias. Fora a
comida, Rue tem um pequeno odre de água, um estilingue caseiro, e um par extra
de meias. Ela também tem um caco afiado de pedra que usa como faca. “Eu sei que
não é muito,” ela diz, como se estivesse envergonhada, “mas eu tinha que sair
da Cornucópia rápido.”
“Você fez bem,” eu
digo. Quando eu espalho meus utensílios, ela arfa um pouco quando vê o óculos de
sol.
“Como você
conseguiu ele?” ela pergunta.
“Na minha mochila.
Ele foi inútil até agora. Não bloqueia o sol e dificulta enxergar,” eu digo com
um dar de ombros.
“Ele não é para o
sol, ele é para a escuridão,” exclama Rue. “As vezes, quando colhemos à noite,
eles passam alguns pares para aqueles que ficam mais ao alto das árvores. Onde
a luz das tochas não alcança. Uma vez, esse garoto Martin, tentou ficar com o
seu. Escondeu em sua calça. Eles o mataram no ato.”
“Eles mataram um
garoto por ficar com isso?” eu digo.
“Sim, e todos
sabiam que ele não era perigoso. Martin não era bem da cabeça. Quer dizer, ele
ainda agia como alguém de três anos. Ele só queria o óculos para brincar,” diz
Rue.
Ouvir isso me faz
sentir que o Distrito 12 é algum tipo de refúgio seguro. É claro, as pessoas
desmaiam por causa de fome o tempo todo, mas eu não consigo imaginar os
Peacekeepers assassinando uma criança boba, Tem uma garotinha, uma das netas da
Greasy Sae, que vaga por Hob. Ela não é bem certa das ideias, mas ela é tratada
como um tipo de animal de estimação. As pessoas lhe jogam restos e coisas.
“Então o que ele
faz?” eu pergunto a Rue, pegando o óculos.
“Ele te deixa ver
na completa escuridão,” diz Rue. “Experimente-os hoje à noite quando o sol se
por.”
Eu dou alguns
fósforos à Rue e ela se certifica de que eu tenho folhas o bastante no caso das
minhas picadas doerem novamente. Nós extinguimos nossa fogueira e nos dirigimos
corrente acima até quase o anoitecer.
“Onde você dorme?”
eu pergunto a ela. “Nas árvores?” Ela assente. “Só com a sua jaqueta?”
Rue ergue seu par
extra de meias. “Eu tenha essas para as minhas mãos.”
Eu penso em como
as noites têm sido frias. “Você pode compartilhar o meu saco de dormir se
quiser. Nós duas cabemos facilmente." Seu rosto ilumina-se. Eu posso
afirmar que isso é mais do que ela ousava esperar.
Nós escolhemos uma forquilha alta em uma árvore e nos
acomodamos pela noite, bem quando o hino começa a tocar. Não houve mortes hoje.
“Rue, eu só acordei
hoje. Quantas noites eu perdi?” O hino deveria bloquear nossas palavras, mas
ainda assim eu sussurro. Eu até mesmo tomo a precaução de cobrir meus lábios
com a minha mão. Eu não quero que a audiência saiba o que eu estou planejando
contar a ela sobre Peeta. Entendendo a minha dica, ela faz o mesmo.
“Duas,” ela diz.
“As garotas dos Distritos Um e Quatro estão mortas. Há dez de nós restantes.”
“Algo estranho
aconteceu. Pelo menos, eu acho que sim. Pode ter sido o veneno do tracker
jacker me fazendo imaginar coisas,” eu digo. “Você conhece o garoto do meu
distrito? Peeta? Eu acho que ele salvou a minha vida. Mas ele estava com os
Profissionais.”
“Ele não está com
eles agora,” ela diz. “Eu os espiei em seu acampamento base no lago. Eles
voltaram antes que tivessem um colapso por causa das picadas. Mas ele não está
lá. Talvez ele tenha mesmo te salvado e teve que fugir.”
Eu não respondo.
Se, de fato, Peeta me salvou, eu estou devendo a ele novamente. E isso não pode
ser pago de volta. “Se ele salvou, foi tudo provavelmente só parte de sua
atuação. Sabe, para fazer as pessoas pensarem que ele está apaixonado por mim.”
“Ah,” diz Rue
pensativamente. “Eu não achei que fosse uma atuação.”
“Claro que é,” eu
digo. “Ele arquitetou isso com o nosso mentor.” O hino acabou e o céu fica
preto. “Vamos experimentar esse óculos.” Eu peguei o óculos e os coloquei. Rue
não estava brincando. Eu consigo ver tudo, desde as folhas nas árvores até o
gambá passeando pelos arbustos há uns bons quinze metros de distância. Eu poderia
matá-lo daqui se eu quisesse. Eu poderia matar qualquer um.
“Eu me pergunto
quem mais tem um desses,” eu digo.
“Os Profissionais
têm dois. Mas eles têm de tudo no lago,” Rue diz. “E eles são tão fortes.”
“Somos fortes,
também,” eu digo. “Só que de uma maneira diferente.”
“Você é. Você
consegue atirar,” ela diz. “O que eu posso fazer?”
“Você pode se
alimentar. Eles podem?” eu pergunto.
“Eles não
precisam. Eles têm todos aqueles suprimentos,” Rue diz.
“Digamos que eles
não tivessem. Digamos que os suprimentos se foram. Quanto tempo eles durariam?”
eu digo. “Quer dizer, é o Hunger Games, certo?”
“Mas, Katniss,
eles não estão com fome,” diz Rue.
“Não, não estão.
Esse é o problema,” eu concordo. E pela primeira vez, eu tenho um plano. Um
plano que não é motivado pela necessidade de fugir e evadir. Um plano ofensivo.
“Acho que vamos ter que consertar isso, Rue.”
16
Rue decidiu
confiar em mim totalmente. Sei disso porque logo que o hino acaba ela se abraça
contra mim e dorme. Nem eu tenho nenhum temor dela, como não tomo nenhuma
precaução particular. Se ela me quisesse morta, tudo o que ela precisaria fazer
era desaparecer daquela árvore sem mostrar o ninho de tracker jacker. O que me
irrita, bem no fundo da minha mente, é o óbvio. Ambas não podemos ganhar esses
Games. Mas visto que as chances ainda estão contra nossa sobrevivência, consigo
ignorar esse pensamento.
Além disso, estou
distraída pela minha última ideia sobre os Profissionais e seus suprimentos. De
algum modo Rue e eu temos que encontrar uma forma de destruir a comida deles.
Tenho certeza que se alimentar será um tremendo esforço para eles.
Tradicionalmente, a estratégia dos Tributos Profissionais é pegar toda a comida
cedo e trabalhar a partir daí. Os anos em que eles não a protegeram bem – um
ano um grupo de répteis repugnantes a destruíram, noutro uma inundação
provocada pelos Gamemakers a levou – foram geralmente os anos em que tributos
de outros distritos tinham vencido. O fato de os Profissionais terem crescido
em um mar de rosas é, na verdade, sua desvantagem, porque eles não sabem como é
ficar com fome. Não da forma que Rue e eu sabemos.
Mas estou muito
exausta para começar qualquer plano detalhado essa noite. Minhas feridas
sarando, minha mente ainda um pouco enevoada pelo veneno, e o calor de Rue ao
meu lado, sua cabeça encostada no meu ombro, me dá uma sensação de segurança.
Percebo, pela primeira vez, o quão sozinha eu estava na arena. O quão
confortante a presença de outro ser humano pode ser. Cedo a minha sonolência,
resolvendo que amanhã vou virar a mesa. Amanhã, serão os Profissionais que
terão que se cuidar.
A explosão do tiro
dos canhões me acorda. O céu está marcado com luzes, os pássaros já trepidando.
Rue se empoleira em um galho perto de mim, suas mãos segurando alguma coisa.
Nós esperamos, escutando por mais tiros, mas não há nenhum mais.
“Quem você pensa
que era?” não posso evitar pensar em Peeta.
“Não sei. Poderia
ser qualquer um dos outros,” diz Rue. “Acho que saberemos essa noite.”
“Quem ainda resta
novamente?” pergunto.
“O garoto do
Distrito Um. Ambos os tributo do Dois. O garoto do Três. Thresh e eu. E você e
Peeta,” diz Rue. “São oito. Espere, e o garoto do Dez, aquele com a perna ruim.
Ele faz nove.”
Há alguém mais,
mas nenhuma de nós consegue se lembra de quem é.
“Queria saber como esse último morreu,” diz Rue.
“Não diga. Mas é
bom para nós. Uma morte deve segurar a multidão um pouco. Talvez tenhamos tempo
para fazer algo antes que os Gamemakers decidam que as coisas estão muito
devagar,” digo. “O que há em suas mãos?”
“Café da manhã,”
diz Rue. Ela revela dois grandes ovos.
“Eles são de que
tipo?” pergunto.
“Não tenho
certeza. Há uma área pantanosa por aqui. Algum tipo de pássaro aquático,” ela
diz.
Seria legal
cozinhá-los, mas nenhuma de nós quer correr o risco com o fogo. Acho que o
tributo que morreu hoje era uma vítima dos Profissionais, o que significa que
eles se recuperaram o bastante para estar de volta aos Games. Nós duas sugamos
de dentro do ovo, comendo perna de coelho e algumas bagas. É um bom café da
manhã em qualquer lugar.
“Pronta para
fazer?” digo, puxando minha mochila.
“Fazer o quê?” diz
Rue, mas pela forma como ela salta, pode-se dizer que está dentro de qualquer
coisa que eu proponha.
“Hoje nós levamos
a comida dos Profissionais,” digo.
“Sério? Como?”
Pode-se ver o brilho de excitação nos seus olhos. Dessa forma, ela é exatamente
o oposto de Prim, para quem aventuras são experiências difíceis.
“Não tenho idéia.
Vamos, temos que calcular um plano enquanto caçamos,” digo.
Nós não
conseguimos caçar muito porque estou muito ocupada pegando cada pedaço de
informação que posso tirar de Rue sobre a base dos Profissionais. Ela só esteve
os espiando brevemente, mas ela é observadora. Eles montaram seu campo ao lado
do lago. Seus suprimentos estão juntos uns trinta metros afastados. Durante o
dia, eles deixavam outro tributo, o garoto do Distrito 3, para vigiar os
suprimentos.
“O garoto do
Distrito Três?” pergunto. “Ele está trabalhando com eles?”
“Sim, ele fica no
acampamento o tempo todo. Ele foi picado, também, quando eles levaram os
tracker jackers para o lago,” diz Rue. “Acho que eles concordaram em deixá-lo
viver se ele atuasse como guarda. Mas ele não é muito grande.”
“Que armas ele
tem?” pergunto.
“Nada demais que
eu pude ver. Uma lança. Ele talvez seja capaz de nos arrastar com isso, mas
Thresh poderia matá-lo facilmente,” diz Rue.
“E a comida apenas
está a céu aberto?” digo. Ela acena. “Algo não está certo em tudo isso.”
“Eu sei. Mas não
posso dizer o que é exatamente,” diz Rue. “Katniss, mesmo se nós consigamos
chegar à comida, como iríamos livrar-nos dela?”
“Queimando. Derrubando no lago. Ensopando-a com combustível.”
Cutuco Rue na barriga, como eu faria com Prim. “Comê-la!” Ela ri. “Não se
preocupe, pensarei em algo. Destruir coisas é muito mais fácil que
construí-las.”
Por enquanto, nós
escavamos raízes, juntamos bagas e verduras, planejamos uma estratégia em voz baixa.
E eu vim a conhecer Rue, a mais velha de seis crianças, protetora feroz de seus
irmãos, que dá suas rações para os mais novos, que explora os campos num
distrito onde os Pacificadores são bem menos gentis que os nossos. Rue, que
quando você a pergunta o que ela mais ama no mundo, responde, de todas as
coisas, “Música.”
“Música?” digo. No
nosso mundo, classifico música em algum lugar entre fitas de cabelo e arco-íris
em termos de inutilidade. Ao menos um arco-íris te dá uma indicação do tempo.
“Você tem muito tempo para isso?”
“Nós cantamos em
casa. No trabalho, também. É por isso que eu adoro seu broche,” ela diz,
apontando para o mockingjay do qual eu já tinha me esquecido.
“Você tem
mockingjays?” pergunto.
“Ah, sim. Tenho
alguns que são meus amigos especiais. Nós podemos cantar para trás e para
frente por horas. Eles carregam mensagens para mim,” ela diz.
“O que você quer
dizer?” digo.
“Geralmente sou a
maior, então sou a primeira a ver as penas que sinalizam o fim do tempo. Há uma
pequena música em especial que faço,” diz Rue. Ela abre a boca e canta uma
pequena execução de quatro notas numa voz clara e suave. “E os mockingjays a
espalham por todo o pomar. É como todos sabem que é a hora de parar,” ela
continua. “Eles podem ser perigosos entretanto, se você chegar muito perto de
seus ninhos. Mas você não podem culpá-los por isso.”
Eu libero o broche
e o dou para ela. “Aqui, pegue-o. Significa mais para você do que para mim.”
“Ah, não,” diz
Rue, fechando seus dedos para trás sobre o broche. “Eu gosto de vê-lo em você.
É como eu decidi que podia confiar em você. Além disso, eu tenho isso.” Ela
puxa um colar feito de algum tipo de erva de sua camisa. Nele está pendurado
uma estrela de madeira rudemente esculpida. “É um amuleto de boa sorte.”
“Bem, funcionou
até agora,” digo, prendendo o mockingjay de volta na minha camisa. “Talvez você
deva ficar com isso.”
No almoço, temos
um plano. No início da tarde, estamos prontas para executá-lo. Ajudo Rue a
coletar e colocar a madeira para as duas primeiras fogueiras, para a terceira
ela terá tempo sozinha. Decidimos nos encontrar depois do terreno onde comemos
nosso primeiro alimento juntas. O rio deve ajudar a me guiar de volta pra lá.
Antes de partir, tenho a certeza que Rue está bem estocada com comida e
fósforos. Até insisto que ela tome meu saco de dormir, no caso de não ser
possível nos encontrar no cair da noite.
“E você? Não terá frio?” ela pergunta.
“Não se eu pegar
outro saco no lago,” digo. “Sabe, roubar não é ilegal aqui,” digo com um
sorriso.
No último minuto,
Rue decide me ensinar seu sinal mockingjay, o que ela dá para indicar que o dia
de trabalho acabou. “Talvez não funcione. Mas se você ouvir mockingjays
cantando, saiba que estou bem, apenas não consegui voltar a tempo.”
“Há muito
mockingjays aqui?” Pergunto.
“Você não os viu?
Eles têm ninhos em todos os lugares,” diz. Tenho que admitir que não notei.
“Ok, então. Se
tudo for de acordo com o plano, verei você no jantar,” digo.
Inesperadamente,
Rue atira seus braços ao meu redor. Hesito apenas por um momento antes de
abraçá-la de volta.
“Seja cuidadosa,”
diz para mim.
“Você também,”
digo. Viro-me e volto para o rio, sentindo-me um pouco preocupada. Com Rue ser
assassinada, com Rue não ser assassinada e nós duas sendo deixadas por último,
com deixar Rue sozinha, com deixar Prim sozinha em casa. Não, Prim tem minha
mãe e Gale e um padeiro que prometeu que ela não terá fome. Rue tem apenas a
mim.
Quando alcanço o
lago, tenho só que seguir a descida para o lugar onde eu inicialmente fiquei
depois do ataque dos tracker jackers. Tenho que ser cautelosa enquanto me movo
ao longo da água, porque encontro meus pensamentos preocupados com perguntas
sem respostas, a maioria envolvendo Peeta. O canhão que atirou cedo essa manhã,
aquilo significava sua morte? Senso assim, como ele morreu? Nas mãos de um
Profissional? E foi uma vingança por ter me deixado viva? Eu me esforço de novo
para lembrar aquele momento sobre o corpo de Glimmer, quando ele apareceu entre
as árvores. Mas só o fato de que ele estava brilhando leva-me a duvidar de tudo
que aconteceu.
Devo ter me movido
muito devagar ontem porque alcanço o trecho raso onde tomei meu banho há poucas
horas. Paro para tornar a encher minha água e adicionar uma camada de lama a
minha mochila. Parece ter uma tendência a voltar ao laranja não importa quantas
vezes eu a cubra.
Minha proximidade
do acampamento dos Profissionais afia meus sentidos, e quanto mais perto fico
deles, mais ponderada sou, parando freqüentemente para tentar escutar sons anormais,
uma flecha já encaixada no meu arco. Não vejo nenhum tributo, mas noto algumas
das coisas que Rue mencionou. Pedaços de bagas doces. Um arbusto com as folhas
que curaram minhas picadas. Grupos dos ninhos de tracker jackers nas
vizinhanças da árvore em que eu estava presa. E aqui e acolá, um brilho
preto-e-branco da asa de um mockingjay nos galhos sobre a minha cabeça.
Quando alcanço a
árvore com o ninho abandonado, paro por um momento, para reunir coragem. Rue
deu instruções específicas sobre como chegar ao melhor lugar para espiar perto
do lago desse ponto. Lembre-se, digo para mim mesma. Você é
a caçadora agora, não eles. Seguro meu arco firme e continuo. Vou para o bosque
que Rue me disse e de novo tenho que admirar sua esperteza. É bem no limite da
floresta, mas a folhagem é tão espessa que posso facilmente observar o
acampamento dos Profissionais sem ser localizada. Entre nós está a extensão
plana onde os Games começaram.
Há quatro
tributos. O garoto do Distrito 1, Cato e a garota do Distrito 2, e um garoto
magro e pálido que deve ser do Distrito 3. Ele fez quase nenhuma impressão em
mim durante nosso tempo no Capital. Posso me lembrar quase nada sobre ele, nem
suas vestes, nem sua pontuação no treinamento, nem sua entrevista. Mesmo agora,
enquanto ele está sentida lá ocupando-se com algum tipo de caixa de plástico,
ele é facilmente ignorado na presença de seus grandes e dominantes
companheiros. Mas ele deve ser de algum valor ou eles não teria se incomodado
em deixá-lo vivo. Ainda assim, vê-lo apenas me dá uma sensação de
intranqüilidade quando ao motivo dos Profissionais possivelmente deixarem-no
como um guarda, por que eles permitiram que ele vivesse.
Todos os quatro
tributos parecem ainda estar se recuperando do ataque dos tracker jackers.
Mesmo daqui, posso ver os grandes pedaços inchados em seus corpos. Eles não
devem ter tido a consciência de remover os ferrões, ou se tiveram, não sabem
sobre as folhas que as curam. Aparentemente, quaisquer que sejam os remédios
que encontraram em Cornucópia foram ineficazes.
A Cornucópia está
na sua posição original, mas dentro deve ter sido limpo. A maioria dos
suprimentos, seguros em caixotes, sacos e caixas de plástico, está empilhada
ordenadamente em uma pirâmide, no que parece ser uma distância questionável do
acampamento. Outros estão espalhados ao redor do perímetro da pirâmide, quase
imitando o esboço de suprimentos ao redor da Cornucópia ao assalto dos Games. O
teto de tecido que, além de desencorajar os pássaros, parece ser uma proteção
inútil da pirâmide.
Toda a estrutura é
completamente complicada. A distância, a rede, e a presença do garoto do
Distrito 3. Uma coisa é certa, destruir aqueles suprimentos não vai ser tão
fácil quanto parece. Algum outro fator está em jogo aqui, e é melhor que eu
compreenda logo o que é. Meu palpite é que a pirâmide é uma armadilha de alguma
maneira. Penso em buracos escondidos, redes que caem, um segmento que quando
quebrado enviar um dardo venenoso no seu coração. Realmente, as possibilidades
são infinitas.
Enquanto penso nas
minhas opções, ouço Cato gritar. Ele está apontando para a floresta, muito além
de mim, e sem me virar sei que Rue deve ter acendido a fogueira. Tivemos a
certeza de juntar madeira verde para fazer a fumaça notável. Os Profissionais
começam a se armar imediatamente.
A discussão é
interrompida. Está alto o bastante para eu escutar que a preocupação é se o
garoto do Distrito 3 deveria ficar ou acompanhá-los.
“Ele vem.
Precisamos dele na floresta, e seu trabalho aqui está feito, de qualquer forma.
Ninguém pode tocar aqueles suprimentos,” diz Cato.
“E o Lover Boy?”
diz o garoto do Distrito 1.
“Eu continuo te dizendo, esqueça-o. Sei onde eu o cortei. É
um milagre que ele não sangrou até a morte ainda. De qualquer modo, ele não
está em condições de nos atacar,” diz Cato.
Então Peeta está
aí fora na floresta, gravemente ferido. Mas ainda estou no escuro sobre o que o
motivou a trair os Profissionais.
“Vamos,” diz Cato.
Ele empurra uma lança para as mãos do garoto do Distrito 3, e eles se deslocam
na direção do fogo. A última coisa que ouço enquanto eles entram na floresta é
Cato dizendo, “Quando nós a encontrarmos, eu a matarei no meu estilo, sem
ninguém interferir.”
De algum modo não
acho que ele está falando de Rue. Ela não derrubou um ninho de tracker jackers
nele.
Fico parada por
meia hora ou mais, tentando calcular o que fazer com os suprimentos. A única
vantagem que tenho com o arco e flecha é a distância. Eu podia mandar uma
flecha em chamas na pirâmide facilmente o bastante – sou boa o suficiente na
mira para acertar aquelas aberturas na rede – mas não há garantia de que pegue.
Mas provável que se queime e aí? Não conseguiria nada e daria a eles muita
informação minha. Que eu estava aqui, que tenho um cúmplice, que posso usar o
arco e flecha com precisão.
Não há
alternativa. Vou ter que me aproximar e ver se não posso descobrir o que
exatamente protege os suprimentos. Na realidade, estou quase me revelando
quando um movimento é capturado pelo meu olho. Algumas centenas de metros a
minha direita, vejo alguém emergir da floresta. Por um segundo, acho que é Rue,
mas então reconheço Foxface – ela é a única que nós não podíamos nos lembrar
essa manhã – rastejando para o plano. Quando decide que é seguro, ela corre
para a pirâmide, com passos rápidos e pequenos. Justo antes de alcançar o
círculo de suprimentos que foram espalhados ao redor da pirâmide, ela pára,
examina o chão, e cuidadosamente coloca seu pé em um ponto. Então começa a se
aproximar da pirâmide com pulinhos estranhos, às vezes parando sobre um pé,
oscilando levemente, às vezes arriscando poucos passos.
Num certo ponto,
ela se lança no ar, sobre um pequeno barril e pousa equilibrada nas pontas dos
pés. Mas ela erra o alvo um pouco, e seu ímpeto a joga para frente. Ouço-a dar
um berro agudo quando suas mãos batem no chão, mas nada acontece. Em um
momento, ela fica de pé e continua até alcançar a maior parte dos suprimentos.
Então, estou certa
quanto à armadilha explosiva, mas claramente é mais complexa do que imaginei.
Estava certa quanto à garota, também. Quão astuta ela é para ter descoberto
esse caminho até a comida e ser capaz de replicá-lo tão bem? Ela enche sua
bolsa, tomando alguns itens de uma variedade de recipientes, biscoitos de um
caixote, um punhado de maçãs de um saco que está suspenso numa corda do lado de
fora da caixa. Mas só um punhado de cada, não o bastante para indicar que tem
comida faltando. Não o bastante para causar suspeita. E depois ela está fazendo
sua dançinha estranha de volta para fora do círculo e corre para dentro da
floresta novamente, sã e salva.
Percebo que estou
cerrando os dentes de frustração. Foxface confirmou o que eu estava pensando.
Mas que tipo de armadilha eles armaram que requer tanta destreza? Tem tantos
pontos de gatilho? Porque ela gritou assim que suas mãos fizeram contato com a
terra? Você
pensaria... e rapidamente começa a surgir em mim... você
pensaria que todo o chão iria explodir.
“É minado,”
murmuro. Isso explica tudo. A disposição dos Profissionais de deixar seus
suprimentos, a reação de Foxface, o envolvimento com o garoto do Distrito 3,
onde eles têm fábricas, onde eles têm televisões e automóveis e explosivos. Mas
onde ele as conseguiu? Nos suprimentos? Esse não é o tipo de arma que os
Gamemakers geralmente dão, visto que eles gostam de ver tirarem sangue
pessoalmente. Saio dos arbustos e atravesso uma das placas metálicas que
elevaram os tributos para a arena. O chão ao redor dela foi escavado e colocado
de volta.
O campo minado foi
desativado depois dos sessenta segundo ficando sobre as placas, mas o garoto do
Distrito 3 deve ter dado um jeito de ativá-las. Nunca vi ninguém nos Games
fazer isso. Aposto que isso chocou até os Gamemakers.
Bem, viva para o
garoto do Distrito 3 por ativar mais de um deles, mas o que eu deveria fazer
agora? Obviamente, não posso ir passear nessa bagunça sem explodir. E quanto a
mandar uma flecha em chamas, isso é mais ridículo agora. As minas começam a
funcionar com a pressão. Não tem que ser muito, tampouco. Um ano, uma garota
derrubou sua lembrança, uma pequena bola de madeira, enquanto ela estava em sua
placa, e eles literalmente tiveram de limpar os seus pedaços do chão.
Meu braço é muito
bom, talvez seja capaz de atirar algumas lá e explodir o quê? Talvez uma mina?
Isso começaria uma reação em cadeia. Ou não? O garoto do Distrito 3 teria
colocado as minas de modo que uma única mina não perturbaria as outras?
Protegendo assim os suprimentos, e se assegurando da morte do invasor. Mesmo se
eu explodir de uma mina, trarei os Profissionais de volta com certeza. E de
qualquer forma, o que estou pensando? Há aquela rede, amarrada claramente para
desviar de tal ataque. Além disso, o que eu realmente precisaria é atirar
trinta pedras de uma vez só, desencadeando uma reação em cadeia, demolindo tudo.
Olho de volta para
a floresta. A fumaça do segundo fogo de Rue está se elevando em direção ao céu.
A essa hora, os Profissionais provavelmente já começaram a suspeitar de algum
tipo de truque. O tempo está correndo.
Há uma solução
para isso, sei que há, se eu puder me focar. Fito a pirâmide, as caixas, os
caixotes, pesadas demais para desmoronar com uma flecha. Talvez uma contenha
óleo de cozinha, e a idéia da flecha em chamas está revivendo quando noto que
posso acabar perdendo todas as vinte flechas e não conseguir um acerto na caixa
de óleo, como eu tinha adivinhado. Estou verdadeiramente pensando em tentar
recriar o caminho da Foxface para a pirâmide na esperança de encontrar um novo
meio para destruição quando meus olhos caem no saco de maçãs. Eu poderia cortar
a corda com um tiro, como fiz tanto no Centro de Treinamento? É um saco grande,
mas ainda assim talvez pode ser boa o bastante para apenas uma explosão. Se eu
apenas pudesse soltar todas as maçãs...
Sei o que fazer.
Passo para a pastagem e pego três flechas para fazer o trabalho. Coloco meus
pés com cuidado, bloqueando o resto do mundo enquanto miro meticulosamente. A
primeira
flecha rasga do lado da bolsa perto do topo, deixando uma
fenda no saco. A segunda amplia o buraco. Posso ver a primeira maçã balançando
quando lanço o terceiro arco, pegando o retalho rasgado e cortando-o do saco.
Por um momento, o
tempo parece congelar. E depois as maçãs caem no chão e sou jogada para trás.
17
O impacto com a
terra da planície compactada sob pressão me tira o fôlego. Minha mochila pouco
faz para suavizar o golpe. Felizmente meu coldre de flechas ficou preso na
curva do meu cotovelo, poupando tanto ele quanto o meu ombro, e minha flecha
está presa no meu aperto. O chão ainda treme com as explosões. Eu não consigo
ouvi-las. Eu não consigo ouvir nada no momento. Mas as maçãs devem ter ativado
o suficiente de minas, fazendo com que escombros ativassem as outras. Eu
consigo proteger meu rosto com meus braços enquanto pedaços despedaçados de
substâncias, algumas queimando, choviam ao meu redor. Uma fumaça ácida enche o
ar, o que não é o melhor remédio para alguém que está tentando recuperar a
habilidade de respirar.
Após cerca de um
minuto, o chão para de vibrar. Eu rolo de lado e me permito um momento de satisfação
ao ver a ruína fumegantes que recentemente fora a pirâmide. Provavelmente os
Profissionais não conseguirão salvar nada disso.
É melhor eu cair
fora daqui, eu penso. Eles virão diretamente para esse lugar. Mas, uma vez de
pé, eu percebo que escapar talvez não seja tão simples. Estou tonta. Não do
tipo ligeiramente instável, mas do tipo que faz as árvores precipitarem-se ao
seu redor e faz com que a terra se mova em ondas sob seus pés.
Eu dou alguns
passos e de algum modo acabo de quatro. Eu espero alguns minutos para fazer
isso passar, mas não passa.
Pânico começa a se
assentar. Eu não posso ficar aqui. Fugir é essencial.
Mas eu não posso
tampouco andar ou escutar. Eu coloco uma mão no meu ouvido esquerdo, aquele que
estava virado na direção da explosão, e ela sai sangrenta. Eu fiquei surda da
explosão? A ideia me apavora. Eu confio tanto nos meus ouvidos quanto nos meus
olhos como caçadora, talvez mais às vezes. Mas eu não posso deixar meu medo
aparecer. Absolutamente, positivamente, eu estou ao vivo em cada tela em Panem.
Nada de rastros de sangue, eu digo a mim mesma, e consigo
puxar meu capuz sobre minha cabeça, amarrar a corda sob meu queixo com dedos
não cooperantes. Isso deve ajudar a enxugar o sangue. Eu não consigo andar, mas
consigo rastejar? Eu me movo para frente em tentativa. Sim, se eu for bem
devagar, eu consigo rastejar. A maior parte da floresta oferecerá uma cobertura
insuficiente.
Minha única
esperança é voltar à maranha da Rue e me esconder na folhagem. Eu não posso ser
pega aqui de quatro no aberto. Não só eu vou enfrentar a morte, mas com certeza
será uma longa e dolorosa pelas mãos de Cato. Pensar que Prim teria que
assistir isso me mantém obstinadamente indo em direção, centímetro por
centímetro, ao esconderijo.
Outra explosão me
golpeia e me põe de cara no chão. Uma mina errante, disparada por um engradado
desmoronando. Isso acontece mais duas vezes. Eu sou lembrada daquelas últimas
sementes que estouram quando Prim e eu estouramos pipoca no fogo em casa.
Dizer que eu escapei
no último segundo é uma atenuação. Eu literalmente acabei de me arrastar para o
amontoado na base das árvores quando sai Cato, movimentando-se em alta
velocidade no aberto, logo seguido por seus companheiros. Sua raiva é tão
extrema que podia ser cômica – então as pessoas realmente arrancam seus cabelos
e batem no chão com seus punhos – se eu não soubesse que estava direcionada a
mim, ao que eu tinha feito a ele. Acrescente a isso a minha proximidade, minha
inabilidade de correr ou me defender, e de fato, o negócio todo tinha me
apavorado. Estou feliz por meu esconderijo tornar impossível que as câmeras
deem uma olhada de perto em mim, porque estou roendo minhas unhas como se não
houvesse amanhã. Mordiscando os últimos pedaços de esmalte, tentando impedir
meus dentes de trepidarem.
O garoto do
Distrito 3 joga pedras nas ruínas e deve ter declarado que todas as minhas
foram ativadas, porque os Profissionais estão se aproximando dos destroços.
Cato terminou a
primeira fase de seu ataque de raiva e desconta sua raiva nos restantes
fumegantes ao chutar vários recipientes abertos. Os outros tributos estão
cutucando a baderna, procurando algo para salvar, mas não há nada. O garoto do
Distrito 3 fez seu trabalho bem demais. Essa ideia deve ocorrer ao Cato também,
porque ele se vira para o garoto e parece estar gritando com ele. O garoto do
Distrito 3 só tem tempo de se virar e correr antes que Cato o prenda com uma
chave de braço de costas. Eu consigo ver a ondulação dos músculos nos braços de
Cato enquanto ele dá um solavanco severo na cabeça do garoto para o lado.
Foi rápida assim.
A morta do garoto do Distrito 3.
Os outros dois
Profissionais pareciam estar tentando acalmar Cato. Eu consigo afirmar que ele
quer voltar para a floresta, mas eles ficam apontando para o céu, o que me
confunde até que eu percebo, É claro. Eles acham que quem quer que tenha
acionado as explosões está morto.
Eles não sabem
sobre as flechas e as maçãs. Eles presumem que a armadilha explosiva foi à
culpada, mas que o tributo que explodiu os suprimentos foi morto fazendo isso.
Se tivesse havido um tiro de canhão, ele poderia ter sido perdido facilmente
nas explosões subsequentes.
Os restos despedaçados do ladrão removidos pelo aerobarco.
Eles se retiram
para o lado mais distante do lago para permitir que os Gamemakers recuperem o
corpo do garoto do Distrito 3. E eles esperam. Eu acho que um canhão é
disparado. Um aerobarco aparece e leva o garoto morto. O sol mergulha abaixo do
horizonte. A noite cai. No céu, eu vejo o selo e sei que o hino deve ter
começado. Um momento de escuridão. Eles mostram o garoto do Distrito 3. Eles
mostram o garoto do Distrito 10, que deve ter morrido essa manhã. Então o selo
reaparece. Então, agora eles sabem.
O bombardeador
sobreviveu. Na luz do selo, eu consigo ver Cato e a garota do Distrito 2
colocarem seus óculos de visão noturna. O garoto do Distrito 1 acende um galho
de árvore para fazer uma tocha, iluminando a determinação amarga no rosto de
todos. Os Profissionais caminham de volta à floresta para caçar.
A tontura diminuiu
e embora meu ouvido esquerdo ainda esteja ensurdecido, eu consigo ouvir um
zumbido no meu direito, o que parece ser um bom sinal. Não há razão para deixar
o meu esconderijo, contudo. Eu estou tão segura quanto posso estar, aqui na cena
do crime. Eles provavelmente acham que o bombardeador tem uma vantagem de duas
ou três horas sobre eles.
Ainda assim, passa
um tempão antes de eu arriscar um movimento.
A primeira coisa
que eu faço é procurar meus próprios óculos e coloca-los, o que me relaxa um
pouco, ter pelo menos um dos meus sentidos de caçadora funcionando. Eu bebo um
pouco de água e limpo o sangue da minha orelha. Temendo que o cheiro de carne
atraia predadores não desejados – sangue fresco já é ruim o bastante – eu faço
uma bela refeição de verduras frescas e raízes e bagas que Rue e eu coletamos
hoje.
Onde está a minha
pequena aliada? Ela conseguiu voltar para o local de encontro? Ela está
preocupada comigo? Pelo menos o céu mostrou que estamos vivas.
Eu contei
rapidamente os tributos sobreviventes nos meus dedos. O garoto do 1, ambos do
2, Foxface, ambos do 11 e 12. Somente oito de nós. As apostas deviam estar
ficando muito quentes no Capital.
Eles farão
especiais sobre cada um de nós agora. Provavelmente entrevistarão nossos amigos
e familiares. Faz muito tempo desde que um tributo do Distrito 12 chegou ao top
oito. E agora há dois de nós. Embora pelo que Cato dissera, Peeta está prestes
a sair. Não que Cato seja o especialista em qualquer coisa. Ele não tinha
acabado de perder seu estoque inteiro de suprimentos?
Que comece o
septuagésimo quarto Hunger Games, Cato, eu penso. Que ele comece de verdade.
Uma brisa gelada
surgiu. Eu alcanço meu saco de dormir antes de lembrar que eu o deixei com a
Rue. Eu devia pegar outro, mas com as minas e tudo, eu esqueci. Eu começo a
tremer. Já que pernoitar durante a noite em uma árvore não é sensato, de
qualquer forma, eu afundo em um buraco sob os arbustos e me cubro com folhas de
pinheiros. Eu ainda estou congelando. Eu
estendo minha coberta de plástico sobre a parte superior do
meu corpo e posiciono minha mochila para bloquear o vento. É um pouco melhor.
Eu começo a ter mais empatia pela garota do Distrito 8 que acendeu uma fogueia
naquela primeira noite.
Mas agora sou eu
quem precisa cerrar meus dentes e aguentar até de manhã. Mais folhas, mais
folhas de pinheiro. Eu enfio meus braços dentro da minha jaqueta e puxo meus
joelhos até meu peito. De algum modo, eu adormeço.
Quando eu abro
meus olhos, o mundo parece ligeiramente fraturado, e levo um minuto para
perceber que o sol deve estar bem acima e que o óculos fragmenta a minha visão.
Enquanto eu sento e removo-os, eu ouço uma risada em algum lugar perto do lago
e congelo. A risada está distorcida, mas o fato de que ela é registrada significa
que eu devo estar recuperando minha audição. Sim, meu ouvido direito consegue
escutar novamente, apesar de estar zumbindo. Quanto ao ouvido esquerdo, pelo
menos o sangramento parou.
Eu espio entre os
arbustos, com medo de que os Profissionais tenham retornado, me prendendo aqui
por um tempo indefinido. Não, é a Foxface, de pé nos escombros da pirâmide e
rindo. Ela é mais esperta que a maioria dos Profissionais, realmente achando
alguns itens úteis nas cinzas. Um pote de metal. A lâmina de uma faca. Estou
perplexa por seu divertimento até que eu percebo que com as provisões dos
Profissionais eliminadas, ela realmente pode ter uma chance. Exatamente como o
resto de nós. Passa pela minha cabeça me revelar recruta-la como uma segunda
aliada contra o bando. Mas eu descarto. Há algo naquele sorriso astucioso que
me faz ter certeza que ao fazer amizade com a Foxface eu iria no fim ganhar uma
facada pelas costas. Com isso em mente, essa pode ser uma ótima hora para
atirar nela. Mas ela ouviu algo, não eu, porque sua cabeça vira para longe, na
direção da declinação, e ela corre a toda velocidade para a floresta. Eu
espero. Ninguém, nada aparece. Ainda assim, se a Foxface achou que era
perigoso, talvez seja hora de eu sair daqui também. Além do mais, eu estou ansiosa
para contar a Rue sobre a pirâmide.
Já que eu não faço
ideia sobre onde os Profissionais estão, a rota de volta pelo riacho parece tão
boa quanto qualquer outra. Eu me apresso, arco carregado em uma mão, um pedaço
grande de groosling frio na outra, porque eu estou esfomeada agora, e não só de
folhas e bagas, mas de gordura e proteína da carne. A viagem para o riacho é
rotineira. Uma vez lá, eu reencho minha água e me limpo, tomando um cuidado
particular com meu ouvido machucado. Então eu viajo colina acima usando o
riacho como guia.
Uma hora, eu acho
pegadas de botas na lama pela margem. Os Profissionais estiveram aqui, mas faz
tempo. As pegadas são profundas porque foram feitas na lama fofa, mas agora
elas quase secaram no sol quente. Eu não fui cuidadosa o bastante quanto ao meu
próprio rastro, contando com uma pegada leve e as folhas de pinheiro para
esconder meus passos. Agora eu retiro minhas botas e meias e fico descalça no
leito do riacho.
A água gelada tem
um efeito revigorante no meu corpo, no meu espírito. Eu capturo dois peixes,
presas fáceis nesse riacho vagaroso, e vou e como um cru, apesar de ter acabado
de comer o groosling. O segundo eu salvo para Rue.
Gradualmente, sutilmente, o zumbido no meu ouvido direito
diminuiu até que vai embora inteiramente. Eu me acho tocando a minha orelha
esquerda periodicamente, tentando afastar o que quer que enfraqueça sua
habilidade de coletar sons. Se há alguma melhora, não é detectável. Eu não
consigo me ajustar à surdez. Isso me faz sentir desequilibrada e indefesa na
minha esquerda. Até mesmo cega. Minha cabeça fica virando para o lado
machucado, enquanto minha orelha direita tenta compensar pela parede de nada
onde ontem havia um fluxo constante de informação. Quanto mais o tempo passa,
menos esperança eu tenho de que esse é um machucado que irá sarar.
Quando eu alcanço
o local do nosso primeiro encontro, eu tenho certeza de que não foi violado.
Não há sinal da Rue, não no chão ou nas árvores. Isso é estranho. Ela já devia
ter retornado, já que é meio dia. Indubitavelmente, ela passou a noite numa
árvore em algum lugar. O que mais ela poderia fazer sem luz e com os
Profissionais com seus óculos de visão noturna vagueando pela floresta. E a
terceira fogueira que ela devia acender – apesar de eu ter esquecido de
procurá-la na noite passada – era a mais distante do nosso local. Ela
provavelmente só está sendo cuidadosa ao voltar.
Eu gostaria que
ela se apressasse, porque eu não quero ficar andando por aqui por muito tempo.
Eu quero passar a tarde viajando para terrenos mais altos, caçando pelo
caminho. Mas não há realmente nada para mim fazer exceto esperar.
Eu lavo o sangue
da minha jaqueta e o cabelo e limpo minha crescente lista de ferimentos. As
queimaduras estão muito melhores, mas eu coloco um pouco de remédio nelas de
qualquer modo. A coisa principal a se preocupar agora é impedir a infecção de
se espalhar. Eu vou em frente e como o segundo peixe. Ele não vai durar muito
no sol quente, mas deve ser fácil o bastante pegar alguns mais com uma lança
para a Rue. Se ela apenas aparecesse.
Me sentindo muito
vulnerável no solo com a minha audição desequilibrada, eu escalo uma árvore
para esperar. Se os Profissionais aparecerem, esse será um bom lugar para
atirar neles. O sol se move lentamente. Eu faço coisas para passar o tempo.
Mastigo folhas e aplico-as às minhas picadas, que estão reduzidas, mas ainda
delicadas. Penteio meu cabelo úmido com meus dedos e faço uma trança. Enlaço
minhas botas. Checo meu arco e minhas nove flechas restantes. Testo meu ouvido
esquerdo repetitivamente por sinais de vida ao farfalhar uma folha perto dele,
mas sem bons resultados.
Apesar do
groosling e do peixe, meu estômago está rosnando, e eu sei que vou ter o que
chamamos de dia vazio lá no Distrito 12. Esse é um dia onde não importa o que
você coloca na sua barriga, nunca é o bastante. Não ter nada a fazer exceto
sentar em uma árvore piora, então eu decido desistir. Afinal de contas, eu
perdi muito peso na arena, eu preciso de algumas calorias extras. E ter o arco
e as flechas me deixa muito mais confiante sobre meus prospectos futuros.
Eu lentamente
descasco e como um punhado de nozes. Minha última bolacha. O pescoço do
groosling. Isso é bom porque leva tempo para limpar. Finalmente, uma asa de
groosling e o pássaro é história. Mas é um dia vazio, e mesmo com tudo isso eu
começo a sonhar acordada com comida. Particularmente com os pratos imorais
servidos em Capital. O frango no molho cremoso de laranja. Os bolos e pudins.
Pão com manteiga. Macarrão com molho verde. O
carneiro e guisado de ameixa seca. Eu chupo algumas folhas
de menta e digo a mim mesma para superar isso. A menta é boa porque geralmente
bebemos chá de menta após o jantar, então engana o meu estômago, fazendo-o
pensar que a hora de comer passou. Mais ou menos.
Pendurada na
árvore, com o sol me esquentando, um punhado de menta, meu arco e flechas a
mão... esse é o mais perto de relaxar que eu estive desde que entrei na arena.
Se apenas a Rue aparecesse, e nós pudéssemos ir embora. À medida que as sombras
crescem, minha inquietação crescia também. Ao fim da tarde, eu resolvo ir
procura-la. Eu posso, pelo menos, visitar o local onde ela acendeu a terceira
fogueira e ver se há alguma pista sobre seu paradeiro. Antes que eu vá, eu
espalho algumas folhas de menta ao redor da nossa velha fogueira de
acampamento. Já que as coletamos a uma boa distância, Rue entenderá que eu
estive aqui, enquanto elas não significavam nada para os Profissionais.
Em menos de uma
hora, estou no lugar onde concordamos em acender a terceira fogueira e eu sei
que algo deu errado. A madeira fora arrumada primorosamente, espalhada
habilidosamente com estopim, mas nunca fora acessa. Rue montou a fogueira, mas
nunca voltou aqui. De algum modo entre a segunda coluna de fumaça que eu espiei
antes de explodir os suprimentos e esse local, ela se encrencou.
Eu tenho que me
lembrar que ela ainda está viva. Ou não está? Será que houve um tiro do canhão
anunciando sua morte nas horas matinais quando até mesmo o meu bom ouvido
estava danificado demais para captar? Ela aparecerá no céu hoje à noite? Não,
eu me recuso a acreditar nisso. Poderia haver uma centena de outras
explicações. Ela poderia ter se perdido. Encontrado um bando de predadores ou
outro tributo, como Thresh, e teve que se esconder. O que quer que tenha
acontecido, tenho quase certeza de que ela está presa em algum lugar, em algum
lugar entre a segunda fogueira e a não acesa aos meus pés. Algo está mantendo-a
em cima de uma árvore.
Eu acho que vou
caçá-lo.
É um alívio estar
fazendo algo após sentar por toda à tarde. Eu me arrasto silenciosamente pelas
sombras, deixando-as me esconderem. Mas nada parece suspeito. Não havia sinal
de nenhum tipo de luta, nenhum rompimento de folhas no chão. Eu paro por apenas
um momento quando ouço. Eu tenho que inclinar minha cabeça para o lado para ter
certeza, mas ali está ele de novo. A canção de quatro notas da Rue saindo da
boca de um mockinjay. Aquela que quer dizer que ela está bem.
Eu sorrio e me
movo na direção do pássaro. Outro, a apenas uma pequena distância, pega o
punhado de notas. Rue estivera cantando para eles, e recentemente. De outro
modo, eles teriam pego outra canção. Meus olhos se levantam para as árvores,
procurando por um sinal dela. Eu engulo em seco e canto suavemente de volta, esperando
que ela saiba que é seguro se juntar a mim. Um mockingjay repete a melodia para
mim. E é aí que eu ouço o grito.
É o grito de uma
criança, o grito de uma menina, não há ninguém na arena capaz de fazer esse som
exceto Rue. E agora eu estou correndo, sabendo que isso pode ser uma armadilha,
sabendo que os três Profissionais podem estar aprumados para
me atacar, mas eu não consigo evitar.
Há outro grito
agudo, dessa vez o meu nome. “Katniss! Katniss!”
“Rue!” eu grito de
volta, para que ela saiba que estou por perto. Então, eles sabem que estou por
perto, e com sorte a garota que os atacou com os tracker jackers e tirou um
onze que eles ainda não conseguem explicar será o bastante para tirar a atenção
deles dela. “Rue! Estou indo!”
Quando eu chego na
clareira, ela está no chão, irremediavelmente presa numa rede. Ela só tem tempo
de esticar sua mão pela rede e dizer meu nome antes que a lança entre em seu
corpo.
18
O garoto do
Distrito 1 morre antes que possa arrancar a lança. Minha flecha entra no centro
do seu pescoço. Ele cai de joelhos e divide o breve resto da sua vida em tirar
a flecha e se afogar em seu próprio sangue. Eu carrego novamente, movendo minha
mira de um lado para o outro, enquanto grito para Rue, “Há mais? Há mais?”
Ela tem que dizer
várias vezes antes de eu ouvir. Rue rolou de lado, seu corpo curvado para
dentro e ao redor da lança. Empurro o garoto para longe dela e puxo minha faca,
libertando-a da rede. Uma olhada na ferida e sei que está além da minha
capacidade de curar, além da de qualquer um, provavelmente. A ponta da lança
está enterrada até o cabo em seu estômago. Eu me encolho ante a ela, encarando
desamparadamente a arma cravada. Não há sentido em palavras de conforto, em
dizer a ela que ela ficará bem. Não é tola. Sua mão se estende e a agarro como
se fosse a linha da vida. Como se fosse eu que estivesse morrendo em vez dela.
“Você explodiu a
comida?” ela sussurra.
“Cada pedaço,”
digo.
“Você tem que
ganhar,” diz.
“Eu vou. Vou
ganhar por nós duas agora,” prometo. Ouço um canhão e olho para cima. Deve ser
pelo garoto do Distrito 1.
“Não vá.” Rue
aperta sua mão na minha.
“Claro que não. Estou bem aqui,” digo. Eu me aproximo dela,
puxando sua cabeça para o meu colo. Gentilmente afago o cabelo grosso e escuro
atrás de seu ouvido.
“Cante,” ela diz,
mas eu mal capturo a palavra.
Cantar? Penso.
Cantar o quê? Sei algumas músicas. Acredite ou não, havia música na minha casa
também. Músicas que eu ajudei a escrever. Meu pai me pressionava com aquela voz
notável – mas não canto desde sua morte. Exceto quando Prim está muito doente.
Então canto para ela as mesmas músicas que ela gostava quando bebê.
Cantar. Minha
garganta está apertada com as lágrimas, rouca por causa da fumaça e fatigada.
Mas se esse é o último pedido de Prim, quer dizer, de Rue, tenho que ao menos
tentar. A música que vem para mim é uma canção de ninar simples, uma que
cantamos para bebês irritados e famintos dormirem. É velha, muito velha, acho.
Feita há muito tempo em nossas colinas. O que meu professor de música chama de
ar da montanha. Mas as palavras são fáceis e suaves, prometendo que o amanhã
será mais promissor que esse terrível pedaço de tempo que chamamos de hoje.
Dou uma pequena
tosse, limpo a garganta, e começo:
Bem dentro da
campina, sob o salgueiro
Uma cama de grama,
um macio travesseiro verde
Deite sua cabeça,
e feche seus olhos sonolentos
E quando de novo
eles abrirem, o sol nascerá.
Aqui é seguro,
aqui é quente
Aqui as margaridas
te guardam de qualquer dano
Aqui seus sonhos
são doces e o amanhã os tornará verdadeiros
Aqui é o lugar
onde eu te amo.
Os olhos de Rue se
fecharam. Seu peito se move, mas apenas suavemente. Minha garganta libera as
lágrimas e elas descem pelas minhas bochechas. Mas tenho que terminar a música
por ela.
Bem dentro da
campina, escondido longe
Um manto de
folhas, um raio de lua irradia
Esqueça suas tristezas e deixe seus problemas aquietarem
E quando de novo
for amanhã, eles irão partir.
Aqui é seguro,
aqui é quente
Aqui as margaridas
te guardam de qualquer dano
As linhas finais
mal são audíveis.
Aqui seus sonhos
são doces e o amanhã os tornará verdadeiros
Aqui é o lugar
onde eu te amo.
Tudo está parado e
quieto. Então, de modo quase assustador, os mockingjays recolhem minha música.
Por um momento,
fico sentada lá, observando minhas lágrimas caírem em seu rosto. O canhão de
Rue dispara. Eu me inclino para frente e pressiono meus lábios contra sua
testa. Devagar, como se para não acordá-la, deito sua cabeça no chão e libero
sua mão.
Eles vão querer
que eu saia daqui. Assim eles podem coletar os corpos. E não há nada pelo que
ficar. Viro o garoto do Distrito 1 sob seu rosto e pego sua mochila, retomo a
flecha que acabou com sua vida. Corto da mochila de Rue de suas costas também,
sabendo que ela iria querer que eu pegasse-a, mas deixasse a lança em seu
estômago. Armas nos corpos serão transportadas para o aerobarco. A lança não
tem nenhuma utilidade para mim, então quanto mais cedo ela se for, melhor.
Não posso parar de
olhar para Rue, menor do que nunca, um filhote encolhido num ninho. Não posso
deixá-la assim. Passado o dano, mas parecendo completamente indefesa. Odiar o
garoto do Distrito 1, que também parece tão vulnerável na morte, parece
impróprio. É o Capital que eu odeio, por fazer isso com todos nós.
A voz de Gale está
na minha cabeça. Sua fúria contra o Capital não mais à toa, não mais para ser
ignorada. A morte de Rue me forçou a confrontar minha própria fúria contra a
crueldade, a injustiça a qual eles nos infligem. Mas aqui, mesmo mais forte do
que em casa, sinto minha impotência. Não há como ter vingança contra o Capital.
Há?
Então me lembro
das palavras de Peeta no terraço. “Só continuo desejando que eu pudesse pensar
num modo de... mostrar ao Capital que eles não são donos de mim. Que eu sou
mais que um pedaço em seus Games”. E pela primeira vez, compreendo o que ele
quis dizer.
Eu quero fazer alguma coisa, aqui, agora, para
envergonhá-los, para responsabilizá-los, para mostrar ao Capital que não
importa o que eles nos forcem a fazer existe uma parte de cada tributo que eles
não podem comandar. Que Rue foi mais que um pedaço em seus Games. E eu também.
Eles vão ter que
exibir isso. Ou, mesmo se eles escolham virar as câmeras para outro lugar nesse
momento, eles vão ter que trazê-las de volta quando coletarem seus corpos e
todos a verão então e saberão que fui eu que fiz. Dou um passo para trás e dou
uma última olhada para Rue. Ela realmente poderia estar dormindo na campina,
apesar de tudo.
“Tchau, Rue,”
sussurro. Pressiono os três dedos do meio da minha mão esquerda contra meus
lábios e estendo-os em sua direção. Então me afasto sem olhar para trás.
Os pássaros estão
silenciosos. Em algum lugar, um mockingjay dá o assobio de aviso que precede um
aerobarco. Não sei como ele sabe. Deve ouvir coisas que os humanos não podem.
Eu paro, meus olhos focados no que está adiante, não no que está acontecendo
atrás de mim. Não leva muito tempo, e a usual música dos pássaros recomeçam e
sei que ela se foi.
Outro mockingjay,
um jovem pelo que parece, pousa num galho ante a mim e irrompe na melodia de
Rue.
Minha música, o
aerobarco, eram estranhas demais para esse novato pegar, mas ele dominou um
punhado de suas notas. As que dizem que está a salvo.
“Sã e salva,” digo
enquanto passo por baixo do galho. “Não temos de nos preocupar com ela agora.”
Sã e salva.
Não tenho idéia de
onde ir. A breve sensação de lar que tive naquela noite com Rue sumiu. Meus pés
vagam por aqui e acolá até pôr-do-sol. Não estou com medo, nem mesmo alerta. O
que me faz um alvo fácil. Exceto que matarei qualquer um que eu encontrar
agora. Sem emoção ou o mais suave tremor em minhas mãos. Meu ódio pelo Capital
não diminuiu nem um pouco meu ódio pelos competidores. Especialmente pelos
Profissionais. Eles, pelo menos, podem pagar pela morte de Rue.
Ninguém se
materializa, entretanto. Não há muito de nós e é uma grande arena. Em breve
eles serão empurrados por alguma armadilha para nos forçar a nos juntar. Mas
houve bastante sangue hoje. Talvez nós consigamos dormir.
Estou puxando
minha mochila numa árvore para acampar quando um paraquedas prateado cai ante a
mim. Um presente dos patrocinadores. Mas por que agora? Estou em uma boa
condição de suprimentos. Talvez Haymitch notou meu desânimo e está tentando me
animar um pouco. Ou pode ser algo para ajudar meu ouvido?
Abro o paraquedas
e encontro um pequeno pão. Não é tão pão branco e suave do Capital. É feito de
grão de ração escura e em forma de um crescente. Polvilhado com sementes. Eu
relembro a lição de Peeta sobre os vários pães dos distritos no Centro de
Treinamento. Esse pão veio do Distrito 11. Eu cuidadosamente levando o pão
ainda quente. Quanto deve custar para as pessoas do Distrito 11, que não podem
nem mesmo se alimentarem? Quantos devem
ter dado uma moeda para juntar o suficiente por esse pão?
Isso é por Rue, certamente. Mas em vez de perder o presente quando ela morreu,
eles autorizaram Haymitch a dá-lo para mim. Como um agradecimento? Ou porque,
como eu, eles não gostem de débitos? Por qualquer razão, esse é o primeiro. Um
presente de um distrito para um tributo que não é dos seus.
Eu levanto meu
rosto e dou um passo para os últimos raios de luz do pôr-do-sol. “Meu obrigado
para as pessoas do Distrito Onze,” digo. Quero que eles saibam que sei de onde
veio. Que todo o valor do presente foi reconhecido.
Subo perigosamente
alto na árvore, não por segurança, mas para ficar tão longe quanto posso. Meu
saco de dormir está dobrado de modo organizado na mochila da Rue. Amanhã vou
ordenar os suprimentos. Amanhã vou fazer um novo plano. Mas hoje à noite, tudo
que posso fazer é me segurar e comer alguns pedaços de pão. É bom. Tem gosto
caseiro.
Logo o sinal está
no céu, e o hino toca no meu ouvido direito. Vejo o garoto do Distrito 1, Rue.
É tudo por essa noite. Sobraram seis de nós, penso. Apenas seis. Com o pão
ainda preso em minhas mãos, eu caio no sono imediatamente.
Às vezes, quando
as coisas estão particularmente ruins, meu cérebro me dá um sonho feliz. Uma
visita do meu pai na floresta. Uma hora de luz do sol e bolo com Prim. Hoje à
noite me dá Rue, ainda enfeitada com suas flores, empoleirada no alto mar de
árvores, tentando me ensinar como conversar com os mockingjays. Não vejo nenhum
sinal de suas feridas, nenhum sangue, apenas uma garota brilhante e risonha.
Ela canta músicas que nunca ouvi numa voz melódica e clara. Continuamente.
Através da noite. Há um período sonolento no qual posso ouvir as últimas notas
de sua música embora ela esteja perdida nas folhas. Quando acordo, estou momentaneamente
confortada. Tento segurar a sensação pacífica do sonho, mas ela rapidamente
desaparece, deixando-me mais triste e sozinha que nunca.
Lentidão impregna
todo meu corpo, como se houvesse líquido em minhas veias. Perdi a vontade de
fazer até as tarefas mais simples, para fazer nada além de deixar aqui,
encarando cegamente a cobertura de folhas. Por algumas horas, permaneço sem me
mover. Como sempre, é a pensamento do rosto ansioso de Prim enquanto ela me
assiste nas telas em casa que me tira da letargia.
Eu me dou uma
série de comandos simples a seguir, como “Agora você tem de se sentar, Katniss.
Agora você tem de beber água, Katniss.” Obedeço as ordens com movimentos lentos
e robóticos. “Agora você tem de ordenar as bolsas, Katniss.”
Na bolsa de Rue
está meu saco de dormir, seu quase vazio odre de água, um punhado de nozes e
raízes, um pedaço do coelho, suas meias extras, e sua munição. O garoto do
Distrito 1 tem algumas facas, duas pontas de lança de reposição, uma lanterna,
uma pequena bolsa de couro, um estojo de primeiros socorros, uma garrafa cheia
de água, e um pacote de frutas secas. Um pacote de frutas secas! De todo que
ele poderia ter escolhido. Para mim, esse é um sinal de extrema arrogância. Por
que se incomodar em carregar comida quando você tem tal generosidade de volta
ao acampamento? Quando você vai matar seus inimigos tão rapidamente que você
estará de volta a casa antes de ficar com fome? Posso apenas esperar
que os outros Profissionais se preocupem tão pouco com
comida e agora se encontrem sem nada.
Falando nisso,
meus próprios suprimentos estão baixos. Termino o pão do Distrito 11 e o resto
do coelho. Como começou, desapareceu rápido. Tudo que restou são as raízes e
nozes de Rue, as frutas secas do garoto, e um pedaço de bife. Agora você tem de
caçar, Katniss, digo a mim mesma.
Obedientemente
guardo os suprimentos que quero na minha bolsa. Depois de descer da árvore,
escondo as facas e as pontas de lança do garoto numa pilha de pedras para que
ninguém mais posa usá-las. Perdi meu rumo com toda a perambulação que diz ontem
de tarde, mas tento e volto na direção do riacho. Sei que estou no curso quando
passo pela terceira fogueira apagada de Rue. Pouco depois, descubro um grupo de
pássaros empoleirado nas árvores e consigo tomar três antes de eles perceberem
o que os atingiu. Retorno para o sinal de fogo de Rue e acendo-o, não me
importando com a fumaça excessiva. Onde você está, Cato? Penso enquanto asso os
pássaros e as raízes de Rue. Estou esperando bem aqui.
Quem sabe onde os
Profissionais estão agora? Ou muito longe para me alcançar ou muito certos de
que esse é um truque ou... é possível? Muito apavorados comigo? Eles sabem que
eu tenho um arco e flechas, é claro, Cato me viu tirá-los do corpo de Glimmer,
mas eles já somaram dois mais dois? Descobriram que eu explodi os suprimentos e
matei o companheiro Profissional deles? Possivelmente eles acham que Thresh fez
isso. Seria mais fácil ele vingar a morte de Rue do que eu? Sendo do mesmo
distrito? Não que ele já teve algum interesse nela.
E Foxface? Ela
estava por ali para observar eu explodir os suprimentos? Não. Quando a peguei
rindo nas cinzas na manhã seguinte, foi como se alguém tivesse dado a ela uma
linda surpresa.
Duvido que eles
pensem que Peeta acendeu esse sinal de fogo. Cato está certo de que ele está
morto. Encontro-me desejando poder contar a Peeta sobre as flores que coloquei
sobre Rue. Que agora entendo o que ele estava tentando dizer no telhado. Talvez
se ele ganhar os Games, ele me verá na noite do vencedor, quando eles exibirem
novamente os destaques dos Games na tela sobre o palco onde fizemos nossas
entrevistas. O ganhador se senta num lugar de honra na plataforma, rodeado por
sua equipe de suporte.
Mas eu falei para
Rue que eu estaria lá. Por nós duas. E de alguma forma isso parece até mais
importante que a promessa que fiz a Prim.
Eu realmente penso
que tenho uma chance de fazer agora. Ganhar. Não é só ter flechas e ser mais
inteligente que os Profissionais algumas vezes, embora essas coisas ajudem. Às
vezes acontece quando eu estava segurando a mão de Rue, observando a vida ser
drenada dela. Agora estou determinada a vingá-la, a fazer sua perda
inesquecível, e posso apenas fazer isso ganhando e através disso me fazendo
inesquecível.
Eu asso demais os
pássaros esperando que alguém apareça para atirar, mas ninguém aparece. Talvez
os outros tributos estejam por aí batendo em alguém até a morte. O que seria
bom. Desde o banho de sangue, eu fui apresentada nas telas mais do que me
importaria.
Eventualmente, enrolo minha comida e volta ao riacho para
tornar a encher minha água e tomar alguma. Mas a indolência da manhã volta e
embora seja apenas o início da tarde, subo numa árvore e me organizo para a
noite. Meu cérebro começa a repetir os eventos de ontem. Continuo vendo Rue ser
furada com a lança, minha flecha atingindo o pescoço do garoto. Não sei nem por
que eu me importo com o garoto.
Então percebo...
ele foi minha primeira presa.
Junto com outras
estatísticas que eles reportam para ajudar as pessoas a escolher suas apostas,
cada tributo tem uma lista de mortes. Acho que tecnicamente tenho crédito por
Glimmer e pela garota do Distrito 4, também, por derrubar o ninho sobre elas.
Mas o garoto do Distrito 1 foi a primeira pessoa que eu sabia que morreria pelas
minhas ações. Numerosos animais perderam suas vidas pelas minhas mãos, mas
apenas um humano. Ouço Gale dizendo, “Que diferença pode ser, realmente?”
Incrivelmente
similar na execução. Um arco puxado, uma flecha atirada. Inteiramente diferente
nas consequências. Matei o garoto cujo nome nem mesmo sei. Em algum lugar sua
família está chorando por ele. Seus amigos clamam por meu sangue. Talvez ele
tinha uma namorada que realmente acreditava que ele retornaria...
Mas então penso no
corpo imóvel de Rue e sou capaz de banir o garoto da minha mente. Ao menos, por
ora.
Foi um dia sem
ocorrências de acordo com o céu. Sem mortes. Pergunto-me quanto tempo teremos
até a próxima catástrofe nos reunir novamente. Se for essa noite, quero dormir
um pouco primeiro. Cubro meu ouvido bom para bloquear as notas do hino, e então
ouço as trombetas e me sento ereta em antecipação.
Na maioria, a
única comunicação que os tributos têm de fora da arena é o número de mortos
noturno. Mas ocasionalmente, há trombetas que seguem um anúncio. Usualmente,
isso seria uma chamada para um festim. Quando comida é escassa, os Gamemakers
convidam os jogadores a um banquete, em algum lugar conhecido como a
Cornucópia, como uma persuasão para juntar e lutar. Algumas vezes há um festim
e outras nada além de um naco de pão velho pelo qual os tributos competem. Eu
não iria por comida, mas esse seria a hora ideal para matar alguns
competidores.
A voz de Claudius
Templesmith ruge de cima, congratulando os seis de nós que restam. Mas ele não
está nos convidando para um festim. Ele está dizendo algo muito confuso. Houve
uma mudança nas regras dos Games. Uma mudança nas regras! Isso por si só pode
levar a reflexão, visto que não temos realmente alguma regra para falar, exceto
não pisar fora do seu círculo por sessenta segundos e a regra tácita de não
comer uns aos outros. Sob uma nova regra, ambos os tributos do mesmo distrito
serão declarados vencedores se forem os últimos vivos. Claudius dá uma pausa,
como se ele soubesse que nós não entendemos, e repete a mudança de novo.
A novidade é
captada. Dois tributos podem vencer esse ano. Se eles foram do mesmo distrito.
Ambos podem viver. Dois de nós podem viver.
Antes que eu possa me conter, grito o nome de Peeta.
-
PARTE III
O Vencedor
-
19
Eu tampo minha
boca com as minhas mãos, mas o som já tinha escapado. O céu fica preto e eu
ouço um coro de sapos começar a cantar. Estúpida! Eu digo a mim mesma. Que
coisa estúpida de se fazer! Eu espero, congelada, para que a floresta fique
cheia de assaltantes. Então eu me lembro que não restou quase ninguém.
Peeta, que foi
ferido, é agora meu aliado. Quaisquer dúvidas que eu tivera sobre ele
dissipam-se porque se qualquer um de nós tirar a vida do outro agora seremos
parias quando retornarmos ao Distrito 12. De fato, eu sei que se estivesse
assistindo eu odiaria qualquer tributo que não se aliou imediatamente com seu
parceiro de distrito. Além do mais, simplesmente faz sentido proteger um ao
outro. E no meu caso – sendo uma dos amantes desafortunadas do Distrito 12 – é
um requisito absoluto se eu quiser mais ajuda dos patrocinadores simpatizantes.
Os amantes desafortunados... Peeta deve ter jogado esse
ângulo o tempo todo. Por que mais os Gamemakers fariam essa mudança sem
precedentes nas regras? Para que dois tributos tenham uma chance de ganhar, o
nosso “romance” deve ser tão popular com a audiência que condená-lo ameaçaria o
sucesso dos Games. Não graças a mim. Tudo que eu fiz foi conseguir não matar o
Peeta. Mas o que quer que ele tenha feito na arena, ele deve ter convencido a
audiência que foi para me manter viva. Balançando sua cabeça para me impedir de
correr para a Cornucópia. Lutando com Cato para me deixar escapar. Até mesmo se
juntar aos Profissionais deve ter sido um movimento para me proteger. Peeta, ao
que parece, nunca foi um perigo para mim.
O pensamento me
faz sorrir. Eu deixo minhas mãos caírem e levanto meu rosto para a luz do luar
para que as câmeras definitivamente a capturem.
Então, quem resta
para se temer? Foxface? O tributo de seu distrito está morto. Ela está operando
sozinha, de noite. E sua estratégia tem sido evadir, não atacar. Eu não acho
realmente que, mesmo que ela tenha ouvido a minha voz, ela faria qualquer coisa
exceto esperar que outro me matasse.
Então tem o
Thresh. Tudo bem, ele é uma ameaça distinta. Mas eu não o vi, nenhuma vez,
desde que os Games começaram. Eu penso em como a Foxface ficou alarmada quando
escutou um som no local da explosão. Mas ela não se virou para a floresta, ela
se virou para o que quer que exista do outro lado dela. Para aquela área da
arena que cai em algo que não conheço. Eu tenho quase certeza de que a pessoa
da qual ela fugiu era Thresh e que aquele era seu domínio. Ele nunca teria me
ouvido de lá e, mesmo que tivesse, estou muito no alto para que alguém do
tamanho dele me alcance.
Então resta Cato e
a garoto do Distrito 2, que agora estão com certeza celebrando a nova regra.
Eles são os únicos que restam que se beneficiam com isso além de Peeta e de
mim. Eu corro deles agora, arriscando que eles tenham me ouvido chamar o nome
de Peeta? Não, eu penso. Deixe eles virem. Deixe eles virem com seus óculos de
visão noturna e seus corpos pesados de quebrar galhos. Bem no alcance das
minhas flechas. Mas eu sei que não virão. Se eles não vieram à luz do dia até a
minha fogueira, eles não arriscarão o que poderia ser outra armadilha à noite.
Quando eles vierem, será em seus próprios termos, não porque eu deixei que eles
soubessem meu paradeiro.
Fique quieta e
durma um pouco, Katniss, eu me instruo, apesar de desejar começar a procurar
Peeta agora. Amanhã, você o achará.
Eu durmo, mas de
manhã sou extra-cuidadosa, pensando que embora os Profissionais possam hesitar
em me atacar em uma árvore, eles são completamente capazes de montar uma
armadilha para mim. Eu me certifico de me preparar completamente para o dia –
tomando um grande café-da-manhã, amarrando com firmeza minha mochila,
preparando minhas armas – antes que eu desça. Mas tudo parece pacífico e
tranquilo no chão.
Hoje eu terei que
ser escrupulosamente cuidadosa. Os Profissionais saberão que estou tentando
localizar Peeta. Eles podem muito bem querer esperar até que eu faça isso antes
de fazerem seu movimento. Se ele está tão profundamente ferido quanto Cato
acha, eu estarei
na posição de ter que defender nós dois sem qualquer
assistência. Mas se ele está tão incapacitado, como ele conseguiu permanecer
vivo? E como diabos vou encontrá-lo?
Eu tento pensar em
qualquer coisa que Peeta já tenha dito que pode me dar uma indicação sobre onde
ele está se escondendo, mas nada soa familiar. Então eu volto ao último momento
em que o vi brilhando na luz do sol, gritando para que eu corresse. Então Cato
apareceu, sua espada exposta. E depois que eu parti, ele feriu Peeta. Mas como
Peeta escapou? Talvez ele tenha aguentado melhor o veneno do tracker jacker do
que Cato. Talvez essa tenha sido a variável que permitiu que ele escapasse. Mas
ele fora picado também. Então quão distante ele poderia ter chegado, esfaqueado
e cheio de veneno? E como ele permaneceu vivo todos esses dias desde então? Se
o ferimento e as picadas não o mataram, certamente a sede o teria levado agora.
E é quando eu
consigo minha primeira pista sobre seu paradeiro. Ele não poderia ter
sobrevivido sem água. Eu sei disso por causa dos meus primeiros dias aqui. Ele
deve estar escondido em algum lugar perto de uma fonte. Há o lago, mas eu acho
que essa é uma opção improvável já que está tão perto da base do acampamento
dos Profissionais. Algumas poças alimentadas por nascentes. Mas você realmente seria
um alvo fácil em uma dessas. E o riacho. Aquele que vai do acampamento que Rue
e eu fizemos até lá embaixo perto do lago e além. Se ele ficasse perto do
riacho, ele podia mudar sua localização e sempre ficar próximo à água. Ele
podia andar na corrente e apagar quaisquer vestígios. Ele pode até ser capaz de
pegar um ou dois peixes.
Bem, é um local
para começar, de qualquer maneira.
Para confundir a
mente dos meus inimigos, eu começo uma fogueira com muita madeira verde. Mesmo
que eles achem que é um ardil, espero que eles decidam que estou escondida em
algum lugar próximo. Quando, na realidade, estarei caçando o Peeta.
O sol queima a
bruma matinal quase imediatamente e eu consigo afirmar que o dia será mais
quente que o normal. A água está fria e agradável nos meus pés descalços
enquanto eu me dirijo corrente abaixo. Estou tentada a chamar o nome de Peeta
enquanto ando, mas decido não fazê-lo. Terei que encontrá-lo com meus olhos e
um ouvido bom ou ele terá que me achar. Mas ele saberá que estarei procurando,
certo? Ele não tem uma opinião tão baixa de mim para pensar que eu ignoraria a
nova regra e ficaria sozinha. Teria? Ele é muito difícil de se prever, o que
poderia ser interessante sob circunstâncias diferentes, mas no momento só
providencia um obstáculo extra.
Não demora muito
para alcançar o ponto onde eu parti para ir ao acampamento dos Profissionais.
Não há sinal do Peeta, mas isso não me surpreende. Eu já passei acima e abaixo
dessa extensão por três vezes desde o incidente do tracker jacker. Se ele
estivesse próximo, eu certamente teria suspeitado disso. O riacho começa a
curvar para esquerda numa parte da floresta que é nova para mim. Ribanceiras
lamacentas cobertas por plantas aquáticas levam a pedras grandes que aumentam
de tamanho até eu começar a me sentir meio presa. Não seria pouca coisa escapar
do riacho agora. Lutar contra Cato ou Thresh enquanto eu escalo esse terreno
rochoso. De fato, eu acabo de decidir que estou completamente no caminho
errado, que um garoto ferido seria incapaz de navegar para dentro e fora dessa
fonte d’água, quando
vejo o vestígio sangrento descendo pela curva de uma pedra
grande desgastada. Está muito seco agora, mas as linhas manchadas correndo lado
a lado sugerem que alguém – que talvez não estivesse em total controle de suas
faculdades mentais – tentou limpá-las.
Abraçando as
pedras, eu me movo lentamente na direção do sangue, procurando por ele. Eu
encontro mais algumas manchas de sangue, uma com algumas fibras de tecido
coladas nela, mas sem sinal de vida. Eu me descontrolo e digo seu nome em uma
voz abafada. “Peeta! Peeta!” Então um mockingjay pousa numa árvore desgastada e
começa a imitar meus tons, então eu paro. Eu desisto e desço até o riacho,
pensando, Ele deve ter se deslocado. Para algum lugar mais abaixo.
Meu pé acabou de
romper a superfície da água quando ouça uma voz.
“Está aqui para
acabar comigo, querida?”
Eu me viro. Veio
da esquerda, então eu não consigo captar muito bem. E a voz estava rouca e
fraca. Ainda assim, deve ter sido o Peeta. Quem mais na arena me chamaria de
querida? Meus olhos examinam cuidadosamente a ribanceira, mas não há nada. Só
lama, as plantas, a base das pedras.
“Peeta?” eu sussurro.
“Onde você está?” Não há resposta. Será que eu simplesmente imaginei isso? Não,
tenho certeza que foi real e muito próximo também. “Peeta?” eu me arrasto pelo
ribanceira.
“Ora, não pise em
mim.”
Eu pulo para trás.
Sua voz estava bem abaixo do meu pé. Ainda não há nada. Então seus olhos se
abrem, inconfundivelmente azuis na lama marrom e nas folhas verdes. Eu arfo e
sou recompensada por um vestígio de dentes brancos enquanto ele ri.
É a palavra final
em camuflagem. Esqueça arremessar pesos por aí. Peeta deveria ter ido para sua
sessão privada com os Gamemakers e se pintado de árvore. Ou de uma pedra grande
desgastada. Ou de uma ribanceira lamacenta cheia de ervas daninhas.
“Feche seus olhos
novamente,” eu ordenei. Ele fecha, e sua boca também, e desaparece
completamente. A maior parte do que julgo ser seu corpo está na verdade sob uma
camada de lama e plantas. Sua face e braços estão tão habilidosamente
disfarçados para que fiquem invisíveis. Eu me ajoelho ao lado dele. “Eu acho
que todas aquelas horas decorando bolos vieram a calhar.”
Peeta sorri. “Sim,
glacê. A defesa final dos moribundos.”
“Você não vai
morrer,” eu digo a ele firmemente.
“Quem disse?” Sua
voz está tão atormentada.
“Eu disse. Estamos
no mesmo time agora, sabe,” eu digo a ele.
Seus olhos se
abrem. “Então, ouvi dizer. Que legal da sua parte achar o que restou de mim.”
Eu puxo minha garrafa d’água e dou-lhe pra beber. “O Cato te
cortou?” eu pergunto.
“Perna esquerda.
Bem acima,” ele responde.
“Vamos te colocar
no riacho, te lavar para que eu possa ver que tipos de machucados você tem,” eu
digo.
“Incline-se um
minuto primeiro,” ele diz. “Preciso te dizer algo.” Eu me inclino e coloco meu
ouvido bom nos lábios dele, o que provoca cócegas quando ele sussurra.
“Lembre-se, estamos loucamente apaixonados, então não tem problema me beijar
quando sentir vontade.”
Eu levanto minha
cabeça abruptamente, mas acabo rindo. “Obrigada, lembrarei disso.” Pelo menos,
ele ainda é capaz de fazer piada. Mas quando eu começo a ajudá-lo a ir até o
riacho, toda a leveza desaparece. São apenas sessenta centímetros de distância,
quão difícil pode ser? Muito difícil, quando percebo que ele é incapaz de se
mover um centímetro sozinho. Ele está tão fraco que o melhor que pode fazer é
não resistir. Eu tento arrastá-lo, mas apesar do fato de eu saber que ele está
fazendo tudo que pode para ficar quieto, gritos agudos de dor escapam dele. A
lama e as plantas parecem tê-lo aprisionado e eu finalmente tenho que dar um
puxão gigantesco para libertá-lo de suas amarras. Ele ainda está há sessenta
centímetros da água, deitado ali, os dentes cerrados, as lágrimas cortando
caminho na sujeira em seu rosto.
“Olha, Peeta. Vou
te rolar até o riacho. É bem raso lá, tudo bem?” eu digo.
“Excelente,” ele
diz.
Eu agacho ao lado
dele. Não importa o que aconteça, eu digo a mim mesma, não pare até que ele
esteja na água. “No três,” eu digo. “Um, dois, três!” Eu só consigo dar uma
rodada completa antes de ter que parar por causa do som horrível que ele faz.
Agora ele está na beira do riacho. Talvez isso seja melhor, de qualquer jeito.
“Está bem, mudança
de planos. Não vou te colocar totalmente dentro,” eu digo a ele. Além do mais,
se eu colocá-lo dentro, quem sabe se eu serei capaz de tirá-lo?
“Nada mais de
rolar?” ele pergunta.
“Já acabou. Vamos
te limpar. Fique de olho na floresta por mim, está bem?” eu digo. É difícil
saber por onde começar. Ele está tão empastado com lama e folhas desbotadas,
não consigo nem ver suas roupas. Se ele estiver usando roupas. O pensamento me
faz hesitar por um momento, mas então eu mergulho. Corpos nus não são nada
demais na arena, certo?
Eu tenho duas
garrafas d’água e a odre de água da Rue. Eu as apoio contra as pedras no riacho
para que as duas estejam sempre enchendo enquanto eu entorno a terceira sobre o
corpo do Peeta. Leva um tempo, mas eu finalmente me livro de lama o bastante
para achar suas roupas. Eu gentilmente abro sua jaqueta, desabotoou sua
camiseta e as tiro dele. Sua camiseta está tão emplastrada em seus ferimentos
que eu tenho que cortá-la com a minha faca e banhá-lo novamente para soltá-la.
Ele está muito ferido com uma ampla queimadura ao longo de seu peito e quatro
picadas de tracker jackers, se contar aquela embaixo de sua orelha. Mas eu me
sinto um pouco melhor. Esse tanto eu posso consertar. Eu decido cuidar da parte
superior de
seu corpo primeiro, para aliviar um pouco da dor, antes que
eu cuide de qualquer dano que Cato tenha feito a sua perna.
Já que cuidar de
seus ferimentos parece inútil quando ele está deitado no que virou uma poça de
lama, eu consigo apoiá-lo contra uma pedra grande e desgastada. Ele fica
sentado lá, sem reclamar, enquanto eu lavo todos os traços de terra de seu
cabelo e pele. Sua pele está muito pálida à luz do sol e ele não parece mais
forte e troncudo. Eu tenho que escavar as picadas de tracker jacker de seus
inchaços, o que faz com que ele recue, mas no instante que eu aplico as folhas
ele suspira em alívio. Enquanto ele seca ao sol, eu lavo sua camiseta e jaqueta
imundas e espalho-as sobre as pedras grandes desgastadas. Então eu aplico o
creme contra queimadura em seu peito. É quando eu noto como sua pele ficou
quente. A camada de lama e as garrafas d’água disfarçaram o fato de que ele
está queimando de febre. Eu procuro no kit de primeiros socorros que consegui
do garoto do Distrito 1 e encontro pílulas que reduzem sua temperatura. Minha
mãe na verdade sucumbe as compras ocasionalmente quando seus medicamentos
caseiros falham.
“Engula-as,” eu
digo a ele, e ele obedientemente toma o remédio. “Você deve estar faminto.”
“Na verdade não. É
engraçado, eu não tenho estado faminto há dias,” diz Peeta. De fato, quando eu
lhe ofereço groosling, ele torce seu nariz para ele e o afasta. É quando eu
fico sabendo como ele está doente.
“Peeta, precisamos
te dar comida,” eu insisto.
“Vai simplesmente
voltar,” ele diz. O melhor que eu posso fazer é fazê-lo comer alguns pedacinhos
de maça seca. “Obrigado. Estou muito melhor, sério. Posso dormir agora,
Katniss?” ele pergunta.
“Logo,” eu
prometo. “Preciso olhar para a sua perna primeiro.” Tentando ser o mais gentil
que consigo, removo suas botas, suas meias, e então muito lentamente tiro sua
calça, centímetro por centímetro. Eu consigo ver o rasgo que a espada de Cato
fez no tecido sobre sua coxa, mas de jeito algum me preparo para o que há
abaixo. O corte profundamente inflado esvaindo tanto sangue quanto pus. O
inchaço da perna. E pior de tudo, o cheiro da carne supurando.
Eu quero fugir.
Desaparecer na floresta como eu fiz naquele dia que eles trouxeram a vítima de
queimadura para a nossa casa. Ir caçar enquanto a minha mãe e a Prim cuidam do
que eu não tenho nem a habilidade nem a coragem de enfrentar. Mas não há
ninguém aqui exceto eu. Eu tento capturar o comportamento calmo que minha mãe
assume quando lida com casos particularmente ruins.
“Bem horrível,
hein?” diz Peeta. Ele está me observando atentamente.
“Mais ou menos.”
Eu dou de ombros como se não fosse nada demais. “Você deveria ver algumas das
pessoas que levam pra minha mãe das minas.” Eu me abstenho de dizer como eu
geralmente saio da casa sempre que ela trata de alguém com algo pior que um
resfriado. Pensando nisso, eu nem gosto muito de ficar perto de tosses. “A
primeira coisa que se deve fazer é limpá-lo bem.”
E deixei Peeta de cueca porque ela não está em má condição e
eu não quero puxá-la sobre sua coxa inchada e, tudo bem, talvez a ideia de
vê-lo pelado me deixa desconfortável. Essa é outra coisa sobre a minha mãe e a
Prim. Nudez não tem efeito sobre elas, não lhes dá motivo algum para
envergonhamento. Ironicamente, a esta altura dos Games, minha irmãzinha seria
de muito mais utilidade para Peeta do que eu sou. Eu movo meu quadrado de
plástico sob ele para que possa lavar o resto dele. Com cada garrafa que eu
derramo sobre ele, pior seu ferimento aparece. O resto da parte inferior de seu
corpo está muito bom, só uma picada de tracker jacker e algumas poucas
queimaduras que eu trato rapidamente. Mas o corte em sua perna... que diabos
posso fazer com isso?
“Por que não
deixamos respirar um pouco e então...” eu dissipo.
“E então você
remenda?” diz Peeta. Ele parece quase com pena de mim, como se soubesse como
estou perdida.
“É mesmo,” eu
digo. “Enquanto isso, coma isso.” Eu ponho algumas metades de peras secas em
sua mão e volto para o riacho para lavar o resto de suas roupas. Quando elas
estão esticadas e secando, eu examino o conteúdo do kit de primeiros socorros.
São coisas bem básicas. Bandagens, pílulas de febre, remédios para acalmar
estômagos.
Nada do calibre
que eu preciso para tratar o Peeta.
“Teremos que
experimentar alguns,” eu admito. Eu sei que as folhas dos tracker jacker
extraem a infecção, então eu começo com elas. Dentro de minutos pressionando o
punhado de coisas verdes mastigadas no ferimento, pus começa a escorrer pela
lateral de sua perna. Eu digo a mim mesma que isso é uma coisa boa e mordo o
interior da minha bochecha forte porque meu café-da-manhã está ameaçando fazer
uma reaparição.
“Katniss?” Peeta
diz. Eu encontro seus olhos, sabendo que meu rosto deve estar de algum tom de
verde. Ele balbucia as palavras. “E quanto aquele beijo?”
Eu caio em risada
porque a coisa toda é tão revoltante que não consigo aguentar.
“Algo errado?” ele
pergunta um tanto ingenuamente demais.
“Eu... eu não sou
nada boa com isso. Eu não sou a minha mãe. Eu não faço ideia do que estou
fazendo e odeio pus,” eu digo. “Ui!” eu me permito soltar um resmungo enquanto
lavo a primeira rodada de folhas e aplico a segunda. “Uuui!”
“Como você caça?”
ele pergunta.
“Confie em mim.
Matar coisas é muito mais fácil que isso,” eu digo. “Apesar de que, pelo que
sei, possa estar te matando.”
“Pode se apressar
um pouquinho?” ele pergunta.
“Não. Cala a boca
e coma suas peras,” eu digo.
Após três aplicações e o que parece ser um balde de pus, o
ferimento parece mesmo melhor. Agora que o inchaço abaixou-se, eu consigo ver o
quão profundamente a espada de Cato cortou. Até o osso.
“E agora, Dra.
Everdeen?” ele pergunta.
“Talvez eu coloque
um pouco da pomada pra queimadura nisso. Eu acho que ajuda com infecção, de
qualquer jeito. E enfaixar?” eu digo. Eu faço isso e a coisa toda parece muito
mais controlável, coberta em algodão branco limpo. Apesar de que, contra a
bandagem estéril, a bainha de sua cueca parece nojenta e transbordando com
doenças contagiosas. Eu puxo a mochila da Rue. “Aqui, cubra-se com isso e eu
lavarei sua cueca.”
“Ah, eu não ligo
se você me ver,” diz Peeta.
“Você é exatamente
como o resto da minha família,” eu digo. “Eu ligo, tudo bem?” Eu viro de costas
e olho para o riacho até que a cueca chapinhe na corrente. Ele deve estar se
sentindo um tantinho melhor se ele consegue atirar.
“Sabe, você é meio
sensível para uma pessoa tão letal,” diz Peeta enquanto eu bato sua cueca entre
duas pedras para limpá-la.
“Gostaria de ter
deixado você dar um banho no Haymitch no final das contas.”
Eu torço meu nariz
para a memória. “O que ele te mandou até agora?”
“Nadinha,” diz
Peeta. Então há uma pausa, enquanto ele se dá conta.
“Por que, você
conseguiu algo?”
“Remédio para
queimadura,” eu digo quase timidamente. “Ah, e um pouco de pão.”
“Eu sempre soube
que você era a favorita dele,” diz Peeta.
“Por favor, ele
não suporta ficar no mesmo cômodo que eu," eu digo.
“Porque vocês são
muito parecidos,” resmunga Peeta. Eu ignoro isso, no entanto, porque essa
realmente não é a hora de eu insultar o Haymitch, que é meu primeiro impulso.
Eu deixo Peeta
cochilar enquanto suas roupas secam, mas ao final da tarde, eu não ouso esperar
ainda mais. Eu gentilmente balanço seu ombro. “Peeta, temos que ir agora.”
“Ir?” Ele parece
confuso. “Ir para onde?”
“Pra longe daqui.
Corrente abaixo talvez. Para algum lugar em que possamos nos esconder até que
você esteja mais forte,” eu digo. Eu ajudo-o a se vestir, deixando seus pés
descalços para que possamos andar na água, e puxo-o na vertical. Seu rosto é
drenado de cor no momento que coloca peso em sua perna. “Vamos. Você consegue
fazer isso.”
Mas ele não
consegue. Não por muito tempo, pelo menos. Nós andamos cerca de quarenta e
cinco metros correnteza abaixo, com ele apoiado no meu ombro, e eu posso
afirmar que ele vai desmaiar. Eu o sento na ribanceira, coloco sua cabeça entre
seus joelhos, e dou tapinhas
em suas costas sem jeito enquanto vasculho a área. É claro,
eu adoraria colocá-lo em cima de uma árvore, mas isso não vai acontecer. Podia
ser pior, contudo. Algumas dessas pedras formam pequenas estruturas parecidas
com cavernas. Eu ponho meus olhos em uma a cerca de dezoito metros acima do
riacho. Quando é capaz de ficar em pé, eu meio guio, meio carrego-o até a
caverna. Na verdade, eu gostaria de procurar um lugar melhor, mas esse terá que
servir porque meu aliado está ferido. Branco feito papel, arfando, e, apesar de
ter começado agora a esfriar, ele está tremendo.
Eu cubro o chão da
caverna com uma camada de folhas de pinheiro, desenrolo meu saco de dormir, e o
enfio dentro dele. Eu ponho algumas pílulas e um pouco de água dentro dele
quando ele não está notando, mas ele se recusa a comer até mesmo a fruta. Então
ele simplesmente fica deitado ali, seus olhos treinados no meu rosto enquanto
eu construo um tipo de cobertura de vinhas para esconder a boca da caverna. O
resultado é insatisfatório. Um animal poderia não questionar isso, mas um
humano veria que mãos tinham manufaturado isso rápido o bastante. Eu rasgo-a em
frustração.
“Katniss,” ele
diz. Eu vou até ele e tiro o cabelo de seus olhos. “Obrigado por me encontrar.”
“Você teria me
encontrado se pudesse,” eu digo. Sua testa está queimando. Como se o remédio não
está fazendo efeito algum.
De repente, do
nada, fico com medo que ele vá morrer.
“Sim. Olha, se eu
não voltar –” ele começa.
“Não fale assim.
Eu não drenei todo esse pus por nada," eu digo.
“Eu sei. Mas só no
caso de eu não –” ele tenta continuar.
“Não, Peeta, eu
não quero nem discutir isso,” eu digo, colocando meus dedos em seus lábios para
silenciá-lo.
“Mas eu –” ele
insiste.
Impulsivamente, eu
me inclino para frente e beijo ele, parando suas palavras. Isso está
provavelmente atrasado, de qualquer jeito, já que ele está certo, nós devíamos
estar loucamente apaixonados. É a primeira vez que eu beijei um garoto, o que
deveria fazer algum tipo de impressão, eu acho, mas tudo que consigo registrar
é como seus lábios estão anormalmente quentes de febre. Eu me separo e puxo a
beirada do meu saco de dormir ao redor dele. “Você não vai morrer. Eu proíbo
isso. Está certo?”
“Está certo,” ele
sussurra.
Eu saio no ar frio
da noite bem quando um paraquedas flutua do céu. Meus dedos rapidamente
desfazem o nó, esperando por algum medicamento real para tratar a perna de
Peeta. Ao invés disso eu encontro pote de caldo quente.
Haymitch não podia
estar me mandando uma mensagem mais clara. Um beijo equivale a um pote de
caldo. Eu quase consigo ouvir seu resmungo.
“Você deveria estar apaixonada, querida. O garoto está
morrendo. Me dê algo com o que possa trabalhar!"
E ele está certo.
Se eu quero manter Peeta vivo, eu tenho que dar à audiência algo a mais para se
preocupar. Amantes desafortunados desesperados para chegar em casa juntos. Dois
corações batendo como um. Romance.
Nunca tendo me
apaixonado, isso será realmente difícil. Eu penso nos meus pais. O jeito como
meu pai nunca falhou em trazer presentes para ela da floresta. O modo como o
rosto de minha mãe se iluminava ao som das botas dele na porta. O jeito como
ela quase tinha parado de viver quando ele morreu.
“Peeta!” eu digo,
tentando o tom especial que minha mãe usava só com o meu pai. Ele cochilou
novamente, mas eu o beijo para acordá-lo, o que parece assustá-lo. Então ele
sorri como se fosse ficar feliz em ficar deitado ali me olhando para sempre.
Ele é ótimo nessas coisas.
Eu levanto o pote.
“Peeta, olhe o que Haymitch te mandou.”
20
Dar o caldo para
Peeta levou uma hora de persuasão, suplicas, ameaças, e sim, beijos, mas
finalmente, gole por gole, ele esvaziou o pote. Deixo-o dormir então e atendo
às minhas próprias necessidades, engolindo um suprimento de ervas e raízes
enquanto observo o relatório diário no céu. Sem novas casualidades. Mesmo assim,
Peeta e eu demos à audiência um dia bastante interessante. Se tivermos sorte,
os Gamemakers vão nos permitir uma noite pacífica.
Automaticamente
procuro ao redor uma boa árvore para me abrigar antes de perceber que acabou.
Pelo menos por enquanto. Não posso deixar Peeta desprotegido no chão. Eu deixo
a cena de seu último esconderijo na margem do córrego intocado – como eu
poderia ocultá-la? – e estamos a poucos cinquenta metros rio abaixo. Ponho meus
óculos, colocando minhas armas ao alcance, e sento-me para me manter em
vigilância.
A temperatura cai
rapidamente eu logo estou tremendo até os ossos. Eventualmente, eu sedo e
deslizo para dentro do saco de dormir com Peeta. Está quente e eu me aconchego
agradecida até perceber que está mais do que quente, está
excessivamente quente porque o saco está refletindo a febre dele. Verifico sua
testa e encontro-a queimando e seca. Não sei o que fazer. Deixo-o no saco e
espero que o calor excessivo termine a febre? Tiro-o dali e espero que o ar da
noite o esfrie? Acabo apenas umedecendo uma tira de gaze e colocando-a sobre
sua testa. Parece fraco, mas tenho medo de fazer algo drástico demais.
Passo a noite meio
sentada, meio deitada ao lado de Peeta, refrescando a gaze, tentando não pensar
no fato de, juntando-me a ele, eu me fiz muito mais vulnerável do que quando
estava sozinha. Presa ao chão, de guarda, com uma pessoa muito doente para
tomar conta. Mas eu sabia que ele estava machucado. E ainda fui atrás dele. Eu
só tenho de confiar que qualquer que seja o instinto que me mandou encontrá-lo
era bom.
Quando o céu fica
róseo, noto o brilho de suor do lábio de Peeta e descubro que a febre acabou. E
não voltou ao normal, mas a febre baixou alguns graus. Noite passada, quando eu
estava recolhendo vinhas, topei com as bagas de Rue. Descasquei a fruta e
amassei no pote de caldo com água fria.
Peeta se esforça
para se levantar quando eu alcanço a caverna. “Eu acordei e você não estava
aqui,” ele diz. “Estava preocupado com você.”
Tenho de rir
quando eu o tranquilizo. “Você estava preocupada comigo? Você já se olhou
ultimamente?”
“Pensei que Cato e
Clove tinham te encontrado. Eles gostam de caçar a noite,” diz, ainda sério.
“Clove? Quem é
essa?” Pergunto.
“A garota do
Distrito Dois. Ela ainda está viva, certo?” diz.
“Sim, há apenas
eles e nós, e Thresh e Foxface,” digo. “Esse é o apelido que eu dei para a
garota do Cinco. Como você se sente?”
“Melhor do que
ontem. Essa é uma enorme melhoria sobre a lama,” diz. “Roupas limpas e remédio
e saco de dormir... e você.”
“Ah, certo, a
coisa toda de romance. Estendo a mão para tocar sua bochecha e ele a pega e
pressiona contra seus lábios. Lembro-me do meu pai fazendo isso com a minha mãe
e pergunto de onde Peeta pegou isso. Não tenho certeza se foi do pai dele e da
bruxa.
“Sem mais beijos
para você até que tenha comido,” digo.
Nós conseguimos
colocá-lo contra a parede e ele, obedientemente, engole as colheradas de mingau
de uvas que eu fiz. Ele recusa as ervas novamente, no entanto.
“Você não dormiu,”
Peeta diz.
“Estou bem,” digo.
Mas a verdade é, estou exausta.
“Durma agora. Vou ficar observando. Vou te acordar se algo
acontecer,” diz. Eu hesito. “Katniss, você não pode ficar acordada para
sempre.”
Ele tem um ponto
aqui. Tenho que dormir eventualmente. E provavelmente é melhor fazer isso agora
quando ele parece relativamente alerta e temos a luz do dia do nosso lado.
“Tudo bem,” digo. “Mas só por algumas horas. Então você me acorda.”
É muito quente
para o saco de dormir agora. Eu coloco-o sobre o chão da caverna e deito, uma
mão no meu arco carregado no caso de eu ter de atirar a qualquer momento. Peeta
se senta ao meu lado, inclinando-se contra a parede, sua perna ruim estirada
ante a ele, seus olhos focados no mundo lá fora. “Vá dormir,” diz suavemente.
Sua mão afaga uma mecha do meu cabelo sobre minha testa. Diferente dos beijos e
das carícias encenadas até agora, esse gesto parece natural e confortante. Não
quero que ele pare e ele não para. Ele ainda está tocando meu cabelo quando
caio no sono.
Tempo demais.
Dormi tempo demais. Sei do momento em que abro meus olhos que é de tarde. Peeta
está no meu lado, sua posição inalterada. Sento-me, sentindo-me meio defensiva,
mas melhor do que estive em dias.
“Peeta, você
deveria me acordar depois de algumas horas,” digo.
“Pra quê? Nada
aconteceu aqui,” ele diz. “Além disso, eu gosto de te observar dormir. Você não
faz cara feia. Melhora muito sua aparência.”
Isso, é claro, me
traz uma cara feia que o faz rir. É quando percebo quão seco seus lábios estão.
Toco sua testa. Quente como um fogão a carvão. Ele afirma que esteve bebendo,
mas o recipiente ainda está todo cheio para mim. Dou a ele mais pílulas para
febre e fico perto dele enquanto ele toma o primeiro, e depois um segundo
quarto de água. Então olho suas feridas menores, as queimaduras, as picadas,
que estão mostrando melhoras. Eu me firmo e desato sua perna.
Meu coração para
meu estômago. Está pior, muito pior. Não há pus em evidência, mas o inchaço
aumentou e a pele brilhante está inflamada. Então vejo as listras vermelhas
começando a subir pela sua perna. Envenenamento sanguíneo. Se não for parado,
vai matá-lo com certeza. Minhas folhas mastigadas e pomada não vão pará-lo.
Vamos precisar de um forte antibiótico do Capital. Não posso imaginar o custo
de um remédio tão forte.
Se Haymitch juntar
toda contribuição de todos os patrocinadores, ele teria o bastante? Duvido.
Presentes sobem em preço à medida que os Games continuam. O que compra uma
refeição completa num dia compra um biscoito no dia doze. E o tipo de remédio
que Peeta precisa teria sido um prêmio desde o início.
“Bem, há mais
inchaço, mas o pus se foi,” digo numa voz instável.
“Sei o que
envenenamento sanguíneo é, Katniss,” diz Peeta. “Mesmo que minha mãe não seja
uma curandeira.”
“Você só tem de
sobreviver aos outros, Peeta. Eles vão te curar no Capital quando nós
ganharmos,” digo.
“Sim, é um bom plano,” diz. Mas sinto que isso é mais para
meu benefício.
“Você tem que
comer. Mantenha sua força para cima. Vou fazer sua sopa,” digo.
“Não acenda o
fogo,” diz. “Não vale a pena.”
“Vamos ver,” digo.
Quando levo o pote para o riacho, estou abatida com quão brutalmente quente
está. Juro que os Gamemakers estão progressivamente aumentando a temperatura do
dia e diminuindo a noite. O calor das pedras do lago me da uma ideia,
entretanto. Talvez eu não precise acender o fogo.
Eu me sento numa
grande pedra lisa no meio do caminho entre o lago e a caverna. Depois de
purificar meio pote de água, coloco-o sob luz do sol e acrescendo algumas
pedras quentes do tamanho de ovos na água. Sou a primeira a admitir que eu não
saiba cozinhar muito bem. Mas visto que fazer sopa consiste basicamente em
jogar tudo num pote e esperar, esse é um dos meus melhores pratos. Moo ervas
até que elas quase se tornem uma massa e misturo com as raízes de Rue.
Felizmente elas já foram torradas, assim preciso apenas esquentá-las. Agora
mesmo, entre a luz do sol e as pedras, a água está quente. Coloco nela a carne
e as raízes, tiro as pedras, e vou procurar algo verde para temperá-lo um
pouco. Em pouco tempo, encontro um tufo de cebolinhas crescendo na base de
algumas pedras. Perfeito. Corto-as bem finas e acrescento-as ao pote, trocando
as pedras novamente, colocando a tampa, e deixando o resto acontecer.
Vejo poucos sinais
do jogo ao redor, mas não me sinto confortável deixando Peeta sozinho enquanto
caço, então faço meia dúzia de armadilhas e rezo para ter sorte. Pergunto-me
sobre os outros tributos, como eles estão fazendo agora que sua principal fonte
de comida explodiu. Pelo menos três deles, Cato, Clove, e Foxface, contavam com
ela. Provavelmente Thresh não, entretanto. Tenho o pressentimento que ele deve
dividir algum do conhecimento de Rue de como se alimentar da terra. Eles estão
lutando entre si? Procurando por nós? Talvez um deles tenha nos localizado e
esteja apenas esperando pelo momento certo para atacar. A ideia me envia de
volta para a caverna.
Peeta está
estendido sobre o saco de dormir nas formas das pedras. Embora ele tenha se
animado quando eu entrei, está claro que ele se sente miserável. Ponho uns
panos frios sobre sua testa, mas eles ficam quentes logo que tocam sua pele.
“Você quer algo?”
Pergunto.
“Não,” diz.
“Obrigado. Espere, sim. Conte-me uma história.”
“Uma história?
Sobre o quê?” Digo. Não sou uma boa contadora de histórias. É como cantar. Mas
de vez em quando, Prim consegue uma de mim.
“Algo feliz.
Conte-me sobre o dia mais feliz que você pode se lembrar,” diz Peeta.
Algo entre um
suspiro e um bufo de exasperação deixa minha boca. Uma história feliz? Isso
requer muito mais esforço que a sopa. Eu espremo meu cérebro por boas memórias.
A maioria envolve Gale e eu fora caçando e de alguma forma não penso que essas
iriam ser boas para Peeta e a audiência. Resta Prim.
“Eu já te contei como consegui a cabra de Prim?” Pergunto.
Peeta balança a cabeça, e olha para mim com expectativa. Então eu começo. Mas
cuidadosamente. Porque minhas palavras estão saindo para toda Panem. E enquanto
as pessoas sem dúvida somaram dois mais dois e perceberam que caço ilegalmente,
não quero machucar Gale ou Greasy Sae ou a açougueira, ou até os Pacificadores
de casa que são meus clientes, por anunciar publicamente que eles quebram a
lei, também.
Aqui está a
verdadeira história de como consegui dinheiro para a cabra de Prim, Lady. Era
uma tarde de sexta, o dia anterior ao décimo aniversário de Prim no final de
maio. Logo que a escola terminou, Gale e eu entramos na floresta, porque eu
queria conseguir o bastante para trocar por um presente para Prim. Talvez algum
novo tecido para um vestido ou uma escova de cabelo. Nossas armadilhas foram
bem feitas e a floresta estava cheia de verduras, mas isso realmente era nada
mais que nossa média de uma noite de sexta. Estava desapontada quando voltamos,
mesmo Gale dizendo que seria melhor no dia seguinte. Nós estávamos descansando
por um momento perto do riacho quando o vimos. Um jovem cervo, provavelmente de
um ano, pelo seu tamanho. Seus chifres ainda estavam crescendo, ainda pequenos
e revestidos de veludo. Posicionado para correr, mas inconsciente de nós, não
familiar com humanos. Bonito.
Menos bonito,
talvez, quando duas flechas o pegaram, uma no pescoço, outra no peito. Gale e
eu atiramos ao mesmo tempo. O cervo tentou correr, mas tropeçou, e a faca de
Gale deslizou pelo seu pescoço antes que ele soubesse o que estava acontecendo.
Momentaneamente, senti uma dor por matar algo tão jovem e inocente. E então meu
estômago rugiu ao pensar naquela carne jovem e inocente.
Um veado! Gale e
eu tínhamos apenas pegado três no total. O primeiro, uma corça que tinha
machucado a perna de alguma forma, quase não contava. Mas sabíamos por
experiência que não deveríamos levar a carcaça para o Hob. Isso causou caos com
pessoas barganhando as partes e, na verdade, tentando pegar alguns pedados para
si. Greasy Sae interferiu e mandou nossa corça para a açougueira, mas não antes
de ele ser muito danificado, pedaços grande de carne levados, a pele cheia de
buracos. Embora todos tenham pagado justamente, isso baixou o preço da caça.
Dessa vez,
esperamos até o anoitecer e passamos pelo buraco na cerca perto da açougueira.
Embora conhecíamos os caçadores, não seria bom carregar o veado de 10 quilos
pelas ruas do Distrito 12 à luz do dia, como se estivéssemos esfregando-o na
cara dos oficiais.
A açougueira, uma
mulher pequena e volumosa de nome Rooba, veio para a porta de trás quando
batemos. Você não discute com Rooba. Ela te dá um preço, que você pega ou
parte, mas é um preço justo. Pegamos sua oferta do veado e jogou dois bifes de
veado que podíamos pegar depois do abate. Mesmo com o dinheiro dividido por
dois, nem Gale nem eu tivemos tanto de uma vez em nossas vidas. Decidimos
manter em segredo e surpreender nossas famílias com o dinheiro da carne no
final do próximo dia.
Foi daí onde tirei
dinheiro para a cabra, mas contei a Peeta que vendi um velho medalhão de prata
da minha mãe. Isso não pode machucar ninguém. Então pego a história do final da
tarde do aniversário de Prim.
Gale e eu fomos ao mercado na praça para que eu pudesse
comprar o material do vestido. Enquanto eu estava correndo meus dedos sobre um
grosso pano azul de algodão, algo apareceu na minha vista. Há um velho que
mantém um pequeno rebanho de cabras do outro lado de Seam. Não sei seu nome
real, todos o chamam apenas de Homem da Cabra. Suas juntas são inchadas e
deformadas em ângulos dolorosos, e ele tem uma tosse seca que prova que ele
passou anos nas minas. Mas ele é sortudo. Em algum momento ele juntou dinheiro
suficiente para essas cabras e agora tem algo a fazer na sua velhice além de
morrer de fome. Ele é imundo e impaciente, mas as cabras são limpas e o leite
delas é rico se você pode bancar.
Uma das cabras,
uma branca com manchas pretas, estava caída numa carroça. Era fácil ver o por
que. Algo, provavelmente um cão, bateu no seu ombro e uma infecção começou.
Isso era ruim, o Homem da Cabra tinha segurado-a para pegar seu leite. Mas eu
pensei que conhecia alguém que podia consertar.
“Gale,” sussurrei.
“Quero uma cabra para Prim.”
Possuir uma cabra
pode mudar sua vida no Distrito 12. Os animais podem viver à quase tudo, e
Meadow tem a alimentação perfeita, e eles podem dar quatro galões de leite por
dia. Para beber, fazer leite, vender. Não é nem contra a lei.
“Ela está muito
mal,” disse Gale. “É melhor dar uma olhada mais de perto.”
Aproximamo-nos e
compramos um copo de leite para dividir, então ficamos perto da cabra como se
estivéssemos curiosos.
“Deixem-na,” disse
o homem.
“Apenas olhando,”
disse Gale.
“Bem, olhem
rápido. Ela vai pra açougueira logo. Dificilmente alguém vai comprar o leite
dela, então eles apenas pagam metade do preço,” disse o homem.
“Quando a
açougueira está dando por ela?” Perguntei.
O homem encolheu
os ombros. “Fiquem por aí e vejam.” Virei-me e vi Rooba vindo pela praça para
nós. “Sorte você aparecer,” disse o Homem da Cabra quando ela chegou. “A garota
está de olho na sua cabra.”
“Não se ela a
comprou,” digo cuidadosamente.
Rooba olha para
mim de baixo para cima e franze o cenho para a cabra. “Ela não é. Olhe para aquele
ombro. Aposto que metade da carcaça estará muito podre, até para salsicha.”
“O quê?” disse o
Homem da Cabra. “Nós tínhamos um trato.”
“Nós tínhamos um
trato com o animal com poucas marcas de dentes. Não essa coisa. Venda-a para a
garota se ela for estúpida o bastante para levá-la,” disse Rooba. Quando ela se
retirava, vi sua piscadela.
O Homem da Cabra estava furioso, mas ainda quis se livrar
daquela cabra. Levou meia hora para acertar o preço. Uma boa multidão se juntou
para dar opinião. Era um excelente negócio se a cabra vivesse; e um roubo se
ela morresse. As pessoas tomavam seus lados na discussão, mas eu levei a cabra.
Gale se ofereceu
para carregá-la. Acho que ele queria ver o rosto de Prim tanto quanto eu. Num
momento de vertigem, comprei um laço rosa e atei no seu pescoço. Então corremos
para minha casa.
Você deveria ter
visto a reação de Prim quando entramos com a cabra. Lembrar-se da garota que
chorou para salvar aquele terrível gato velho, Buttercup. Ela estava tão
excitada que começou a chorar e rir ao mesmo tempo. Minha mãe estava menos
animada, vendo o machucado, mas então começou a trabalhar neles, moendo ervas e
persuadindo a mistura a descer pela garganta do animal.
“Eles parecem
você,” diz Peeta. Quase esqueci que ele estava ali.
“Ah, não, Peeta.
Eles trabalharam com mágica. Aquela coisa não poderia morrer mesmo se
tentasse,” digo. Mas então mordo minha língua, percebendo como deve ter soado
para Peeta, que estava morrendo, nas minhas incompetentes mãos.
“Não se preocupe.
Não estou tentando,” ele brinca. “Termine a história.”
“Bem, é isso. Só
lembro-me daquela noite, Prim insistiu em dormir com Lady no cobertor próximo
ao fogo. E antes de dormirem, a cabra lambeu sua bochecha, como se estivesse
dando a ela um beijo de boa noite ou algo assim,” digo. “Já era louca por ela.”
“Ainda estava
usando a fita rosa?” ele pergunta.
“Acho que sim,”
digo. “Por quê?”
“Estou apenas
tentando imaginar,” diz pensativamente. “Posso ver porque esse dia te deixou
feliz.”
“Bem, eu sabia que
aquela cabra seria uma pequena mina de ouro,” digo.
“Sim, é claro que
eu estava me referindo a isso, não ao último presente que você deu a sua irmã
que ama tanto que tomou seu lugar na colheita,” diz Peeta secamente.
“A cabra se pagou
por si só. Muitas vezes,” digo num tom superior.
“Bem, ela não
ousaria mais nada depois de você ter salvado a vida dela,” diz Peeta. “Tenciono
fazer a mesma coisa.”
“Sério? O que você
vai me custar de novo?” pergunto.
“Muitos problemas.
Não se preocupe. Você ganhará de volta tudo,” diz.
“Você não está
fazendo sentido,” digo. Testo sua testa. A febre não subiu. “Você está mais
frio, entretanto.”
O som de trombetas me assusta. Fico de pé e vou até a boca
da caverna rapidamente, não querendo perder uma sílaba. É meu novo melhor amigo,
Claudius Templesmith, e como eu esperava, ele está nos convidando para um
banquete. Bem, nós não estamos com tanta fome e, na verdade, eu afasto sua
oferta com indiferença quando ele diz, “Agora esperem. Alguns de vocês podem já
estar rejeitando minha oferta. Mas não é um banquete ordinário. Cada um de
vocês precisa de algo desesperadamente.”
Eu preciso de algo
desesperadamente. Algo para curar a perna de Peeta.
“Cada um de vocês
vai encontrar esse algo numa mochila, marcada com o número do seu distrito, na
Cornucópia ao amanhecer. Pensem bem sobre recusar a aparecer. Para alguns de
vocês, essa será a última chance,” diz Claudius.
Não há nada mais,
apenas suas palavras pairando no ar. Pulo quando Peeta agarra meu ombro de
trás. “Não,” ele diz. “Você não vai arriscar sua vida por mim.”
“Quem disse que eu
ia?” digo.
“Então, você não
vai?” ele pergunta.
“Claro que não
vou. Dê-me algum crédito. Você acha que vou correr direto para alguma
competição livre contra Cato, Clove e Thresh? Não seja estúpido,” digo,
ajudando-o a se deitar. “Vou deixá-los lutar, e veremos quem estará no céu
amanhã de noite, e vamos planejar daí.”
“Você é uma
péssima mentirosa, Katniss. Não sei como você sobreviveu por tanto tempo.” Ele
começa a me imitar. “Eu sabia que aquela cabra seria uma pequena mina de outro.
Você está mais frio, entretanto. É claro que eu não vou.” Ele balança a cabeça.
“Nunca jogue cartas. Você vai perder até sua última moeda,” diz.
A raiva ruboriza
meu rosto. “Certo, eu vou, e você não pode me parar!”
“Posso te seguir.
Ao menos metade do caminho. Posso não chegar à Cornucópia, mas se eu gritar seu
nome, aposto que algo pode me encontrar. E então vou estar morto, com certeza,”
ele diz.
“Você não
conseguirá andar cem metros daqui com essa perna” digo.
“Então vou me
arrastar,” diz Peeta. “Você vai e eu vou, também.”
Ele é teimoso o
bastante e talvez só forte o bastante para fazer. Vir uivando atrás de mim na
floresta. Mesmo se um tributo não encontrá-lo, alguma coisa mais vai. Ele não
pode se defender. Provavelmente terei de prendê-lo na caverna para ir. E quem
sabe o que o esforço pode fazer com ele?
“O que eu deveria
fazer? Sentar aqui e ver você morrer?” digo. Ele pode saber que não é uma
opção. Que a audiência me odiaria. E francamente, eu me odiaria, também, se nem
tentasse.
“Não vou morrer.
Eu prometo. Se você prometer não ir,” ele diz.
Estamos em algo como um empate. Sei que não posso argumentar
com ele nessa, então nem tento. Finjo, relutante, concordar. “Então você tem de
fazer o que eu disser. Beba sua água, acorde-me quando eu disser, e coma cada
pedaço de sopa, não importa quão nojento ela seja!” Grito para ele.
“Feito. Está
pronta?” ele pergunta.
“Espere aqui,”
digo. O ar ficou frio embora o sol ainda esteja alto. Estou certa sobre os Gamemakers
bagunçando a temperatura. Pergunto-me se a coisa que alguém precisa
desesperadamente é um bom banquete. A sopa ainda está boa e quente no pote de
ferro. E, na verdade, não tem um gosto muito ruim.
Peeta come sem
reclamar, até raspa o pote para mostrar seu entusiasmo. Ele fala como está
deliciosa, que deveria ser encorajador, se você não soubesse o que a febre faz
às pessoas. Ele é como escutar Haymitch antes que o álcool o afogue na
incoerência. Dou a ele outra dose de remédio para febre antes dele dormir
completamente.
Quando desço até o
riacho para me lavar, tudo que posso pensar é que ele vai morrer se eu não for
ao banquete. Vou mantê-los por um dia ou dois, e então a infecção vai atingir
seu coração ou seu cérebro ou seus pulmões e ele se vai. E eu estarei aqui
sozinha. De novo. Esperando pelos outros.
Estou tão perdida
nos pensamentos que acho perto um paraquedas, embora ele flutuasse ante a mim.
Então eu me lanço atrás dele, puxando-o da água, rasgando o tecido prateado
para recuperar o frasco. Haymitch fez! Ele conseguiu remédio – não sei como,
persuadiu algumas tolas mulheres românticas para vender suas joias – e posso
salvar Peeta! É um frasco tão pequeno, porém. Deve ser forte o bastante para
curar alguém tanto doente como Peeta. Uma onda de dúvidas me atravessa.
Destampo o frasco e dou uma cheirada profunda. Minha força cai ao doentio
cheiro doce. Sem dúvidas, é sonífero. Um remédio comum no Distrito 12. Barato,
em relação aos outros remédios, mas muito viciante. Quase todos têm uma dose ou
outra. Temos uma garrafa em casa. Minha mãe dá a histéricos pacientes para
desacordá-los para dar pontos numa ferida ruim ou aquietar suas mentes ou
apenas ajudar alguém em dor a atravessar a noite. É apenas um pouco. Um frasco
desse tamanho poderia desacordar Peeta por todo um dia, mas qual é o bom disso?
Estou tão furiosa que estou quase atirando a última oferta de Haymitch no
riacho percebo. Um dia todo? É mais do que eu preciso.
Eu moo um punhado
de bagas para que o gosto não seja não notável e acrescendo folhas de hortelã
em boa medida. Então volto para a caverna. “Trouxe para você um banquete. Achei
bagas um pouco rio abaixo.”
Peeta abre sua
boca para o primeiro pedaço sem hesitação. Ele engole e depois franze o cenho
levemente. “Elas são muito doces.”
“Sim, elas são
bagas doces. Minha mãe faz geleia com eles. Você nunca as provou antes?” digo,
empurrando a próxima colherada na sua boca.
“Não,” ele diz,
quase surpreso. “Mas o gosto é familiar. Bagas doces?”
“Bem, você não pode consegui-las no mercado, elas são
silvestres,” digo. Outro bocado desce. Apenas um para ir.
“Elas são doces
como xarope,” diz, tomando a última colherada. “Xarope.” Seus olhos se ampliam
quando ele percebe a verdade. Eu pressiono minha mão sobre sua boca e seu nariz
fortemente, forçando-o a engolir em vez de cuspir. Ele tenta vomitar o mistura,
mas é tarde demais, ele já está perdendo a consciência. Mesmo quando ele
desacorda, posso ver em seus olhos que o que fiz é imperdoável.
Sento-me sobre
meus calcanhares e olho para ele com uma mistura de tristeza e satisfação. Uma
baga mancha seu queijo, e eu o limpo. “Quem não pode mentir, Peeta?” digo,
embora ele não possa me escutar.
Isso não importa.
O resto de Panem pode.
21
Nas horas
restantes antes do anoitecer, eu reúno pedras e faço e faço o meu melhor para
camuflar a abertura da caverna. É um processo demorado e árduo, mas após suar
muito e deslocar as coisas do lugar, estou bastante satisfeita com o meu
trabalho. A caverna parece ser agora uma parte de uma pilha maior de pedras,
como muitas na vizinhança. Eu ainda posso rastejar até o Peeta por uma pequena
abertura, mas é indetectível do lado de fora. Isso é bom, porque eu precisarei
dividir aquele saco de dormir novamente hoje à noite. E, também, se eu não
voltar do banquete, Peeta ficará escondido, mas não inteiramente aprisionado.
Apesar de eu duvidar que ele possa aguentar muito mais sem remédio. Se eu
morrer no banquete, o Distrito 12 provavelmente não terá um vencedor.
Eu faço uma
refeição com o peixe menor e mais espinhento que habita o riacho aqui abaixo,
encho cada recipiente com água e a purifico, e limpo minhas armas. Eu tenho
nove flechas restantes. Eu debato se devo deixar a faca com Peeta para que ele
tenha alguma proteção enquanto eu estiver longe, mas realmente não há razão.
Ele estava certo sobre camuflagem ser sua última defesa final. Mas eu talvez
ainda tenha uso para a faca. Quem sabe o que poderei encontrar?
Essas são algumas
das coisas de que estou bastante certa. Que pelo menos Cato, Clove e Thresh estarão
por perto quando o banquete começar. Não tenho muita certeza sobre a
Foxface, já que confrontação direta não é seu estilo ou
ponto forte. Ela é ainda menor do que eu e está desarmada, a não ser que tenha
pego algumas armas recentemente.
Ela provavelmente
ficará em algum lugar por perto, vendo o que pode catar. Mas os outros três...
ficarei ocupada. Minha habilidade de matar a distância é minha melhor vantagem,
mas eu sei que terei que ir até o fim para conseguir aquela mochila, a com o
número 12 que Claudius Templesmith mencionou.
Eu observo o céu,
esperando por um oponente a menos ao amanhecer, mas ninguém aparece hoje à
noite. Amanhã haverá rostos lá no alto. Banquetes sempre resultam em
fatalidades.
Eu engatinho até a
caverna, guardo meus óculos, e me aconchego próxima ao Peeta. Felizmente, eu
tive aquele bom e longo sono hoje. Tenho que permanecer acordada. Eu não acho
realmente que alguém atacará nossa caverna hoje à noite, mas não posso arriscar
perder o amanhecer.
Tão fria, hoje a
noite está tão amargamente fria. Como se os Gamemakers tivessem mandado uma
infusão de ar congelado na arena, o que pode ser exatamente o que tenham feito.
Eu me deito próxima ao Peeta no saco, tentando absorver cada pedacinho do calor
da febre dele. É estranho estar tão fisicamente próxima a alguém que está tão
distante. Peeta podia muito bem estar de volta em Capital, ou no Distrito 12,
ou na lua agora, e ele não estaria mais difícil de se alcançar. Eu nunca me
senti mais sozinha desde que os Games começaram.
Simplesmente
aceite que será uma noite ruim, eu digo a mim mesma. Eu tento não fazê-lo, mas
não consigo evitar pensar na minha mãe e em Prim, me perguntando se elas
pregarão o olho esta noite. Nesse estágio tão avançados dos Games, com um
evento importante como o banquete, as aulas provavelmente serão canceladas.
Minha família pode ou assistir naquela televisão de ferro-velho cheia de
estática em casa ou se juntar à multidão na praça e assistir nas telas grandes
e claras. Elas terão privacidade em casa, mas apoio na praça. As pessoas lhes
falarão coisas bondosas, lhes darão um pouco de comida se puderem se dar ao
luxo. Me pergunto se o padeiro já as procurou, especialmente agora que Peeta e
eu somos um time, e cumpriu sua promessa de manter a barriga da minha irmã
cheia.
Os ânimos devem
estar altos no Distrito 12. Raramente temos alguém por quem torcer nesse
estágio dos Games. Claro, as pessoas estão animadas pelo Peeta e por mim,
especialmente agora que estamos juntos. Se eu fechar meus olhos, posso imaginar
seus gritos para as telas, nos encorajando. Eu vejo seus rostos – Greasy, Sae e
Madge e até mesmo os Peacekeepers que compram as minhas carnes – torcendo por
nós.
E Gale. Eu o
conheço. Ele não estará gritando e torcendo. Mas ele estará assistindo, cada
momento, cada reviravolta, e desejando que eu volte para casa. Me pergunto se
ele está torcendo para que Peeta volte também. Gale não é meu namorado, mas
seria, se eu abrisse essa porta? Ele falou sobre nós fugirmos juntos. Isso era apenas
um cálculo prático das nossas chances de sobrevivência longe do distrito? Ou
algo mais?
Me pergunto o que
ele acha de todos esses beijos.
Através de uma rachadura nas pedras, eu observo a lua cruzar
o céu. Ao que eu julgo serem três antes do amanhecer, eu começo os preparos
finais. Tenho cuidados em deixar Peeta com água e o kit médico bem ao seu lado.
Nada mais será de muito uso se eu não retornar, e até mesmo isso iria apenas
prolongar sua vida por um curto período. Após algum debate, eu tiro sua jaqueta
e a fecho sobre a minha própria. Ele não precisa dela. Não agora no saco de
dormir com sua febre, e durante o dia, se eu não estiver ali para removê-la,
ele assará nela. Minhas mãos já estão duras de frio, então eu pego o par de
meias extra de Rue, corto buracos para os meus dedos, e coloco-as. De qualquer
jeito, ajuda. Eu encho sua pequena sacola com um pouco de comida, uma garrafa
d’água, e bandagens, enfio a faca no meu cinto, pego meu arco e flechas. Estou
prestes a partir quando me lembro da importância de sustentar a rotina dos
amantes desafortunados e me inclino e dou um beijo longo e demorado em Peeta.
Imagino os suspiros lacrimejantes emanando de Capital e finjo afastar uma
lágrima própria. Então passo espremida pela abertura nas pedras para a noite.
Minha respiração
forma nuvenzinhas brancas quando atinge o ar. Está tão frio quanto uma noite de
novembro lá em casa. Uma quando deslizei para a floresta, lanterna na mão, para
me juntar a Gale num local pré-arranjado onde nos sentaríamos agasalhados
juntos, tomando chá de ervas de frascos de metal, enrolados em colchas,
esperando que alguma caça passasse pelo nosso caminho enquanto a manhã chegava.
Ah, Gale, eu penso. Se ao menos você me protegesse agora...
Me movo o mais
rápido que ouso. Os óculos são muito notáveis, mas eu ainda sinto falta
solenemente do uso do meu ouvido esquerdo. Eu não sei o que a explosão fez, mas
danificou algo profundo e irreparável. Não importa. Se eu chegar em casa, serei
tão rica que serei capaz de pagar alguém para ouvir para mim.
A floresta sempre
parece diferente de noite. Mesmo com os óculos, tudo tem um ângulo estranho.
Como se as árvores e flores e pedras diurnas tivessem ido para cama e tivessem
mandado versões ligeiramente agourentas de si mesmas para tomarem seu lugar.
Não tento nada arriscado, como tomar uma nova rota. Eu caminho pelo riacho e
sigo o mesmo trajeto de volta ao esconderijo da Rue perto do lado. Ao longo do
caminho, não vejo sinal de outro tributo, nem uma baforada de ar, nem um tremor
de galho. Ou sou a primeira a chegar ou os outros se posicionaram na noite
passada. Ainda falta mais de uma hora, talvez duas, quando eu me retorço para
um arbusto e espero o sangue começar a fluir.
Eu mastigo algumas
folhas de menta, meu estômago não aceita muito mais. Graças a Deus, tenho a
jaqueta de Peeta, assim como a minha própria. Se não, eu seria forçada a me
mover para permanecer aquecida. O céu vira um cinza nebuloso de manhã e ainda
não há sinal dos outros tributos. Não é muito surpreendente, na verdade. Todos
se distinguiram ou pela força ou pela letalidade ou perspicácia. Eles supõem,
eu me pergunto, que tenho Peeta comigo? Eu duvido que Foxface e Thresh saibam
que ele foi ferido.
Melhor ainda se
acharem que ele está cobrindo por mim quando eu for pegar a mochila.
Mas onde está? A
arena se iluminou o bastante para eu remover meus óculos. Eu consigo ouvir os
pássaros matinais cantando. Não está na hora? Por um segundo, entro em pânico
achando que estou no local errado. Mas não, estou certa de que me lembro de
Claudius
Templesmith especificando a Cornucópia. E ali está. E aqui
estou eu. Então onde meu banquete?
Bem quando o
primeiro raio de sol brilha na dourada Cornucópia, há um distúrbio na campina.
O chão perante a boca da tromba se dividi em dois e uma mesa redonda com uma
toalha branca-de-neve sobe na arena. Na mesa estão quatro mochilas, duas pretas
grandes com os números 2 e 11, uma verde de tamanho médio com o número 5, e uma
laranja minúscula – sério, eu podia carregá-la ao redor do meu punho – que deve
estar marcada com um 12.
A mesa acabou de
cair no lugar quando uma figura lança-se para fora da Cornucópia, pega a
mochila verde, e sai a toda velocidade.
Foxface! É bem
coisa dela inventar uma ideia tão esperta e arriscada! O resto de nós está ainda
aprumado em torno da campina, avaliando a situação, e ela pegou a dela. Ela nos
prendeu, também, porque ninguém quer persegui-la, não enquanto sua própria
mochila está tão vulnerável na mesa. Foxface deve ter deixado propositadamente
as outras mochilas, sabendo que roubando uma sem seu número iria
definitivamente encorajar um perseguidor.
Essa deveria ter
sido a minha estratégia! Na hora que superei minhas emoções de surpresa,
admiração, raiva, ciúmes, e frustração, observo aquela juba de cabelos avermelhados
desaparecer nas árvores bem longe da área de alcance. Hum. Estou sempre temendo
os outros, mas talvez Foxface seja a verdadeira oponente aqui.
Ela me custou
tempo, também, porque agora está claro que eu preciso ir para a mesa a seguir.
Quem quer que chegue antes de mim irá facilmente pegar a minha mochila e ir
embora. Sem hesitação, eu corro a toda velocidade para a tabela. Eu consigo
sentir a emergência do perigo antes de o ver. Felizmente, a primeira faca vem
voando pelo meu lado direito, então sou capaz de ouvir e consigo desviar com o
meu arco. Me viro, retrocedendo a corda do arco e mando uma flecha diretamente
no coração da Clove. Ela se vira exatamente o suficiente para evitar um golpe
fatal, mas a ponta perfura seu braço esquerdo. Infelizmente, ela joga com o
direito, mas é o suficiente para retardá-la por alguns momentos, tendo que
puxar a flecha do seu braço, avaliar a gravidade do ferimento. Eu continuo me
movimentando, posicionamento a próxima flecha automaticamente, como só alguém
que caçou durante anos sabe fazer.
Estou na mesa
agora, meus dedos fechando sobre a minúscula mochila laranja. Minha mão desliza
entre as correias e eu a puxo pelo meu braço, é realmente pequena demais para
caber em qualquer outra parte da minha anatomia, e eu estou me virando
novamente para atirar quando a segunda faca me pega na testa. Ela corta em cima
da minha sobrancelha direita, abrindo uma ferida que envia um fluxo escorrendo
pelo meu rosto, cegando meu olho, enchendo minha boca com o gosto picante e metálico
do meu próprio sangue. Eu cambaleio para trás, mas ainda consigo enviar minha
flecha pronta na direção geral do meu agressor. Eu sei enquanto ela deixa as
minhas mãos que vai errar. E então Clove bate em mim, me deixando cair de
costas, prendendo meus ombros no chão, com seus joelhos.
É isso, eu penso,
e espero, por Prim, que seja rápido. Mas Clove quer saborear o momento. Até
mesmo sente que tem tempo. Sem dúvida Cato está em algum lugar próximo, a
protegendo, esperando pelo Thresh e possivelmente pelo Peeta.
"Onde está o seu namorado, Distrito Doze? Ainda
persistindo?" ela pergunta.
Bem, enquanto
estivermos falando eu estou viva. "Ele está lá fora agora. Caçando o
Cato," eu rosno para ela. Então eu grito a plenos pulmões.
"Peeta!"
Clove comprimi seu
punho na minha traqueia, muito eficazmente cortando a minha voz. Mas a cabeça
dela está virando de lado a lado, e eu sei que por um momento ela está pelo
menos considerando que eu estou dizendo a verdade. Já que nenhum Peeta aparece
para me salvar, ela se volta para mim.
"Mentirosa,"
ela diz com um sorriso. "Ele está quase morto. Cato sabe onde o cortou.
Você provavelmente está com ele amarrado em alguma árvore enquanto você tenta
manter seu coração batendo. O que está na mochilinha bonita? O remédio para o
Lover Boy? Que pena que ele nunca vai recebê-lo."
Clove abre sua
jaqueta. Está forrada com um impressionante conjunto de facas. Ela seleciona
cuidadosamente uma de aparência quase delicada com uma lâmina cruel e curvada.
"Eu prometi ao Cato que se ele me deixasse ter você, eu daria ao público
um bom espetáculo."
Luto agora em um
esforço para removê-la, mas não adianta.
Ela é muito pesada
e seu aperto em mim é muito firme.
"Esqueça,
Distrito Doze. Nós vamos te matar. Bem como nós matamos sua aliadinha
patética... qual era o nome dela? Aquela que pulava nas árvores? Rue? Bem, Rue
primeiro, depois você, e então eu acho que nós vamos simplesmente deixar a
natureza cuidar do Lover Boy. Como isso soa?" Clove pergunta. "Agora,
por onde começar?"
Ela descuidadamente
retira o sangue da minha ferida com a manga da sua jaqueta. Por um momento, ela
analisa meu rosto, inclinando-o de lado a lado como se fosse um bloco de
madeira e ela estivesse decidindo exatamente que padrão esculpir nele. Eu tento
morder sua mão, mas ela pega o cabelo no alto da minha cabeça, me forçando de
volta ao chão. "Eu acho..." ela quase ronrona. "Eu acho que
vamos começar com a sua boca." Eu aperto os meus dentes juntos enquanto
ela traça provocativamente o contorno dos meus lábios com a ponta da lâmina.
Eu não fecho meus
olhos. O comentário sobre Rue me encheu de fúria, fúria o suficiente que eu
penso em morrer com alguma dignidade. Como o meu último ato de rebeldia, vou
encará-la enquanto conseguir enxergar, o que provavelmente não será um período
de tempo prolongado, mas eu vou encará-la, eu não vou gritar. Eu vou morrer, de
meu próprio jeitinho, invicta.
"Sim, eu não
acho que você vai ter muito mais uso para os seus lábios. Quer soprar para o
Lover Boy um último beijo?" ela pergunta, eu junto um bocado de sangue e
saliva e cuspo no rosto dela. Ela fica vermelha de raiva. "Muito bem.
Vamos começar."
Eu me preparo para
a agonia que certamente se seguirá. Mas enquanto sinto a ponta abrir o primeiro
corte em meu lábio, alguma forma grande arranca Clove do meu corpo e então ela
grita. Fico muito estupefata de primeira, incapaz demais de processar o que
aconteceu. O
Peeta, de alguma forma, veio ao meu resgate? Os Gamemakers
soltaram algum animal selvagem para aumentar a diversão? Um aerobarco
inexplicavelmente a puxou pelo ar?
Mas quando eu me
levanto com meus braços dormentes, vejo que não é nenhuma das alternativas
acima. Clove está balançando a trinta centímetros do chão, presa nos braços de
Thresh. Solto um suspiro, vendo-o assim, elevando-se sobre mim, segurando Clove
como uma boneca de pano. Me lembro dele grande, mas ele parece mais maciço,
mais poderoso do que eu me lembrava. Aliás, ele parece ter ganho peso na arena.
Ele vira a Clove e a arremessa no chão.
Quando ele berra,
eu pulo, nunca tendo ouvido-o falar acima de um murmúrio. "O que você fez
para aquela menininha? Você a matou?"
Clove está lutando
para trás de quatro, como um inseto frenético, chocada demais até mesmo para
chamar por Cato. "Não! Não, não fui eu!"
"Você disse o
nome dela. Eu ouvi você. Você a matou?" Outro pensamento traz uma onda
fresca de raiva a seus traços. "Você a cortou como você ia cortar esta
menina aqui?"
"Não! Não, eu
–" Clove vê a pedra, cerca do tamanho de um pequeno pedaço de pão na mão
de Thresh e perde a cabeça. "Cato!" ela chia. "Cato!"
"Clove!"
eu ouvi a resposta de Cato, mas ele está muito longe, posso afirmar isso, para
ajudá-la. O que ele estava fazendo? Tentando conseguir a Foxface ou o Peeta? Ou
ele estivera deitado esperando por Thresh e simplesmente tinha julgado mal a
localização dele?
Thresh desce a
pedra com força contra a têmpora de Clove.
Não está
sangrando, mas consigo ver o amasso em seu crânio e sei que ela é um caso
perdido. Ainda há vida nela agora, contudo, na rápida ascensão e queda de seu
peito, no baixo gemido escapando de seus lábios.
Quando Thresh gira
para mim, a pedra levantada, eu sei que não há propósito em correr. E meu arco
está vazio, a última flecha armada tinha ido parar na direção de Clove. Estou
presa no brilho dos seus estranhos olhos castanhos dourados. "O que ela
quis dizer? Sobre Rue ser sua aliada?"
"Eu – eu –
nós nos unimos. Explodimos os suprimentos. Eu tentei salvá-la, eu tentei. Mas
ele chegou lá primeiro. Distrito 1," eu digo. Talvez se ele souber que eu
ajudei a Rue, ele não escolherá algum fim lento e sádico para mim.
"E você o
matou?" ele exige.
"Sim. Eu
matei ele. E a enterrei em flores," eu digo. "E eu cantei para ela
até dormir."
Lágrimas brotam
dos meus olhos. A tensão e a luta saem de mim com a lembrança. E fico oprimida
pela Rue, e pela dor na minha cabeça, e pelo meu medo de Thresh, e pelo gemido
da menina morrendo a alguns metros de distância.
"Até
dormir?" Thresh diz rispidamente.
"Até morrer. Eu cantei até que ela morresse," eu
digo. "O seu distrito... eles me mandaram pão." Minha mão levanta-se,
mas não para pegar uma flecha que eu sei que nunca vou alcançar. Só para
enxugar meu nariz. "Faça isso rápido, está bem, Thresh?"
Emoções
conflitantes cruzam o rosto de Thresh. Ele abaixa a pedra e aponta para mim,
quase acusadoramente. "Só dessa vez, eu te deixarei ir. Pela garotinha.
Você e eu, estamos quites. Não se deve mais nada. Entendeu?"
Aceno porque
entendo mesmo. Sobre se dever. Sobre odiar isso. Entendo que se Thresh ganhar,
ele terá que voltar e enfrentar um distrito que já quebrou todas as regras para
me agradecer, e ele está quebrando as regras por me agradecer também. E eu
entendo que, no momento, Thresh não vai esmagar o meu crânio.
"Clove!"
a voz de Cato está muito mais perto agora. Eu posso afirmar pela dor nela que
ele a vê no chão.
"É melhor
você correr agora, Garota do Fogo," diz Thresh.
Não precisa me
dizer duas vezes. Eu me reviro e meus pés mergulham na terra batida enquanto eu
fujo de Thresh e Clove e do som da voz de Cato. Só quando eu alcanço a floresta
eu me viro por um instante. Thresh e ambas as mochilas grandes estão
desaparecendo pela beirada da campina até a área que eu nunca vi. Cato se
ajoelha ao lado da Clove, lança na mão, implorando para ela ficar com ele. Em
um instante, ele perceberá que é fútil, ela não pode ser salva. Eu bato contra
as árvores, repetidamente afastando o sangue que está vertendo em meus olhos,
fugindo como a criatura selvagem e ferida que sou. Após alguns minutos, ouço o
canhão e sei que Clove morreu, que Cato ficará atrás dos rastros de um de nós.
Ou do Thresh ou do meu. Estou dominada com terror, fraca por causa do meu
ferimento na cabeça, tremendo. Eu carrego uma flecha, mas Cato consegue jogar a
lança quase tão longe quanto eu consigo atirar.
Só uma coisa me
acalma. Thresh está com a mochila de Cato contendo o negócio que ele precisa
desesperadamente. Se eu tivesse que apostar, Cato se dirigiu atrás de Thresh,
não de mim. Ainda assim, não retardo quando chego na água. Eu mergulho
diretamente, as botas ainda calçadas, e me debato correnteza abaixo. Eu tiro as
meias de Rue que estive usando como luvas e as pressiono na minha testa,
tentando estancar o fluxo de sangue, mas elas ficam encharcadas em minutos.
De alguma forma eu
volto para a caverna. Eu me aperto para passar pelas pedras. À luz manchada, eu
puxo a pequena mochila laranja do meu braço, abro o fecho, e despejo o conteúdo
no chão. Uma caixa magra contendo uma agulha hipodérmica.
Sem hesitar, eu
aperto a agulha no braço do Peeta e pressiono lentamente o êmbolo.
Minhas mãos vão
até a minha cabeça e então caem no meu colo, escorregadias de sangue.
A última coisa que
me lembro é de uma mariposa verde-e-prata primorosamente bela pousando na curva
do meu pulso.
22
O som de chuva
batendo contra o teto de nossa casa gentilmente me puxa para consciência. Luto
para retornar ao sono, entretanto, enrolada num quente bolo de cobertores,
segura em casa. Vagamente estou consciente de que minha cabeça dói.
Possivelmente eu tenho gripe e é por isso que posso ficar na cama, embora possa
dizer que dormi por muito tempo. A mão da minha mãe acaricia minha bochecha e
não a afasto como eu faria se estivesse totalmente acordada, nunca querendo que
ela saiba o quanto desejo aquele toque gentil. O quando eu senti a sua falta
embora ainda não confiasse nela. Então há uma voz, uma voz errada, não da minha
mãe, e estou com medo.
“Katniss,” diz.
“Katniss, você pode me ouvir?”
Meus olhos se
abrem e a sensação de segurança desaparece. Não estou em casa, não com minha
mãe. Estou numa caverna escura e fria, meus pés nus congelando apesar do
cobertor, o ar maculado com o claro cheiro de sangue. O rosto pálido e cansado
de um garoto entra na minha visão, e depois de um inicial golpe de alarme, sinto-me
melhor. “Peeta.”
“Hey,” ele diz.
“Bom ver seus olhos novamente.”
“Por quanto tempo
estive apagada?” pergunto.
“Não tenho
certeza. Acordei ontem de manhã e você estava deitada ao meu lado numa poça de
sangue assustadora,” ele diz. “Acho que finalmente parou, mas eu não me
sentaria nem nada.”
Eu cuidadosamente
levanto minha mão para minha cabeça e encontro-a enfaixada. Esse simples gesto
me deixa fraca e tonta. Peeta segura uma garrafa nos meus lábios e bebo com
sede.
“Você está
melhor,” digo.
“Muito melhor. O
que quer que você injetou no meu braço fez um truque,” diz. “Essa manhã, quase
todo o inchaço da minha perna tinha sumido.”
Ele não parecia
zangado por eu tê-lo enganado, drogado, e corrido para o banquete. Talvez eu
esteja apenas batida demais e vou escutar depois quando estiver mais forte. Mas
por enquanto, ele é toda gentileza.
“Você comeu?” pergunto.
“Sinto muito por
dizer que engoli três pedaços daquelas ervas antes de perceber que elas
deveriam durar mais. Não se preocupe, estou de volta à dieta rígida,” diz.
“Não, é bom. Você
precisa comer. Vou caçar em breve,” digo.
“Não tão em breve,
certo?” ele diz. “Você só tem de me deixar tomar conta de você por ora.”
Eu realmente não
pareço ter muita escolha. Peeta me alimenta com pedaços de ervas e uvas secas e
me faz beber muita água. Ele esfrega meus pés para aquecê-los e os enrola em
sua jaqueta antes de enfiar o saco de dormir de volta ao redor do meu queixo.
“Suas botas e
meias ainda estão molhadas e o tempo não está ajudando muito,” ele diz. Há um
ruído de um trovão, e vejo a eletricidade iluminando o céu através da abertura
das pedras. A chuva goteja pelos vários buracos do teto, mas Peeta construiu um
tipo de cobertura sobre minha cabeça e a parte superior do meu corpo, prendendo
um pedaço de plástico na pedra acima de mim.
“O que provocou
essa tempestade? Quero dizer, quem é o alvo?” diz Peeta.
“Cato e Thresh,”
digo sem pensar. “Foxface está em seu esconderijo em algum lugar, e Clove...
ela me cortou e então...” Minha voz falha.
“Sei que Clove
está morta. Vi no céu noite passada,” diz. “Você a matou?”
“Não. Thresh
quebrou sua cabeça com uma pedra,” digo.
“Sorte que ele não
te pegou, também,” diz Peeta.
A memória do
banquete retorna com força total e me sinto doente. “Ele me pegou. Mas me
deixou.” Então, é claro, tenho de contar a ele. Sobre coisas que mantive para
mim mesma, porque ele estava tão doente para perguntar e eu não estava pronta
para reviver, de qualquer modo. Como a explosão e meu ouvido e Rue morrendo e o
garoto do Distrito 1 e o pão. Tudo que leva ao que aconteceu com Thresh e como
ele estava pagando uma dívida de sorte.
“Ele te deixou
porque não queria dever a você nada?” pergunta Peeta com descrença.
“Sim. Não espero
que você entenda. Você sempre teve o suficiente. Mas se você vivesse em Seam,
eu não teria de explicar,” digo.
“E não tente.
Obviamente sou muito turvo para compreender.”
“É como o pão.
Como eu nunca pareço pargar a dívida com você por aquilo,” digo.
“O pão? O quê? De
quando éramos crianças?” diz. “Acho que podemos deixar isso. Quero dizer, você
só me trouxe de volta da morte.”
“Mas você não me
conhecia. Nós nunca tínhamos nos falado. Além disso, é o primeiro presente que
é sempre o mais difícil de pagar. Eu não estaria nem ao menos aqui se você não tivesse
me ajudado então,” digo. “Por que você fez, de qualquer maneira?”
“Por quê? Você sabe o porquê,” Peeta diz. Dou com minha
cabeça um leve e doloroso agito. “Haymitch disse que demoraria bastante para te
convencer.”
“Haymitch?”
pergunto. “O que ele tem a ver com isso?”
“Nada,” Peeta diz.
“Então, Cato e Thresh, huh? Acho que é esperar demais que eles se destruam
simultaneamente?”
Mas o pensamento
apenas me irrita. “Acho que nós gostaríamos de Thresh. Acho que ele seria nosso
amigo no Distrito Doze,” digo.
“Estão vamos
esperar que Cato mate Thresh, assim não teremos de fazer isso,” diz Peeta
cruelmente.
Não quero nem um
pouco que Cato mate Thresh. Não quero que ninguém mais morra. Mas essa não é
absolutamente o tipo de coisa que vencedores dizem na arena. Apesar dos meus
esforços, posso sentir as lágrimas se acumulando nos meus olhos.
Peeta olha para
mim com preocupação. “O que é? Você está sentindo muita dor?”
Dou a ele outra
resposta, porque é igualmente verdadeira, mas pode ser levada como um breve
momento de fraqueza em vez de uma fraqueza terminal. “Quero ir para casa,
Peeta,” digo queixosamente, como uma criança pequena.
“Você vai.
Prometo,” ele diz, e se inclina para me dar um beijo.
“Quero ir para
casa agora,” digo.
“Não me diga.
Volte a dormir e sonhe com casa. E você vai estar lá de verdade antes que você
saiba,” ele diz. “Ok?”
“Ok,” sussurro.
“Acorde-me se me precisar para vigiar.”
“Estou bem e
descansado, graças a você e a Haymitch. Além disso, quem sabe quando isso vai
durar?” diz.
O que ele quer
dizer? A tempestade? A breve trégua que ela trás para nós? Os próprios Games?
Não sei, mas estou muito triste e cansada para perguntar.
É de tarde quando
Peeta me acorda. A chuva se tornou torrencial, mandando fluxos de água através
do nosso teto, onde houve apenas goteiras. Peeta colocou o pote de caldo sob a
pior e reposicionou o plástico para desviar a maior parte de mim. Sinto-me um
pouco melhor, capaz de sentar sem ficar tão tonta, e estou absolutamente
faminta. Assim está Peeta. Está claro que ele esperou eu acordar para comer e
está ávido para começar.
Há pouco restou
muito. Dois pedaços de ervas, uma pequena mistura de raízes, e um punhado de
frutas secas.
“Deverias
racionar?” Peeta pergunta.
“Não, vamos acabá-lo. As ervas estão ficando velhas, de
qualquer jeito, e a última coisa que precisamos é ficar doente por causa de
comida estragada,” digo, dividindo a comida em duas pilhas iguais. Tentamos
comer devagar, mas ambos estamos com tanta fome que terminamos em dois minutos.
Meu estômago não está satisfeito. “Amanhã é dia de caçar,” digo.
“Eu não vou ser de
muita ajuda nisso,” Peeta diz. “Nunca cacei antes.”
“Eu mato e você
cozinha,” digo. “E você pode sempre colher.”
“Queria que
existisse algum arbusto de pão por aí,” diz Peeta.
“O pão que me
mandaram do Distrito 11 ainda estava quente,” digo com um suspiro. “Aqui, coma
esses.” Dou a ele duas folhas de hortelã e coloco algumas na minha boca.
É difícil até para
ver a projeção no céu, mas é claro o suficiente para saber que não houve mais
mortes hoje. Então Cato e Thresh não saíram ainda.
“Para onde Thresh
foi? Quero dizer, o que há do outro lado do círculo?” Pergunto a Peeta.
“Um campo. Até o
ponto que você pode ver é cheio de ervas tão altas quanto meus ombros. Não sei,
talvez algumas delas tenham sementes. Há partes de diferentes cores. Mas não há
trilhas,” diz Peeta.
“Aposto que
algumas delas têm sementes. Aposto que Thresh sabe quais, também,” digo. “Você
foi lá?”
“Não. Ninguém
realmente queria seguir Thresh naquelas ervas. Tem uma sensação sinistra lá.
Toda vez que olho para o campo, tudo em que consigo pensar são coisas
escondidas. Cobras, animais raivosos, e areia movediça,” Peeta diz. “Pode haver
qualquer coisa lá.”
Não digo a Peeta,
mas suas palavras me lembram das advertências que dão a nós sobre não ir além
da cerca no Distrio 12. Não posso evitar, por um momento, compará-lo a Gale,
que veria aquele campo como uma potencial fonte de comida tanto quanto uma
ameaça. Thresh certamente viu. Não é que Peeta seja frágil, exatamente, ele
provou que não é covarde. Mas há coisa que você não questiona tanto, acho,
quando sua casa sempre cheira como uma fornada de pães, enquanto que Gale
questiona tudo. O que Peeta pensaria das brincadeiras irreverentes que passam
entre nós quando quebramos a lei todo dia? Iria chocá-lo? As coisas que
dissemos sobre Panem? As desgraças de Gale contra o Capital?
“Talvez haja um
arbusto de pão naquele campo,” digo. “Talvez seja por isso que Thresh pareça
melhor alimentado agora do que quando começamos os Games.”
“Ou isso ou ele
tem generosos patrocinadores,” diz Peeta. “Pergunto-me o que nós teríamos de
fazer para conseguir que Haymitch nos mande algum pão.”
Levanto minhas
sobrancelhas antes de me lembrar que ele não sabe sobre a mensagem que Haymitch
nos enviou há duas noites. Um beijo igual a um pote de caldo. Não é o tipo de
coisa que posso deixar escapar, tampouco. Dizer meus pensamentos em voz alta
seria confessar para a audiência que esse romance foi fabricado para brincar
com suas simpatias e isso
resultaria em nenhuma comida. De alguma forma aceitável, eu
tenho de começar tudo de volta no caminho certo. Algo simples para começar.
Estendo a mão e tomo a dele.
“Bem, ele
provavelmente usou muito recurso ajudando-me a te desacordar,” digo de forma
travessa.
“Sim, sobre
aquilo,” diz Peeta, entrelaçando seus dedos nos meus. “Não tente algo como
aquilo novamente.”
“Ou o quê?”
pergunto.
“Ou... ou...” Ele
não pode pensar em nada bom. “Só me dê um minuto.”
“Qual é o
problema?” digo com um sorriso.
“O problema é que
nós dois estamos vivos. O que apenas reforça a ideia na sua cabeça de que você
fez a coisa certa,” diz Peeta.
“Eu fiz a coisa
certa,” digo.
“Não! Só não,
Katniss!” Seu aperto fica mais forte, machucando minha mão, e há raiva real em
sua voz. “Não morra por mim. Você não vai me fazer qualquer favor. Certo?”
Estou assustada
com sua intensidade, mas reconheço uma excelente oportunidade de conseguir
comida, então eu tento continuar. “Talvez eu tenha feito por mim mesma, Peeta,
você já pensou nisso? Talvez você não seja o único que... que se preocupe
com... o que seria se...”
Eu me atrapalho.
Não sou tão boa com as palavras como Peeta. E enquanto estou conversando, a
ideia de perder Peeta de verdade me atinge novamente e percebo o quanto não
quero que ele morra. E não é sobre os patrocinadores. E não é sobre o que vai
acontecer em casa. E não é só porque eu queira ficar sozinha. É ele. Eu não
quero perder o garoto com o pão.
“Se o quê,
Katniss?” ele diz suavemente.
Eu gostaria de
fechar as persianas, bloquear esse momento dos olhos curiosos de Panem. Mesmo
que isso signifique perder comida. O que quer que eu esteja sentindo, não é
problema de ninguém além de mim.
“Esse é exatamente
o tipo de tópico que Haymitch me disse para me afastar,” digo evasivamente,
embora Haymitch nunca tenha dito nada do tipo. De fato, ele provavelmente está
me amaldiçoando agora mesmo por deixar a bola cair durante tal mudança
emocional. Mas Peeta de algum modo percebe.
“Então tenho
apenas de preencher os vazios eu mesmo,” diz, e se move para mim.
Esse é o primeiro
beijo em que ambos estamos totalmente conscientes. Nenhum de nós manco por
doença ou dor ou simplesmente inconsciente. Nossos lábios nem queimando de
febre ou gelados. Esse é o primeiro beijo com o qual sinto
uma agitação dentro do meu peito. Quente e curiosa. Esse é o primeiro beijo que
me faz querer outro.
Mas eu não
consigo. Bem, eu consigo um segundo beijo, mas é apenas um suave na ponta do
meu nariz, porque Peeta está distraído. “Acho que seu machucado está sangrando
de novo. Venha, deite-se, é hora de se deitar, de qualquer maneira,” diz.
Minhas meias estão
secas o bastante para usá-las agora. Faço Peeta colocar sua jaqueta de volta. O
frio úmido parece me cortar até meus ossos, então ele deve estar meio
congelado. Insisto em ficar na primeira vigia, também, embora nenhum de nós
pense que alguém virá nesse tempo. Mas ele não vai aceitar a menos que eu
esteja com o saco, também, e estou com tantos calafrios que é inútil discutir.
Em contraste com
duas noites atrás, quando sentia que Peeta estava a milhões de milhas de
distância, estou impressionada com seu imediatismo agora. Quando nos
assentamos, ele puxa minha cabeça para usar seu braço como travesseiro, e o outro
fica sobre mim protetoramente mesmo quando ele vai dormir. Ninguém me segurou
dessa forma por um longo tempo. Desde que meu pai morreu e eu parei de confiar
na minha mãe, os braços de ninguém me fizeram sentir segurança.
Com a ajuda dos
óculos, observo as cotas de água batendo no chão da caverna. Rítmica e
tranquila. Várias vezes, eu cochilo brevemente e então acordo de repente,
culpada e furiosa comigo mesma. Depois de três ou quatro horas, não posso
evitar, tenho de acordar Peeta porque não posso manter meus olhos abertos. Ele
não parece se importar.
“Amanhã, quando
estiver seco, vamos encontrar um lugar tão alto nas árvores em que ambos
possamos dormir em paz,” prometo enquanto caio no sono.
Mas amanhã não é
melhor em termos de tempo. O dilúvio continua como se os Gamemakers
tencionassem nos lavar. O trovão é tão poderoso que parece tremer o chão. Peeta
está considerando sair da caverna para procurar por comida, mas digo a ele que
nessa tempestade seria inútil. Ele não será capaz de ver um metro ante seus
olhos e apenas conseguirá ficar molhado até os ossos. Ele sabe que estou certa,
mas a mordida nos nossos estômagos está se tornando dolorosa.
O dia se
transforma em noite e não há pausa no tempo. Haymitch é nossa única esperança,
mas nada é iminente, ou por falta de dinheiro – tudo vai custar uma quantia
exorbitante – ou porque ele está insatisfeito com nossa performance.
Provavelmente o último. Eu seria a primeira a admitir que não estamos
exatamente fascinantes hoje. Privados de comida, fracos de ferimentos, tentando
não reabrir as feridas. Estamos sentados aconchegados um no outro no saco de
dormir, sim, mas principalmente para nos manter quentes. A coisa mais excitante
que fazemos é cochilar.
Não estou muito
certa de como aumentar o romance. O beijo na noite passada foi ótimo, mas
trabalhar para outro vai levar alguma premeditação. Há garotas no Seam, algumas
garotas comerciantes, também, também, que navegam nessas águas facilmente. Mas
nunca tive muito tempo ou uso para isso. De qualquer forma, só um beijo não é
mais suficiente, porque se fosse nós teríamos comida noite passada. Meus
instintos me dizem que Haymitch não está
procurando apenas afeição física, ele quer algo mais
pessoal. O tipo de coisa que ele estava tentando conseguir que eu contasse
sobre mim quando estávamos praticando para a entrevista. Sou podre nisso, mas
Peeta não é. Talvez a melhor aproximação seja fazer com que ele fale.
“Peeta,” digo
suavemente. “Você disse na entrevista que tinha uma queda por mim desde sempre.
Quando o sempre começou?”
“Ah, vamos ver.
Acho que no primeiro dia na escola. Tínhamos cinco anos. Você usava um vestido
de lã vermelho e seu cabelo... estava em duas tranças em vez de uma. Meu pai
apontou para você quando estávamos esperando para o alinhamento,” Peeta diz.
“Seu pai? Por
quê?” pergunto.
“Ele disse, ‘Vê
aquela garota? Quis casar com a mãe dela, mas ela fugiu de mim com um mineiro
de carvão’,” Peeta diz.
“O quê? Você está
brincando!” exclamo.
“Não, verdade,”
Peeta diz. “E eu disse, ‘Um mineiro de carvão? Porque ela quis um mineiro de
carvão se poderia ter você?’ E ele disse, ‘Porque quando ele canta... até os
pássaros param para escutar’.”
“Isso é verdade.
Eles param. Quero dizer, eles paravam,” digo. Estou impressionada e
surpreendentemente movida, pensando no padeiro dizendo isso a Peeta. Golpeia em
mim minha própria relutância em cantar, minha própria demissão de música pode
não ser porque eu pensava que era uma perda de tempo. Pode ser porque me lembra
tanto meu pai.
“Então naquele
dia, na assembléia musical, a professora perguntou quem sabia a canção do vale.
Sua mão subiu logo no ar. Ela te levantou no banco e você cantou para nós. E
juro, todos os pássaros do lado de fora da janela ficaram em silêncio,” Peeta
diz.
“Ah, por favor,”
digo, rindo.
“Não, aconteceu. E
logo quando sua música terminou, eu soube – bem como sua mãe – que eu estava
perdido,” Peeta diz. “Então, pelos próximos onze anos, tentei criar coragem
para falar com você.”
“Sem sucesso,”
acrescento.
“Sem sucesso.
Então, de algum modo, meu nome sendo escolhido na colheita foi uma sorte,” diz
Peeta.
Por um momento,
estou quase estupidamente feliz e depois confusão me varre. Porque nós
deveríamos estar fazendo isso, fingir estarmos apaixonados não é estarmos
apaixonados. Mas a história de Peeta tem um fundo de verdade. Essa parte sobre
meu pai e os pássaros. E eu cantei no primeiro dia na escola, embora não me
lembre da música. E o vestido de lã vermelho... havia um, passado para Prim
depois da morte do meu pai.
Isso explicaria outra coisa, também. Por que Peeta apanhou
para me dar o pão naquele dia terrível. Então, se todos aqueles detalhes são
verdade... poderia ser tudo verdade?
“Você tem uma...
memória fora do comum,” digo hesitante.
“Eu me lembro de
tudo sobre você,” diz Peeta, colocando uma mecha solta do meu cabelo atrás do
meu ouvido. “Era você quem não prestava atenção.”
“Estou prestando
agora,” digo.
“Bem, não tenho
muita concorrência aqui,” ele diz.
Quero me afastar,
fechar as portas outra vez, mas sei que não posso. É como se eu ouvisse
Haymitch sussurrando no meu ouvido. “Diga! Diga!”
Engulo com força e
as palavras saem. “Você não teve muita concorrência em qualquer lugar.” E dessa
vez, sou eu quem se inclina.
Nossos lábios mal
se tocam quando um som metálico do lado de fora nos faz pular. Meu arco sobe, a
flecha já preparada para voar, mas não há outro som. Peeta espreita através das
pedras, e então dá um berro. Antes que eu possa pará-lo, ele se abaixa na
chuva, então estende algo para mim. Um paraquedas prateado amarrado a uma
cesta. Abro-a de uma vez e o que há dentro é um banquete – pães, queijo de
cabra, maçãs, e o melhor de tudo, uma terrina com um ensopado de cordeiro junto
com arroz. O prato que eu disse a Caesar Flickerman que era a coisa mais
impressionante que o Capital tinha a oferecer.
Peeta volta para
dentro, seu rosto iluminado como o sol. “Acho que Haymitch finalmente ficou
cansado de nos observar morrer de fome.”
“Também acho,”
respondo.
Mas na minha
cabeça posso ouvir as palavras presunçosas, senão levemente exasperadas, “Sim,
isso é o que eu estava procurando, querida.”
23
Cada célula do meu
corpo quer que eu mergulhe no cozido e coma até me satisfazer, jogando punhado
atrás de punhado em minha boca. Mas a voz de Peeta me para. "É melhor irmos
com calma nesse cozido. Lembra-se da primeira noite no trem? A comida farta me
deixou doente e eu não estava nem mesmo morrendo de fome, então."
"Você está certo. E eu poderia simplesmente inalar o
negócio todo!" eu digo arrependidamente. Mas não o faço. Estamos muito
sensíveis. Cada um de nós pega um rolinho, metade de uma maçã, e uma porção do
tamanho de um ovo de cozido e arroz. Eu me forço a comer o cozido em pequeninas
colheradas – eles nós mandaram até mesmo talheres e pratos – saboreando cada mordida.
Quando terminamos, eu encaro ansiosamente o prato. "Eu quero mais."
"Eu também.
Te digo uma coisa. Esperamos uma hora, se continuar desse jeito, então nós nos
servimos de novo," diz Peeta.
"Acertado,"
eu digo. "Vai ser uma longa hora."
"Talvez não
tanto," diz Peeta. "O que foi que você estava dizendo logo antes da
comida chegar? Algo sobre mim... nenhuma competição... melhor coisa que já
aconteceu com você..."
"Eu não me
lembro dessa última parte," eu digo, esperando que esteja muito turvo aqui
para as câmeras captarem meu rubor.
"Ah, está
certo. Isso era o que eu estava pensando," diz ele. "Chega mais, eu
estou congelando."
Eu abro espaço
para ele no saco de dormir. Nós nos encostamos contra a parede da caverna, a
minha cabeça em seu ombro, seus braços em volta de mim. Eu posso sentir
Haymitch me cutucando para continuar com o ato. "Então, desde que tínhamos
cinco, você nunca nem notou outras garotas?" Eu lhe pergunto.
"Não, eu
notei quase todas as garotas, mas nenhuma delas deixou uma impressão duradoura,
só você," ele diz.
"Tenho
certeza de que seus pais ficariam animados, você gostando de uma garota de
Seam," eu digo.
"Dificilmente.
Mas eu não poderia me importar menos. De qualquer forma, se voltarmos, você não
será uma garota de Seam, você será uma garota da Vila dos Vitoriosos," ele
diz.
Está certo. Se
vencermos, cada um irá ganhar uma casa na parte da cidade reservada para os
vitoriosos do Hunger Games. Há muito tempo, quando os Games começaram, o Capital
construíra uma dúzia de casas chiques em cada distrito. É claro, no nosso
apenas uma está ocupada. A maioria das outras nunca teve moradores.
Um pensamento
perturbador me atinge. "Mas então, o nosso único vizinho será Haymitch!"
"Ah, isso vai
ser bom," diz Peeta, apertando seus braços ao meu redor. "Você e eu e
Haymitch. Muito acolhedor. Piqueniques, aniversários, longas noites de inverno
ao redor da fogueira recontando velhos contos do Hunger Games."
"Eu te disse,
ele me odeia!" eu digo, mas não posso deixar de rir com a imagem de
Haymitch se tornando meu novo amigo.
"Só às vezes. Quando ele está sóbrio, eu nunca o ouvi
dizer uma coisa negativa sobre você," diz Peeta.
"Ele nunca
está sóbrio!" eu protesto.
"Está certo.
Em quem estou pensando? Ah, sei. É Cinna quem gosta de você. Mas isso é
principalmente porque você não tentou fugir quando ele botou fogo em
você," diz Peeta. "Por outro lado, Haymitch... bem, se eu fosse você,
eu evitaria Haymitch completamente. Ele te odeia."
"Eu pensei
que você tinha dito que eu era a sua favorita," eu digo.
"Ele me odeia
mais," diz Peeta. "Eu não acho que as pessoas, de um modo geral,
sejam suas coisas favoritas."
Eu sei que o
público apreciará nós nos divertindo às custas de Haymitch. Ele tem estado por
perto há tanto tempo, ele é praticamente um velho amigo de alguns deles. E
depois de seu mergulho de cabeça para fora do palco na colheita, todo mundo o
conhece. A esta altura, eles terão arrastado-o para fora da sala de controle
para entrevistas sobre nós. Não há como prever que tipo de mentiras ele
inventou. Ele tem uma espécie de desvantagem porque a maioria dos mentores tem
um parceiro, um outro vencedor para ajudá-lo, enquanto que Haymitch tem que
estar pronto para entrar em ação a qualquer momento. Meio que como eu quando
estava sozinha na arena. Eu me pergunto como ele está aguentando, com a bebida,
a atenção, e o stress de tentar nos manter vivos.
É engraçado.
Haymitch e eu não nos damos bem em pessoa, mas talvez Peeta esteja certo sobre
nós sermos parecidos, porque ele parece ser capaz de se comunicar comigo pelo
sincronismo dos seus presentes.
Como eu saber que
tinha que estar perto de água quando ele a negou e como eu sabia que o xarope
do sono não era apenas algo para aliviar a dor de Peeta e como agora eu sei que
eu tenho que bancar o romance. Ele não fez muito esforço para se conectar com
Peeta, na verdade. Talvez ele ache que uma tigela de caldo de carne seria
apenas uma tigela de caldo de carne para Peeta, enquanto eu veria as restrições
que viriam com ela.
Um pensamento me
atinge, e eu estou espantada que a pergunta tenha levado tanto tempo para
aparecer. Talvez seja porque só recentemente comecei a ver Haymitch com um grau
de curiosidade. "Como você acha que ele fez isso?"
"Quem? Fez o
quê?" Peeta pergunta.
"Haymitch.
Como você acha que ele ganhou os Games?" eu digo.
Peeta considera
isto por um bom tempo antes de responder. Haymitch é muito robusto, mas não tem
um físico de se admirar como Cato ou Thresh. Ele não é particularmente bonito.
Não da maneira que faz com que patrocinadores façam chover presentes para você.
E ele é tão grosseiro, é difícil imaginar alguém unindo-se a ele. Há apenas uma
maneira de Haymitch poder ter vencido, e Peeta diz bem quando eu mesma estou
chegando a essa conclusão.
"Ele foi mais esperto que os outros," diz Peeta.
Aceno, então deixo
a conversa acabar. Mas secretamente estou me perguntando se Haymitch ficou
sóbrio o suficiente para ajudar Peeta e eu porque achou que poderíamos ter a
inteligência para sobreviver.
Talvez ele nem
sempre tenha sido um bêbado. Talvez, no começo, ele tentou ajudar os tributos.
Mas depois ficou insuportável. Deve ser um inferno ser mentor de duas crianças
e depois vê-las morrer. Ano após ano após ano. Percebo que se eu sair daqui,
isso se tornará o meu trabalho. Ser a mentora da menina do Distrito 12. A ideia
é tão repelente, eu a empurro da minha mente.
Cerca de meia hora
se passa antes de decidir que tenho que comer de novo. O próprio Peeta está com
muita fome para discutir.
Enquanto eu estou
servindo mais duas pequenas porções de cozido de carneiro e arroz, nós ouvimos
o hino começar a tocar. Peeta pressiona seus olhos contra uma fenda na rocha
para ver o céu.
"Não haverá
nada para ver hoje à noite," eu digo, muito mais interessada no cozido do
que o céu. "Nada aconteceu ou nós teríamos ouvido um canhão."
"Katniss,"
Peeta diz calmamente.
"O quê?
Devemos dividir outro rolinho, também?" Eu pergunto.
"Katniss,"
ele repete, mas eu me encontro querendo ignorá-lo.
"Eu vou
dividir um. Mas eu vou poupar o queijo para amanhã," eu digo. Vejo Peeta
olhando para mim. "O quê?"
"Thresh está
morto," diz Peeta.
"Ele não pode
estar," eu digo.
"Eles devem
ter disparado o canhão durante o trovão e nós perdemos," diz Peeta.
"Você tem
certeza? Quer dizer, está chovendo canivetes lá fora. Eu não sei como você
consegue ver alguma coisa," eu digo. Eu o afasto das rochas e espremo meus
olhos para o céu escuro e chuvoso. Por cerca de dez segundos, eu vislumbro uma
imagem distorcida de Thresh e então ele se vai. Bem assim.
Eu desmorono pelas
rochas, esquecendo momentaneamente da tarefa às mãos. Thresh está morto. Eu
deveria estar feliz, certo?
Menos um tributo a
encarar. E um poderoso também. Mas eu não estou feliz. Tudo em que posso pensar
é em Thresh me deixando ir, deixando-me correr por causa da Rue, que morreu com
aquela lança em seu estômago...
"Você está
bem?" pergunta Peeta.
Eu dou de ombros evasivamente e seguro meus cotovelos com as
minhas mãos, abraçando-os perto do meu corpo. Eu tenho que enterrar a dor
verdadeira, porque quem vai apostar em um tributo que fica choramingando a
morte de seus adversários? Rue era uma coisa. Éramos aliadas. Ela era tão
jovem. Mas ninguém vai entender a minha tristeza pelo assassinato de Thresh. A
palavra me para bruscamente. Assassinato! Felizmente, eu não disse em voz alta.
Isso não vai me ganhar nenhum ponto na arena. O que eu digo é, "É só
que... se não ganhássemos... Eu queria que Thresh ganhasse. Porque ele me
deixou ir. E por causa da Rue."
"Sim, eu
sei," diz Peeta. "Mas isso significa que estamos um passo mais perto
do Distrito Doze." Ele empurra um prato de comida nas minhas mãos.
"Coma. Ainda está quente."
Eu dou uma mordida
no cozido para mostrar que eu realmente não me importo, mas é como cola na
minha boca e é um grande esforço engolir. "Significa também que Cato vai
voltar a nos caçar."
"E ele tem
suprimentos de novo," diz Peeta.
"Ele estará
ferido, eu aposto," eu digo.
"O que te faz
dizer isso?" Peeta pergunta.
"Porque
Thresh nunca teria sucumbido sem uma luta. Ele é tão forte, quero dizer, ele
era. E eles estavam em seu território," eu digo.
"Que
bom," diz Peeta. "Quanto mais Cato estiver ferido, melhor. Eu me
pergunto como a Foxface está se virando."
"Oh, ela está
bema," eu digo irritada. Eu ainda estou com raiva que ela pensou em se
esconder na Cornucópia e eu não. "Provavelmente será mais fácil pegar Cato
do que ela."
"Talvez eles
irão se pegar nós poderemos simplesmente ir para casa," diz Peeta.
"Mas é melhor termos cuidado extra com as vigilâncias. Eu cochilei algumas
vezes."
"Eu
também," eu admito. "Mas não hoje."
Nós terminamos
nossa comida em silêncio e depois Peeta se oferece para ficar com a primeira
vigilância. Eu me enterro profundamente no saco de dormir ao lado dele, puxando
meu capuz sobre o meu rosto para escondê-lo das câmeras. Eu só preciso de
alguns momentos de privacidade onde eu posso deixar qualquer emoção cruzar o
meu rosto sem ser vista. Sob o capuz, eu silenciosamente digo adeus ao Thresh e
agradeço-lhe pela minha vida. Eu prometo me lembrar dele e, se eu puder, fazer
algo para ajudar sua família e a de Rue, se eu ganhar. Então eu escapo para o
sono, confortável por uma barriga cheia e o calor constante de Peeta ao meu
lado.
Quando Peeta me acorda
mais tarde, a primeira coisa que eu registro é o cheiro de queijo de cabra. Ele
está segurando metade de um rolinho aberto com o negócio branco cremoso e
coberto com fatias de maçã. "Não fique brava," diz ele. "Eu tive
que comer de novo. Aqui está a sua metade."
"Oh, bom,” eu disse, imediatamente dando uma mordida
enorme. O queijo gordo e forte tem gosto daqueles que a Prim faz, as maçãs são
doces e crocantes. "Hmm."
"Fazemos uma
torta de queijo de cabra e maçã na padaria," diz ele.
"Aposto que é
caro," eu digo.
“Caro demais para
a minha família comer. A não ser que tenha ficado muito estragado. É claro,
praticamente tudo o que comemos é estragado," diz Peeta, puxando o saco de
dormir em torno dele. Em menos de um minuto, ele está roncando.
Hum. Eu sempre
assumi que os lojistas tinham uma vida mole.
E é verdade, Peeta
sempre teve o suficiente para comer. Mas é meio deprimente ter que viver sua
vida de pão dormido, das fornadas duras e secas que ninguém mais queria. Uma
coisa sobre nós, já que trago a nossa comida para casa diariamente, é que a
maioria está tão fresca que você tem que se certificar de que ela não vai
fugir.
Em algum momento
durante o meu turno, a chuva para, não gradualmente, mas de uma vez só. O
aguaceiro acaba e há apenas os gotejamentos residuais de água dos galhos, a
pressa do córrego agora transbordando abaixo de nós. Uma linda lua cheia
emerge, e mesmo sem os óculos eu posso ver o lado de fora. Eu não consigo
decidir se a lua é real ou apenas uma projeção dos Gamemakers. Eu sei que
estava cheia pouco antes de sair de casa. Gale e eu assistimo-a subir à medida
que caçavamos nas horas tardias.
Quanto tempo eu
estive fora? Suponho que se passaram cerca de duas semanas na arena, e houve
aquela semana de preparação em Capital. Talvez a lua tenha completado seu
ciclo.
Por alguma razão,
eu quero muito que seja a minha lua, a mesma que eu vejo da floresta em torno
do Distrito 12. Isso me daria algo para me agarrar no mundo surreal da arena
onde a autenticidade de tudo deve ser duvidada.
Quatro de nós
restantes.
Pela primeira vez,
permito-me realmente pensar na possibilidade de que poderia voltar para casa.
Para a fama. Para a riqueza. Para minha própria casa na Vila dos Vitoriosos.
Minha mãe e Prim viveriam lá comigo. Nada mais de medo da fome. Um novo tipo de
liberdade. Mas então... o quê? Como seria a minha vida diária? A maior parte
dela foi consumida com a aquisição de comida. Tire isso e eu não tenho muita
certeza sobre quem eu realmente sou, qual é a minha identidade. A ideia me
assusta um pouco. Penso em Haymitch com todo o seu dinheiro. O que sua vida se
tornou? Ele vive sozinho, sem esposa ou filhos, a maior parte de seus horas
despertas ele está bêbado. Eu não quero acabar assim.
"Mas você não
estará sozinha," eu sussurro para mim mesma. Eu tenho minha mãe e Prim.
Bem, por enquanto. E depois... eu não quero pensar no depois, quando Prim tiver
crescido, minha mãe falecido. Eu sei que nunca vou me casar, nunca arriscarei
trazer uma criança ao mundo. Porque se há uma coisa que ser um vitorioso não
garante, é a segurança de seus filhos. Os nomes dos meus filhos iriam direto
para as bolas de colheita como os de todo mundo. E eu juro que nunca vou deixar
que isso aconteça.
O sol eventualmente nasce, sua luz deslizando pelas fendas e
iluminando o rosto de Peeta. Em quem ele vai se transformar se voltarmos para
casa? O garoto desconcertante e de bom caráter que pode prolongas mentiras tão
convincentes que toda a Panem acredita que ele é perdidamente apaixonado por
mim, e, admito, há momentos em que ele me faz acreditar nisso? Pelo menos,
seremos amigos, eu penso. Nada mudará o fato de que salvamos as vidas uns dos
outros aqui. E além disso, ele será sempre o menino com o pão. Bons amigos.
Qualquer coisa além disso, contudo... e sinto os olhos cinzentos de Gale
observando eu observar Peeta, lá no Distrito 12.
Desconforto me faz
mover. Eu me aproximo mais e chacoalho o ombro de Peeta. Seus olhos se abrem
sonolentamente e quando se concentram em mim, ele me puxa para um longo beijo.
"Estamos
perdendo tempo de caça," eu digo quando finalmente rompo o beijo.
"Eu não
chamaria isso de desperdício," diz ele se esticando bastante enquanto se
senta. "Então caçamos de estômago vazio para nos dar uma vantagem?"
"Nós
não," eu digo. "Nós nos entupimos para nos dar poder de
resistência."
"Conte
comigo," diz Peeta. Mas posso ver que ele fica surpreso quando divido o
resto do cozido e do arroz e dou-lhe um prato completo. "Tudo isso?"
"Nós
ganharemos isso de volta hoje," eu digo, e ambos avançamos em nossos
pratos. Mesmo frio, é uma das melhores coisas que eu já provei. Eu abandono o
meu garfo e raspo os últimos punhados de molho com o meu dedo. "Eu posso
sentir Effie Trinket estremecendo com a minha educação."
"Ei, Effie,
veja isso!" diz Peeta. Ele joga seu garfo por cima do ombro e literalmente
lambe o prato até ficar limpo com a língua, fazendo sons altos de satisfação.
Então ele sopra um beijo pra ela e grita, "Nós sentimos sua falta,
Effie!"
Eu cubro a boca
com a mão, mas estou rindo. "Pare! Cato pode estar logo do lado de fora de
nossa caverna."
Ele pega a minha
mão. "O que me importa? Eu tenho você para me proteger agora," diz
Peeta, puxando-me para ele.
"Vamos,"
eu digo exasperada, desembaraçando-me do seu aperto, mas não antes que ele
receba outro beijo.
Uma vez que
embalamos tudo e estamos do lado de fora de nossa caverna, o nosso humor muda
para um sério. É como se, pelos últimos dias, protegidos pelas rochas e da
chuva e da preocupação de Cato com Thresh, nos foi dado uma pausa, uma espécie
de férias. Agora, embora o dia esteja ensolarado e quente, ambos sentimos que
estamos realmente de volta nos Games. Eu entrego minha faca para Peeta, já que
quaisquer armas que ele já possuíra se foram há muito, e ele desliza-as para seu
cinto. Minhas últimas sete flechas - das doze eu sacrifiquei três na explosão,
duas no banquete - chocalham um pouco perdidas na aljava. Eu não posso me dar
ao luxo de perder mais.
"Ele estará nos caçando agora," diz Peeta.
"Cato não é um de esperar sua presa passar por perto."
"Se ele
estiver ferido-" eu começo.
"Não
importará," Peeta interrompe. "Se ele puder se mover, ele está
vindo."
Com toda a chuva,
o córrego invadiu suas margens em vários metros de cada lado. Paramos lá para
repor a nossa água. Eu verifico as armadilhas que montei dias atrás e fico sem
nada. Não é de se estranhar com esse tempo. Além do mais, eu não vi muitos
animais ou sinais deles nesta área.
"Se queremos
comida, é melhor voltarmos ao meu antigo território de caça," eu digo.
"Você que
manda. Apenas me diga o que você precisa que eu faça," diz Peeta.
"Fique de
olho," eu digo. "Fica nas pedras o tanto quanto possível, não há
sentido em deixar-lhe pistas para seguir. E ouça por nós dois." Está
claro, a este ponto, que a explosão destruiu a audição na minha orelha esquerda
de vez.
Eu andaria na água
para cobrir as nossas pistas completamente, mas não tenho certeza se a perna do
Peeta poderia aguentar a corrente. Embora os remédios tenham apagado a
infecção, ele ainda está muito fraco. Minha testa dói ao longo do corte da
faca, mas depois de três dias o sangramento parou. Eu uso uma bandagem em volta
da minha cabeça, contudo, apenas no caso do esforço físico fazer ela voltar.
À medida enquanto
nos dirigimos ao lado do córrego, passamos pelo lugar onde eu encontrei Peeta
camuflado nas ervas daninhas e lama. Uma coisa boa, entre a chuva e as margens
inundadas, é que todos os sinais de seu esconderijo foram eliminados. Isso
significa que, se for necessário, podemos voltar à nossa caverna. Caso
contrário, eu não arriscaria com Cato atrás de nós.
Os pedregulhos
diminuem para rochas que eventualmente viram pedrinhas, e então, para meu
alívio, estamos de volta para folhas de pinheiro e a inclinação gentil do chão
da floresta. Pela primeira vez, percebo que temos um problema. Navegando pelo
terreno rochoso com uma perna ruim - bem, você naturalmente irá fazer algum
ruído. Mas mesmo na cama lisa de folhas, Peeta é barulhento. E eu quero dizer
barulhento barulhento, como se ele estivesse pisando forte ou algo assim. Eu me
viro e olho para ele.
"O quê?"
ele pergunta.
"Você tem que
mover-se mais silenciosamente,” eu digo. "Esqueça o Cato, você está
espantando cada coelho em um raio de dezesseis quilômetros."
"Sério?"
ele diz. "Desculpe, eu não sabia."
Então, começamos
de novo e ele está um pouquinhozinho melhor, mas mesmo com apenas uma orelha
funcionando, ele está me fazendo pular.
"Você pode
tirar as suas botas?" eu sugiro.
"Aqui?" ele pergunta ele incrédulo, como se eu
tivesse lhe pedido para andar descalço sobre brasas ou algo assim. Eu tenho que
me lembrar que ele ainda não está acostumado com a floresta que é o lugar
assustador e proibido para além das cercas do Distrito 12. Eu penso em Gale,
com seu piso de veludo. É assombroso o quão pouco som ele produz, mesmo quando
as folhas caíram e é um desafio mover-se sem espantar a caça. Tenho certeza de
que ele está rindo lá em casa.
"Sim,"
eu disse pacientemente. "Eu também tirarei. Dessa forma, nós dois vamos
ficar mais silenciosos." Como se eu estivesse fazendo barulho. Assim ambos
nos livramos de nossas botas e meias e, enquanto há alguma melhora, eu poderia
jurar que ele está fazendo um esforço para quebrar cada ramos que encontramos.
Não é preciso
dizer que, embora tenham se passado várias horas para chegar ao meu antigo
acampamento com a Rue, eu não atirei em nada. Se a corrente se acalmasse,
peixes poderiam ser uma opção, mas a correnteza ainda é muito forte. Enquanto
paramos para descansar e beber água, eu tento encontrar uma solução.
Idealmente, eu despejaria Peeta agora com alguma tarefa simples de coletar
raízes e iria caçar, mas então ele ficaria com apenas uma faca para se defender
contra as lanças e a força superior de Cato. Então o que eu realmente gostaria
é tentar escondê-lo num lugar seguro, então ir caçar e voltar e recolhê-lo.
Mas tenho a
sensação de que seu ego não vai aceitar essa sugestão.
"Katniss,"
diz ele. "Nós precisamos nos dividir. Eu sei que estou espantando a
caça."
"Só porque
sua perna está machucada," eu digo com generosidade, porque, realmente, dá
pra dizer que isso é apenas uma pequena parte do problema.
"Eu
sei," ele diz. "Então, por que você não segue em frente? Mostre-me
algumas plantas para coletar e dessa maneira ambos seremos úteis."
“Não se o Cato
vier e te matar." Eu tentei dizer isso de uma maneira agradável, mas ainda
soa como se eu achasse que ele é fraco.
Surpreendentemente,
ele apenas ri. "Olha, eu posso lidar com o Cato. Lutei com ele antes, não
lutei?"
É, e isso deu
muito certo. Você acabou morrendo em uma orla de lama. É o que eu quero dizer,
mas não posso. Ele realmente salvou minha vida ao lutar contra o Cato, afinal.
Eu tento outra tática. "E se você subir em uma árvore e agisse como vigia
enquanto eu caço?" eu digo, tentando fazer isso soar como um trabalho
muito importante.
"E se você me
mostrar o que é comestível por aqui e ir nos buscar um pouco de carne?"
diz ele, imitando meu tom. "Só não vá longe, no caso de precisar de
ajuda."
Eu suspiro e
mostro-lhe algumas raízes para cavar. Nós precisamos mesmo de alimentos, sem
dúvida. Uma maçã, dois rolinhos, e um pedaço de queijo do tamanho de uma ameixa
não vão durar muito. Vou simplesmenter caminhar por uma curta distância e
esperar que Cato esteja longe.
Ensino-lhe um assobio de pássaro - não uma melodia como o da
Rue, mas um assobio simples de duas notas - que podemos usar para nos
comunicarmos que estamos bem. Felizmente, ele é bom nisso. Deixando-o com a
mochila, eu saio.
Eu sinto que tenho
onze novamente, presa não à segurança da cerca, mas a Peeta, permitindo-me
dezoito, talvez vinte e sete metros de espaço para caçar. Longe dele, porém, a
floresta fica viva com sons de animais. Tranquilizada por seus assobios
periódicos, permito-me derivar para mais longe, e logo tenho dois coelhos e um
esquilo gordo para exibir. Eu decido que é o suficiente. Eu posso colocar
armadilhas e talvez conseguir alguns peixes. Com as raízes de Peeta, isto será
o suficiente por hora.
Enquanto eu volto
a curta distância, percebo que trocamos sinais faz um tempo. Quando o meu
assobio não recebe nenhuma respostas, eu corro. Rapidamente, eu encontro a
mochila, um arrumado monte de raízes ao lado. A folha de plástico foi colocada
no terreno onde o sol pode atingir a única camada de bagas que ela cobre. Mas onde
está ele?
"Peeta!"
eu chamo em pânico. "Peeta!" Eu me viro para o farfalhar de folhas e
quase mando uma flecha por ele. Felizmente, eu puxo meu arco no último segundo
e fica preso em um tronco de carvalho a sua esquerda. Ele salta para trás, atirando
um punhado de bagas na folhagem.
Meu medo sai como
raiva. "O que você está fazendo? Você deveria estar aqui, não correndo
pela floresta!"
"Eu encontrei
algumas bagas correnteza abaixo," diz ele, claramente confuso com a minha
explosão.
"Eu assobiei.
Por que você não assobiou de volta?" eu repreendo-o.
"Eu não ouvi.
A água está muito alta, acho," diz ele. Ele cruza e coloca suas mãos sobre
meus ombros. É quando sinto que estou tremendo.
"Eu pensei
que Cato tinha te matado!" eu quase grito.
"Não, eu
estou bem." Peeta envolve seus braços em volta de mim, mas eu não
respondo. "Katniss?"
Eu empurro,
tentando entender meus sentimentos. "Se duas pessoas concordam em um
sinal, elas ficam por perto. Porque se um deles não responde, eles estão em
apuros, está certo?"
"Está
certo!" ele diz.
"Está certo.
Porque foi isso que aconteceu com a Rue, e eu assisti ela morrer!" eu
digo. Viro-me para longe dele, vou até a mochila e abro uma garrafa de água
fresca, apesar de ainda ter um pouco na minha. Mas não estou pronto para
perdoá-lo. Eu observo a comida. Os rolinhos e as maçãs estão intocados, mas
alguém pegou definitivamente parte do queijo. "E você comeu sem mim!"
Eu realmente não me importo, eu só quero algo pelo que ficar brava.
"O quê? Não,
eu não comi," diz Peeta.
"Ah, e suponho que as maçãs comeram o queijo," eu
digo.
"Eu não sei o
que comeu o queijo," Peeta diz devagar e claramente, como se estivesse
tentando não perder a paciência, "mas não foi eu. Eu estive correnteza
abaixo coletando bagas. Você gostaria de algumas?"
Eu quero, na
verdade, mas eu não quero ceder tão cedo. Mas eu ando até lá e olho para elas.
Eu nunca vi esse tipo antes.
Não, já vi. Mas
não na arena. Estas não são as bagas da Rue, embora elas se pareçam. Também não
são iguais as que eu aprendi sobre no treinamento. Eu me inclino e apanho
algumas, rolando-as entre meus dedos.
A voz de meu pai
volta para mim. "Estas não, Katniss. Nunca estas. Elas são nightlock* .
Você estará morta antes que atinjam o seu estômago."
* a palavra
‘nightlock’ foi criada pela autora, usando a junção dos nomes ‘nightshade’
(jurubeba) + ‘hemlock’ (pinheiro do Canadá), ambas plantas extremamente
venenosas.
Bem então, o
canhão dispara. Eu me viro bruscamente, esperando que Peeta colapse no chão,
mas ele apenas levanta suas sobrancelhas. O aerobarco aparece a noventa metros,
mais ou menos, de distância. O que sobrou do corpo emagrecido de Foxface é
levantado no ar. Eu posso ver o brilho vermelho dos seus cabelos ao sol.
Eu deveria ter
sabido no momento em que vi o queijo desaparecido...
Peeta pegou-me
pelo braço, empurrando-me na direção de uma árvore. "Escale. Ele estará
aqui em um segundo. Teremos uma melhor chance lutando contra ele de cima."
Eu o paro, de
repente calma. "Não, Peeta, ela foi matança sua, não do Cato.”
"O quê? Eu
nem sequer a vi desde o primeiro dia," diz ele. "Como eu poderia
tê-la matado?"
Em resposta,
seguro as bagas.
24
Leva algum tempo para explicar a situação para Peeta. Como
Foxface roubou a comida da pilha de suprimentos antes de eu explodi-la, como
ela tentou tirar o bastante para ficar viva, mas não o suficiente para alguém
notar, como ela não questionaria a natureza das bagas se nós estivéssemos
preparando-nos para comê-las.
“Pergunto-me como
ela nos encontrou,” diz Peeta. “Minha culpa, eu acho, se eu estava tão
barulhento como você diz.”
Estávamos tão
difíceis de seguir quanto um rebanho de gado, mas tento ser gentil. “E ela é
esperta, Peeta. Bem, ela era. Até você superá-la.”
“Não de propósito.
Não parece justo de forma alguma. Quero dizer, nós estaríamos mortos, também,
se ela não tivesse comido as bagas antes.” Ele se corrige. “Não, claro, não
estaríamos. Você as reconheceria, não?”
Assinto. “Nós as
chamamos de fechos da noite.”
“Até o nome soa
mortal,” diz. “Sinto muito, Katniss. Eu realmente pensei que elas pareciam as
mesmas que você juntou.”
“Não se desculpe.
Isso significa que estamos um passo mais perto de casa, certo?” pergunto.
“Vamos acabar com
o resto,” Peeta diz. Ele recolhe uma folha de plástico azul, cuidadosamente
colocando as bagas dentro, e vai jogá-las na floresta.
“Espera!” grito.
Encontro a bolsa de couro que pertencia ao garoto de Distrito 1 e encho-a com
punhados de bagas do plástico. “Se elas enganaram Foxface, talvez possam
enganar Cato também. Se ele estiver nos caçando ou algo assim, podemos agir
como se acidentalmente derrubamos a bolsa, e se ele as comer –”
“Então olá
Distrito Doze,” Diz Peeta.
“Isso,” digo,
prendendo a bolsa no meu cinto.
“Ele vai saber
onde estamos agora,” diz Peeta. “Se ele estava em algum lugar por perto e viu o
aerobarco, vai saber que nós a matamos e virá atrás de nós.”
Peeta está certo.
Essa pode ser a oportunidade que Cato esteve esperando. Mas mesmo se corremos
agora, há carne para cozinhar e nosso fogo vai ser outro sinal da nossa
localização. “Vamos fazer fogo. Agora.” Começo a juntar ramos e galhos.
“Você está pronta
para encará-lo?” Peeta pergunta.
“Estou pronta para
comer. Melhor cozinhar nossa comida enquanto temos chance. Se ele souber que
estamos aqui, ele sabe. Mas ele também sabe que há dois de nós e provavelmente
assuma que estamos caçando Foxface. Isso significa que você se recuperou. E o
fogo significa que não estamos nos escondendo, estamos convidando-o. Você se
mostraria?” pergunto.
“Talvez não,” ele
diz.
Peeta é um diabo com o fogo, tentando trazer chama da
madeira úmida. Num piscar de olhos, tenho coelhos e esquilos torrando, as
raízes, misturadas com folhas, cozinhando na brasa. Tomamos turnos de juntar
verduras e vigiar por causa de Cato, mas como eu antecipei, ele não aparece.
Quando a comida
está pronta, eu guardo a maior parte, deixando para nós a perna do coelho para
comermos enquanto caminhamos.
Quero ir mais alto
na floresta, subir uma boa árvore, e fazer acampamento para a noite, mas Peeta
resiste. “Não posso subir como você, Katniss, especialmente com minha perna, e
não acho que poderia dormir a quinze metros do chão.”
“Não é seguro
ficar em aberto, Peeta,” digo.
“Não podemos
voltar para a caverna?” ele pergunta. “É perto da água e fácil para se
defender.”
Suspiro. Várias
horas mais de caminhada – ou deveria dizer estrondo – através da floresta para
chegar até a área que tivemos de deixar de manhã para caçar. Mas Peeta não pede
por muito. Ele seguiu minhas instruções todo dia e tenho certeza de que, se
fosse o contrário, ele não me faria passar a noite numa árvore. Percebo que não
fui muito boa com Peeta hoje. Implicando com quão barulhento ele era, gritando
com ele sobre desaparecer. O romance divertido que sustentamos na caverna
desapareceu no aberto, sob o sol quente, com a ameaça de Cato sobre nós.
Haymitch deve estar irritado comigo. E quanto à audiência...
Eu me estico e dou
a ele um beijo. “Claro. Vamos voltar para a caverna.”
Ele parece
satisfeito e aliviado. “Bem, essa foi fácil.”
Tiro minha flecha
do carvalho, com cuidado para não danificar a ponta. Essas flehas são a comida,
segurança, e vida por si só agora.
Jogamos um pouco
mais de madeira no fogo. Isso deve lançar fumaça por mais algumas horas, embora
eu duvide que Cato assuma alguma coisa a esse ponto. Quando chegamos ao riacho,
vejo que a água tem diminuído consideravelmente e que se move num ritmo lento,
então voltamos para ele. Peeta está feliz pelo favor e, visto que ele é muito
mais silencioso na água que na terra, é uma boa idéia. É uma longa caminhada
para a caverna, entretanto, mesmo descendo, mesmo com o coelho dos dando
impulso. Ambos estamos exaustos pela marcha de hoje e ainda mal alimentados.
Mantenho meu arco carregado, ambos para Cato e qualquer peixe que possa ver,
mas o riacho para estranhamente vazio de criaturas.
Quando alcançamos
nosso destino, nossos pés estão pesados e o sol desce no horizonte. Enchemos
nossas garrafas de água e subimos a pequena inclinação para nosso esconderijo.
Não é muito, mas fora daqui é uma imensidão, e isso é a coisa mais próxima que
temos de uma casa. Será mais quente que uma árvore, também, porque provê algum
abrigo do vento que começou a vir continuamente do oeste. Coloco um bom jantar,
mas Peeta meio que começa a cochilar. Depois de dias de inércia, a caçada tomou
seu pedágio. Mando-o ir para o saco de dormir e guardo o resto da sua comida
para quando ele acordar. Ele dorme
imediatamente. Puxo o saco de dormir até seu queixo e beijo
sua testa, não para a audiência, mas para mim. Porque estou tão grata de ele
ainda estar aqui, não morto no rio como eu pensei. Tão grata por não ter de
encarar Cato sozinha.
O brutal e
sanguinário Caro, que pode quebrar um pescoço com o giro de seu braço, que tem
o poder de superar Thresh, que se destacou para mim desde o início. Ele
provavelmente tem um ódio especial por mim desde quando o superei no
treinamento. Um garoto como Peeta iria apenas encolher os ombros por isso. Mas
tenho a sensação de que Cato levou a distração. O que não é difícil. Peno na
sua ridícula reação ao encontrar os suprimentos explodidos. Os outros estavam
irritados, é claro, mas ele estava completamente louco. Pergunto-me agora se
Cato não é inteiramente são.
O céu se ilumina
com o selo, e observo Foxface brilhar no céu e então desaparecer do mundo para
sempre. Ele não disse, mas não acho que Peeta se sentiu bem a matando, mesmo
sendo essencial. Não posso fingir que sinto falta dela, mas tenho de admirá-la.
Acho que, se eles tivessem nos dado algum tipo de teste, ela teria sido a mais
esperta de todos os tributos. Se, de fato, nós tivéssemos colocado uma
armadilha para ela, aposto que ela teria percebido e fugido das bagas. Foi a
própria ignorância de Peeta que a trouxe para baixo. Passou muito tempo tendo
certeza de subestimar meus oponentes que esqueci que superestimá-los é tão
perigoso quanto.
O que me trás de
volta para Cato. Mas enquanto penso que compreendo Foxface, quem ela era e como
ela operava, ele é um pouco mais escorregadio. Poderoso, bem treinado, mas
espeto? Não sei. Não como ela era. E totalmente sem a falta de controle que
Foxface demonstrava. Acredito que Cato pode facilmente perder seu julgamento
com o ajuste de temperatura. Não que eu me sinta superior nesse ponto. Penso no
momento em que mandei a flecha voando até a maçã na boca do porco quando estava
tão irada. Talvez eu entenda Cato melhor do que penso.
Apesar da fadiga
no meu corpo, minha mente está alerta, então deixo Peeta dormir mais que o
usual. De fato, um suave dia cinzento começa quando balanço seu ombro. Ele
olha, quase em alarme. “Eu dormi a noite toda. Isso não é justo, Katniss, você
deveria ter me acordado.”
Eu me estico e
entro na bolsa. “Vou dormir agora. Acorde-me se algo interessante acontecer.”
Aparentemente nada
acontece, porque quando abro meus olhos, a luz gente e brilhante da tarde
atravessa as pedras. “Nenhum sinal do nosso amigo?” pergunto.
Peeta balança a
cabeça. “Não, ele está mantendo um preocupante perfil baixo.”
“Quando tempo você
pensa que teremos antes que os Gamemakers nos una?” pergunto.
“Bem, Foxface
morreu há quase um dia, então há deu tempo para a audiência fazer suas apostas
e ficar entediada. Acho que pode acontecer a qualquer momento,” diz Peeta.
“Sim, tenho o
pressentimento de que hoje é o dia,” digo. Sento-me e olho para o terreno
pacífico. “Pergunto-me como eles vão fazer.”
Peeta permanece em
silêncio. “Não há nenhuma boa resposta.
“Bem, até eles fazerem, não tem sentido perder tempo caçando
hoje. Mas provavelmente iramos comer o que pudermos para o caso de acontecer
problemas,” digo.
Peeta guarda
nossas ferramentas enquanto preparo uma grande refeição. O resto dos coelhos,
raízes, verduras, e pedaços com o último pedaço de queijo. A única coisa que
deixo de reserva é o esquilo e a maçã.
Quando terminamos,
tudo que resta é uma pilha de ossos do coelho. Minhas mãos estão engorduradas,
o que faz crescer minha sensação de imundice. Talvez nós não temos banho
diariamente em Seam, mas nos mantemos mais limpas do que isso. Exceto pelos
meus pés, que andaram no riacho, estou coberta de uma camada de sujeira.
Deixar a caverna
dá uma sensação de finalização. Não acho que haverá outra noite na arena de
modo algum. De um modo ou outro, morta ou vida, tenho o pressentimento de que
vou escapar hoje. Dou as rochas um tapinha de adeus, e vamos para o rio para
nos lavar. Posso sentir minha pele, comichando com a água fria. Posso fazer meu
cabelo e fazer uma trança. Estou me perguntando se devemos ser capaz de dar
numa rápida esfregada nas nossas roupas quando chegamos ao riacho. Ou o que
costumava ser um riacho. Agora há apenas uma cama de ossos secos. Toco o chão
para senti-lo.
“Nem mesmo um
pouco úmido. Eles devem ter drenado-o enquanto dormíamos.” Digo. Um medo de
língua rachada, corpo dolorido e mente confusa trazida pela minha desidratação
passada desliza na minha consciência. Nossas garrafas e peles estão bem cheias,
mas com dois goles e nesse sol quente não vai levar muito tempo para acabá-las.
“A lagoa,” diz
Peeta. “É para onde querem que nós nos dirijamos.”
“Talvez os lagos
ainda tenham alguma água,” digo esperançosamente.
“Podemos
verificar,” diz, mas ele está apenas me animando. Estou tentando me animar,
porque sei o que encontrarei quando retornarmos para o lago onde molhei minha
perna. A boca aberta e empoeirada de um buraco. Mas fazemos a viagem de
qualquer jeito, apenas para confirmar o que nós já sabemos.
“Você está certo.
Eles estão nos dirigindo para a lagoa,” digo. Onde não há cobertura. Onde eles
garantiram uma luta sangrenta até a morte, como nada para bloquear sua visão.
“Você quer direto ou esperar até a água acabar?”
“Vamos agora,
enquanto temos comida e estamos descansados. Vamos logo terminar com isso,” ele
diz.
Assinto. É
divertido. Quase sinto como se fosse o primeiro dia dos Games novamente. Que eu
estou na mesma posição. Vinte e um tributos estão mortos, mas ainda tenho de
matar Cato. E realmente, ele não era aquele a matar? Agora parece que os outros
tributos foram apenas pequenos obstáculos, distrações, afastando-nos da real
batalha dos Games. Cato e eu.
Mas não, há um
garoto esperando ao meu lado. Sinto seus braços ao meu redor.
“Dois contra um.
Deve ser moleza,” diz.
“Na próxima vez que comermos, será em Capital,” respondo.
“Pode apostar que
sim,” diz.
Ficamos ali por um
momento, presos num abraço, sentindo um ao outro, a luz do sol, o farfalhar das
folhas aos nossos pés. Então sem uma palavra, nos separamos e caminhamos para a
lagoa.
Não me importo
agora que os passos de Peeta façam os roedores correrem, os pássaros voarem.
Temos de lutar contra Cato e eu faria isso aqui ou na planície. Mas duvido que
eu tenha escolha. Se os Gamemakers nos querem no aberto, então no aberto
estaremos.
Paramos para
descansar por uns momentos sob uma árvore onde os profissionais me emboscaram.
A casca do ninho de tracker jacker, batida até a polpa pela chuva e secada pelo
sol, confirma a localização. Toco-o com a ponta da bota, e ela se dissolve em
poeira que é rapidamente carregada pela brisa. Não posso evitar olhar para as
árvores onde Rue secretamente estava, esperando para salvar minha vida. Tracker
jackers. O corpo inchado de Glimmer. As terríveis alucinações...
“Vamos,” digo,
esperando escapar da escuridão que rodeia esse lugar. Peeta não discute.
Dado ao nosso
início atrasado do dia, quando chegamos à planície já está no início da noite.
Não há sinal de Cato. Nenhum sinal de nada, exceto a Corpucópia dourada
brilhando nos raios de sol oblíquos. Só para garantir que Cato decidiu empurrar
Foxface contra nós, circulamos a Cornucópia para ter certeza de que ela está
vazia. Então obedientemente, como se seguindo instruções, andamos até a lagoa e
enchemos nossos recipientes de água.
Franzo as
sobrancelhas ao sol recuando. “Não queremos brigar com ele depois de escurecer.
Há apenas um par de óculos.”
Peeta
cuidadosamente coloca gotas de iodo na água. “Talvez seja isso que ele esteja
esperando. O que você quer fazer? Voltar para a caverna?”
“Isso ou encontrar
uma árvore. Mas vamos dar a ele mais meia hora. Então vamos recuar,” respondo.
Sentamos perto da
lagoa, à vista. Não há como se esconder agora. Nas árvores no limite da
planície, posso ver os mockingjays se movimentando. Jogando melodias de volta e
adiante entre eles, como brilhantes bolas coloridas. Posso senti-los parar curiosos
ao som da minha voz, escutando mais. Repito as notas no silêncio. Primeiro um
mockingjay garganteia a canção de volta, e depois outro. Então todo o mundo se
torna vivo com o som.
“Bem como sei
pai,” diz Peeta.
Meus dedos
encontram o alfinete na minha camisa. “É a música de Rue,” digo. “Acho que eles
se lembram.”
A música cresce e
eu reconheço o esplendor disso. Enquanto as notas se sobrepõem, uma
complementando a outra, formando uma harmonia linda e misteriosa. Esse era o
som, então,
graças a Rue, que mandava os trabalhadores do Distrito 11
para casa cada noite. Alguém vai começá-la na parada, pergunto-me, agora que
ela está morta?
Por um momento,
apenas fecho meus olhos e escuto, hipnotizada com a beleza da música. Então
algo começa a atrapalhar a canção. Executa cortes irregulares, linhas
imperfeitas. Notas dissonantes intercalam com a melodia. As vozes dos
mockingjays se elevam num grito de alarme.
Estamos de pé,
Peeta empunhando sua faca, eu posicionada para atirar, quando Cato aparece
pelas árvores e corre até nós. Ele não tem nenhuma lança. De fato, suas mãos
estão vazias, embora ele corra direto para nós. Minha primeira flecha atinge
seu peito e inexplicavelmente cai de lado.
“Ele tem algum
tipo de armadura!” grito para Peeta.
Bem a tempo,
também, porque Cato está sobre nós. Eu me abraço, mas ele corre entre nós sem
diminuir a velocidade. Posso dizer pela sua respiração ofegante, o suor
escorrendo de seu rosto purpúreo, que ele esteve correndo muito por um longo
tempo. Não em nossa direção. De algo. Mas o quê?
Meus olhos
examinam a floresta bem na hora de ver a primeira criatura entrando na
planície. Quando estou me virando, vejo outra meia dúzia se reunindo. Então
estou tropeçando cegamente atrás de Cato com nenhum pensamento exceto me salvar.
25
Mutações. Sem
dúvidas sobre isso. Eu nunca tinha visto esses cães, mas eles não são animais
nascidos naturalmente. Eles lembram lobos enormes, mas lobos se equilibram
sobre as patas traseiras? Lobos acenam para o resto do bando com a pata
dianteira como se tivesse um pulso? Essas coisas eu posso ver a distância. De
perto, tenho certeza de que mais atributos ameaçadores serão revelados.
Cato correu em
linha direta para a Cornucópia, e sem perguntas eu o segui. Se ele pensa que é
o lugar mais seguro, que sou eu para discutir? Além disso, mesmo que eu
conseguia correr para a floresta, seria impossível para Peeta fazer esse
caminho com aquela perna – Peeta!
Minhas mãos tinham
acabado de tocar o metal da cauda pontuda da Cornucópia quando eu me lembro de
que sou parte de um time. Ele está uns quinze metros atrás de mim, coxeando o
mais rápido que consegue, mas os cães estão se aproximando rapidamente. Atirei
uma flecha no bando e um cai, mas há muitos outros para tomar seu lugar.
Peeta está
acenando para eu subir o chifre, “Vá, Katniss! Vá!”
Ele está certo.
Não posso proteger nenhum de nós no chão. Começo a subir, escalando a Conucópia
com minhas mãos e meus pés. A superfície de ouro puro foi desenhada para lembra
o chifre curvado que nós enchemos na colheita, então há pequenas pontas e
fendas para conseguir se agarrar de maneira decente. Mas depois de um dia sob o
sol da arena, o metal está quente o bastante para queimar minhas mãos.
Cato está deitado
no topo do chifre, sete metros acima do chão, lutando para recuperar o fôlego
enquanto ele vomita sobre a ponta. Agora é a minha chance de acabar com ele.
Paro no meio do caminho para cima do chifre e carrego outra flecha, mas quando estou
quase deixando-a voar, ouço Peeta gritar. Eu me viro e vejo que ele acabou de
alcançar a cauda, e os cães estão logo em sua cola.
“Suba!” grito.
Peeta começa a subir atrasado não apenas pela sua perna, mas pela faca na sua
mão. Atiro uma flecha na garganta do primeiro mutante que chega ao metal.
Enquanto morre a criatura ataca, descuidosamente abrindo cortes em alguns de
seus companheiros. É quando eu olho para as garras. Dez centímetros e
claramente bem afiadas.
Peeta alcança meus
pés e eu agarro seu braço e o puxo para cima. Então eu me lembro de Cato
esperando no topo e me viro, mas ele está dobrado com câimbras e mais
preocupado com os cães do que conosco. Ele fala algo ininteligível. O som de
aspiração e rosnados vindo dos cães não está ajudando.
“O quê?!” Grito
para ele.
“Ele disse, ‘Eles
podem subir?’” responde Peeta, levando a minha atenção de volta para a base do
chifre.
Os cães estão
começando a se reunir. Enquanto eles se juntam, eles se levantam novamente para
facilmente ficar de pé sobre suas patas traseiras, dando a eles um aspecto
assustadoramente humano. Cada um tem uma pele grossa, alguns com o pelo liso,
outros ondulados, e as cores variam de preto até o que posso descrever como
loiro. Há algo neles, algo que faz os cabelos na minha nuca se arrepiarem, mas
não posso dizer o quê.
Eles colocam seus
focinhos no chifre, cheirando e provando o metal, colocando as patas sobre a
superfície e fazendo sons agudos com a outra. Deve ser assim como eles se
comunicam, porque o bando recua como se aguardasse. Então um deles, um cão de
bom tamanho com pelos loiros macios e ondulados começa a comer e pula no
chifre. As patas traseiras devem ser incrivelmente poderosas, porque elas
chegam a meros três metros abaixo de nós, seus lábios rosados se repuxando para
um ranger de dentes. Por um momento a coisa fica lá, e naquele momento percebo
que o que me deixa incomodada nesses cães. Os olhos verdes brilhando para mim
não são de nenhum cão ou lobo, nenhum canino que eu tenha visto.
Eles não inconfundivelmente humanos. E essa revelação mal é
registrada quando percebo a coleira com o número 1 incrustado com jóias e o
horror daquilo me atinge. O cabelo loiro, os olhos verdes, o número... é
Glimmer.
Um som agudo
escapa dos meus lábios e tenho problemas para segurar a flecha no lugar. Eu
estive esperando por fogo, apenas consciente demais do meu suprimento diminuído
de flechas. Esperando ver se as criaturas podiam, de fato, subir. Mas agora,
mesmo quando o cão começou a deslizar para trás, incapaz de encontrar algum
apoio no metal, mesmo quando eu posso ouvir o lento rangido das garras como
unhas no quadro, eu atiro em sua garganta. O seu corpo se debate e cai no chão
com uma pancada.
“Katniss?” Posso
sentir o aperto de Peeta no meu braço.
“É ela!” grito.
“Quem?” pergunta
Peeta.
Minha cabeça gira
de lado a lado enquanto examino o bando, tomando os vários tamanhos e cores. O
pequeno com pele vermelha e olhos cor de âmbar... Foxface! E ali, o cabelo
pálido e olhos castanho-esverdeados do garoto do Distrito 9 que morreu quando
nós lutamos pela mochila! E, pior o tudo, o menor cão, com pelo preto lustroso,
grandes olhos castanhos e uma coleira onde se lê 11 entalhado. Mostrando os
dentes com ódio. Rue...
“O que é,
Katniss?” Peeta balança meu ombro.
“São eles. Todos
eles. Os outros. Rue e Foxface e... todos os outros tributos,” eu sufoco.
Ouço Peeta arfar
em reconhecimento. “O que eles fizeram a eles?Você não acha... que esses podem
ser os olhos deles de verdade?”
Os olhos deles são
o que menos me preocupa. E os cérebros deles? Eles têm alguma memória dos
tributos reais? Eles foram programados para odiar nossos rostos particularmente
porque nós sobrevivemos e eles foram insensivelmente assassinados? E os que nós
matamos de verdade... eles acreditam que estarão vingando suas mortes?
Antes que eu
consiga pensa nisso, os cães começam um novo assalto ao chifre. Eles se
dividiram em dois grupos nos lados no chifre e estão usando aquelas traseiras
poderosas para subirem. Um par de dentes de fecham a centímetros da minha mão e
então ouço Peeta gritar, sinto o balanço do seu corpo, o peso pesado do garoto
e cão puxando-me para o lado. Se não fosse pelo suporte do meu braço, ele
estaria no chão, mas enquanto a coisa está aqui em cima, toma toda a minha
força para nos manter na curva de trás do chifre. E mais tributos estão vindo.
“Mate, Peeta!
Mate!” Estou gritando, e embora não possa ver exatamente o que está
acontecendo, sei que ele deve ter escaqueado a coisa porque o aperto fica mais
leve. Sou capaz de puxá-lo de volta para o chifre onde nós nos agarramos em
direção ao topo, onde nos aguarda dois males menores.
Cato ainda não está de pé, mas sua respiração está mais
lenta e sei que em breve ele vai se recobrar o bastante para vir atrás de nós,
para nos lançar para a morte. Eu armo meu arco, mas a flecha acaba indo para um
cão que só pode ser Thresh. Quem mais pularia não talto? Sinto um momento de
alívio porque finalmente estamos acima da linha dos cães e eu acabo de me virar
para encarar Cato quando Peeta dá um solavanco ao meu lado. Tenho a certeza de
que o bando o pegou quando seu sangue respinga no meu rosto.
Cato está na minha
frente, quase no extremo do chifre, segurando Peeta com uma gravata, cortando
seu ar. Peeta está arranhando o braço de Cato, mas fracamente, como se
estivesse confuso sobre se é mais importante respirar ou tentar conter o jorro
de sangue que sai do buraco que um cão deixou na sua panturilha.
Eu miro um das
minhas duas últimas flechas na cabeça de Cato, sabendo que não teria nenhum
efeito se fosse no seu tronco ou nos membros, que posso ver agora que estão
cobertos por um piro de roupa, uma malha cor de carne. Alguma armadura de ótima
qualidade do Capital. Era isso que estava no seu saco no banquete? Armadura
para se defender contra minhas flechas? Bem, eles se esqueceram de mandar uma
proteção para o rosto.
Cato apenas ri.
“Atire em mim e ele cai comigo.”
Ele está certo. Se
eu atirar nele e ele cair sobre os cães, é certo que Peeta vai morrer com ele.
Chegamos a um beco sem saída. Não posso atirar em Cato sem matar Peeta, também.
Ele não pode matar Peeta sem a garantia de uma flecha no seu cérebro. Ficamos
parados como estátuas, procurando por uma saída.
Meus músculos
estão tão tensos que parecem que vão se quebrar a qualquer momento. Meus dentes
estão cerrados duramente. Os cães ficaram quietos e a única coisa que posso
ouvir é o sangue batendo no meu ouvido bom.
Os lábios de Peeta
estão ficando azuis. Se eu não fizer algo rapidamente, ele vai morrer de
asfixia e então eu o perderei e Cato provavelmente vai usar seu corpo como uma
arma contra mim. Na verdade, tenho certeza de que esse seja o plano de Cato,
porque quando ele pára de rir, seus lábios formam um sorriso triunfante.
Como se fosse seu
último esforço, Peeta levanta seus dedos, pingando sangue de sua perna, até o
braço de Cato. Em vez de tentar se livrar do aperto, seus dedos mudam de
direção e fazem um deliberado X sobre a parte de trás da mão de Cato. Cato
percebe o que isso significa exatamente um segundo depois de mim. Posso dizer
pelo modo como seu sorriso desapareceu de seus lábios. Mas é um segundo tarde
demais porque, nessa hora, minha flecha está perfurando sua mão. Ele grita e
por reflexo liberta Peeta, que bate contra ele. Por um momento terrível, penso
que os dois vão cair. Eu corro para agarrar Peeta enquanto Cato perde o
equilíbrio no chifre úmido de sangue e cai no chão.
Nós o ouvimos
cair, o ar deixando seu corpo com o impacto, e então os cães o atacam. Peeta e
eu nos abraçamos, esperando pelo canhão, esperando que a competição acabe,
esperando sermos libertados. Mas isso não acontece. Não ainda. Porque esse é o
clímax dos Hunger Games, e a audiência espera um show.
Eu não assisto, mas posso ouvir o ranger dos dentes, os
rosnados, os uivos de dor tanto humano quanto de besta enquanto Cato avança
sobre o bando de cães. Não posso entender como ele pode estar sobrevivendo até
que me lembro da armadura o protegendo dos tornozelos até o pescoço e percebe
como a noite pode ser longa. Cato deve ter uma faca ou uma espada ou alguma
coisa, também, alguma coisa que ele tenha escondido nas suas roupas, porque de
vez em quando há um grito de morte de um cão ou o som de metal quando lâminas
colidem com o chifre de ouro. O combate continua ao lado da Cornucópia, e sei
que Cato deve estar tentando fazer uma manobra que pode salvar a sua vida –
voltar para a cauda do chifre e se reunir a nós. Mas no final, apesar das suas
força e habilidade notáveis, ele é simplesmente derrotado.
Não sei quando tempo
se passa, talvez uma hora ou mais, quando Cato cai no chão e ouvis os cães o
agarrando, levando-o para dentro da Cornucópia. Agora vão acabar com ele,
penso. Mas ainda não há nenhum canhão.
Cai a noite e o
hino toca e não há nenhuma imagem de Cato no céu, apenas os gemidos fracos
vindo do metal debaixo de nós. O ar gelado soprando pela planície me lembra de
que os Games não acabaram e podem não acabar por sabe-se lá quanto tempo, e
ainda não há garantia de vitória.
Viro minha atenção
a Peeta e percebo que a perna dele está sangrando pior que nunca. Todos os
nossos suprimentos, nossas mochilas, permaneceram embaixo perto do lago, onde
nós os abandonamos quando corremos dos cães. Não tenho bandagens, nada para
parar o fluxo de sangue da sua panturrilha. Embora eu esteja tremendo com o
vento cortante, tiro minha jaqueta, removo minha blusa, e fecho minha jaqueta o
mais rápido possível. Aquela prevê exposição faz com que meus dentes tremam
além do meu controle.
O rosto de Peeta
está pálido sob a luz da lua. Eu o faço deitar-se antes de sondar sua ferida.
Sangue escorregadio e quente corre pelos meus dedos. Uma bandagem não é
suficiente. Eu vi minha mãe amarrar um torniquete um punhado de vezes e tento
replicá-lo. Corto uma manga da minha camisa, enrolo duas vezes ao redor da sua
perna bem debaixo do seu joelho, e faço um nó. Eu não tenho uma vareta, então
pego meu arco e insiro no nó, girando-o o mais apertado que ouso. É um negócio
arriscado – Peeta pode acabar perdendo sua perna – mas quando eu peso isso com
perder sua vida, que alternativa eu tenho? Eu enfaixo sua ferida com o resto da
minha camisa e me deito ao seu lado.
“Não durma,” digo
a ele. Não tenho certeza se isso é exatamente um protocolo médico, mas tenho
medo de que, se ele durma, ele nunca irá acordar novamente.
“Você está com
frio?” ele pergunta. Ele abre o zíper da sua jaqueta e me pressiono contra ele
quando ele o fecha ao meu redor. É um pouco mais quente, dividir o calor dos
nossos corpos dentro da minha dupla camada de jaquetas, mas é noite é uma
criança. A temperatura vai continuar a cair.
Mesmo agora posso
sentir a Cornucópia, que queimava quando eu subi pela primeira vez, lentamente
virando gelo.
“Cato pode ganhar
essa coisa ainda,” sussurro para Peeta.
“Não acredite nisso,” ele diz, puxando meu corpo, mas ele
está tremendo mais do que eu.
As horas seguintes
são as piores da minha vida, o que se você pensar bem significa muita coisa. O
frio pode torturar o bastante, mas o pesadelo real é escutar Cato, gemendo,
implorando, e finalmente apenas choramingando enquanto os cães trabalhavam
nele. Depois de muito pouco tempo, eu não me importo mais com quem ele é ou o
que ele fez, tudo que quero é que ele pare de sofrer.
“Por que eles
apenas não o matam?” pergunto a Peeta.
“Você sabe por que,”
diz, e me puxa mais para perto.
E eu sei. Nenhum
telespectador daria as costas para o show agora. Do ponto de vista dos
Gamemakers, essa é a última palavra em entretenimento.
E continua e
continua e eventualmente consume completamente a minha mente, bloqueando
memórias e esperanças de um amanhã, apagando tudo além do presente, que começo
a acreditar que nunca vai mudar. Nunca haverá nada além de frio, medo e os sons
agonizantes do garoto morrendo no chifre.
Peeta começa a
dormir agora, e em cada vez que faz, eu me encontro gritando seu nome cada vez
mais alto, porque se ele morrer agora, sei que provavelmente vou ficar
completamente insana. Ele está lutando, provavelmente mais por mim do que por
ele, e é difícil porque inconsciência seria uma forma própria de escapar. Mas a
adrenalina que palpita pelo meu corpo nunca iria me permitir segui-lo, então
não posso deixá-lo. Eu apenas não posso.
A única indicação
da passagem do tempo estava no céu, o sutil movimento da lua. Então Peeta
começa a apontá-lo para mim, insistindo que sei seu progresso e às vezes, por
um momento, sinto um brilho de esperança antes que a agonia da noite me engula
novamente.
Finalmente, ouço-o
sussurrar que o sol está subindo. Abro meus olhos e encontro estrelas
desaparecendo na luz pálida do amanhecer. Posso ver, também, como o rosto de
Peeta se tornou pálido. Como o pouco o tempo que ele tem. E sei que tenho de
levá-lo de volta para o Capital.
Ainda assim, o
canhão não atira. Pressiono meu ouvi bom contra o chifre e posso ouvir a voz
dele.
“Acho que ele está
mais perto agora. Katniss, você pode atirar nele?” Peeta pergunta.
Se ele estiver
perto da boca, posso ser capaz. Seria um ato de misericórdia a esse ponto.
“Minha última
flecha está no seu torniquete,” digo.
“Faça-o valer,”
diz Peeta, abrindo o zíper da sua jaqueta, deixando-me livre.
Então eu tiro a
flecha, tentando colocar o torniquete de volta o mais apertado que meus dedos
congelados são capazes. Esfrego minhas mãos, tentando ganhar circulação. Quando
eu rastejo até o extremo do chifre e fico na ponta, sinto as mãos de Peeta me
dando suporte.
Leva alguns momentos para encontrar Cato na luz turva, no
sangue. Então a massa de carne crua que costumava ser nosso inimigo faz um som,
e sei onde sua boca está. E acho que o que ele está tentando dizer é por favor.
Pena, não
vingança, manda a flecha até seu crânio. Peeta me puxa de volta, arco na mão,
bainha vazia.
“Você conseguiu?”
ele sussurra.
O tiro do canhão é
a resposta.
“Então ganhamos,
Katniss,” ele diz de forma vazia.
“Viva para nós,”
solto, mas não há o prazer de vitória na minha voz.
Um buraco se abre
na planície como se fosse combinado, o restante dos cães entram nele,
desaparecendo como se a terra se fechasse acima deles.
Nós esperamos pelo
aerobarco para tomar os restos de Cato, pelas trombetas da vitória que deveriam
se seguir, mas nada acontece.
“Hey!” grito para
o ar. “O que está acontecendo?” a única resposta é a vibração dos pássaros
acordando.
“Talvez seja o
corpo. Talvez tenhamos de nos distanciar,” diz Peeta.
Tento me lembrar.
Você tem de se distanciar do tributo morto na morte final? Meu cérebro está
muito confuso para ter certeza, mas qual seria a outra razão para a demora?
“Ok. Acha que pode
conseguir chegar até o lago?” pergunto.
“Acho que é melhor
tentar,” diz Peeta. Descemos pela causa do chifre e caímos no chão. Se a
rigidez dos meus membros é assim ruim, como Peeta pode se mover? Eu me levanto
primeiro, balançando e curvando meus braços e pernas até que acho que posso
ajudá-lo a se levantar. De alguma forma, nós chegamos ao lago. Eu dou um
punhado de água gelada para Peeta e tragoo o segundo para mim.
Um mockingjay dá
um assobio longo e baixo, e lágrimas de alívio enchem meus olhos quando o
aerobarco aparece e leva o corpo de Cato. Agora eles vão no levar. Agora
podemos ir para casa.
Mas novamente não
há nenhuma resposta.
“O que eles estão
esperando?” diz Peeta fracamente. Entre a perda do torniquete e o esforço de
andar até o lago, sua ferida se abriu novamente.
“Eu não sei,”
digo. Seja o que for, não posso vê-lo perder mais sangue. Eu me levanto para
encontrar um pedaço de pau, mas quase imediatamente encontro a flecha que
ricocheteou na armadura de Cato. Isso acontece com a outra flecha. Quando eu me
inclino para pegá-las, a voz de Claudius Templesmith explode na arena.
“Saudações aos finalistas do septuagésimo quarto Hunger
Games. A mudança anterior foi revogada. Uma análise mais atenta às regras
revelou que apenas um vencedor está autorizado,” diz. “Boa sorte e que as
chances estejam em seu favor.”
Há um pequeno
barulho de estática e então nada mais. Eu fito Peeta com descrença enquanto a
verdade começa a fazer sentido. Eles nunca tiveram a intenção de deixar nós
dois vivos. Isso tudo foi planejado pelos Gamemakers para garantir o confronto
mais dramático da história. E como uma tola, caí nessa.
“Se você pensar
bem, isso não é uma surpresa,” ele diz suavemente. Observo como ele
dolorosamente consegue ficar de pé. Então ele está andando na minha direção,
como se fosse em câmera lenta, sua mão está puxando a faca do seu cinto –
Antes que eu
esteja consciente das minhas ações, meu arco está carregado com a flecha
apontada para o seu coração. Peeta levanta suas sobrancelhas e vejo que a faca
já não está mais em sua mão, e sim caiu na água. Deixo minha arma cair e dou um
passo para trás, meu rosto queimando em o que só pode ser vergonha.
“Não,” diz.
“Faça.” Peeta manca em minha direção e coloca a arma de volta às minhas mãos.
“Não posso,” digo.
“Não vou.”
“Faça. Antes que
eles mandem aqueles mutantes de volta ou algo do tipo. Não quero morrer como
Cato,” ele diz.
“Então você atira
em mim,” digo furiosa, empurrando a arma de volta para ele. “Você atira em mim
e vai para casa e viva com isso” E quando eu digo, sei que a morte agora mesmo
seria mais fácil que viver com isso.
“Você sabe que eu
não posso,” Peeta diz, jogando fora a arma. “Ótimo, vou primeiro, de qualquer
forma.” Ele se inclina para baixo e retira sua bandagem, eliminando a barreira
final entre seu sangue e a terra.
“Não, você não
pode se matar,” digo. Estou de joelhos, cobrindo desesperadamente a bandagem
sobre sua ferida.
“Katniss,” ele
diz. “É o que eu quero.”
“Você não vai me
deixar aqui sozinha,” digo. Porque se ele morrer, eu nunca irei para casa,
nunca realmente. Vou passar o resto da minha vida nessa arena tentando pensar
na minha saída.
“Escute,” ele diz
me puxando para eu ficar de pé. “Nós dois sabemos que eles precisam ter um
vencedor. E só pode ser um de nós. Por favor, faça isso. Por mim.” E ele começa
a falar o quanto me ama, o que a vida seria sem mim, mas eu parei de escutar
porque suas palavras anteriores estão presas na minha cabeça, girando
desesperadamente.
Nós dois sabemos
que eles precisam ter um vencedor.
Sim, eles precisam ter um vencedor. Sem um vencedor, toda a
coisa seria jogada na cara dos Gamemakers. Eles teriam falhado com o Capital.
Possivelmente seriam executados, lenta e dolorosamente, enquanto as câmeras
exibiriam cara imagem em todo o país.
Se Peera e eu
morrêssemos, eu eles pensassem que iríamos morrer...
Meus dedos se
atrapalham com a bolsa no meu cinto, soltando-a. Peeta vê e suas mãos agarram
meu pulso. “Não, não vou te deixar.”
“Confie em mim,”
sussurro. Ele segura meu olhar por um longo tempo antes de me solta. Eu solto a
parte superior da bolsa e coloco um punhado de bagas na sua mão. Então encho a
minha. “No três?”
Peeta se inclina
para baixo e me beija uma vez, muito gentilmente. “No três,” diz.
Ficamos de pé,
costas contra costas, nossas mãos vazias apertando uma a do outro.
“Mostre-os. Quero
que todos vejam,” diz.
Eu entendo meus
dedos, e as bagas escuras brilham ao sol. Dou um último aperto na mão de Peeta
como um sinal, ou um adeus, e começamos a contar. “Um.” Talvez eu esteja errada.
“Dois.” Talvez eles não se importem se nós morrêssemos. “Três!” É tarde demais
para mudar de idéia. Levanto minha mão para minha boca, lançando um último
olhar para o mundo. AS bagas acabam de passar pelos meus lábios quando as
trombetas começam a tocar.
A voz frenética de
Claudius Templesmith grita acima delas. “Parem! Parem! Damas e cavalheiros,
tenho o prazer de apresentar os vencedores dos septuagésimo quarto Hunger
Games, Katniss Everdeen e Peeta Mellark! Dou-lhes – os tributos do Distrito
Doze!”
26
Eu cuspi as pagas
da minha boca, limpando minha língua com a ponta da minha camisa para ter
certeza de que nenhum suco permaneça. Peeta me puxa para o lago onde nós dois
limpamos nossas bocas com água, e então caímos um nos braços do outro.
“Você não engoliu
nada?” pergunto a ele.
Ele balança a cabeça. “Você?”
“Acho que estaria
morta agora se tivesse,” digo. Posso ver seus lábios se movendo em resposta,
mas não posso escutá-lo acima do rugido da multidão no Capital que está tocando
ao vivo pelos autofalantes.
O aerobarco se
materializa acima de nossas cabeças e duas escadas caem, só que não há chance
de eu deixar Peeta. Eu mantenho um braço ao redor dele enquanto o ajudo a
subir, e nós dois colocamos um pé no primeiro degrau da escada. A corrente
elétrica nos congela no lugar, e dessa vez estou satisfeita porque não tenho
certeza de que Peeta pode subir o resto da escada. E visto que meus olhos estão
olhando para baixo, posso ver que enquanto nossos músculos estão imóveis, nada
está impedindo que o sangue seja drenado da perna de Peeta. Como previsto, no
minuto em que a porta se fecha atrás de nós e a corrente pára, ele cai no chão
inconsciente.
Meus dedos ainda
estão agarrando a parte de trás de sua jaqueta são fortemente que quando o
levam fica um punhado de tecido preto na minha mão. Médicos num branco estéril,
com máscaras e luvas, já preparados para operar, entram em ação. Peeta está tão
pálido e imóvel na mesa de prata, tubos e fios brotam dele de todas as
maneiras, e por um momento me esqueço de que estamos foram dos Games e vejo os
médicos como mais uma ameaça, mais um grupo de mutts designados a matá-lo.
Petrificada, eu corro até ele, mas sou pega e jogada em outro quarto, e uma
porta de vidro se fecha entre nós. Eu bato o vidro, gritando. Todos me ignoram
exceto um atendente do Capital que aparece atrás de mim e me oferece uma
bebida.
Eu caio no chão,
meu rosto contra a porta, encarando sem compreender a taça na minha mão. Suco
gelado de laranja, com um canudo enfeitado. Quão errado parece na minha mão
suja e cheia de sangue com unhas imundas e cicatrizes. Fico com água na boca
com o cheiro, mas o coloco cuidadosamente no chão, não confiando em algo tão
limpo e bonito.
Através do vidro,
vejo os médicos trabalhando com ardor em Peeta, suas rostos vincados em
concentração. Vejo o fluxo de líquidos, extraídos pelos tubos, observo a parede
de indicadores e luzes que significam nada para mim. Não estou certa, mas acho
que o coração dele parou duas vezes.
É como estar em
casa de novo, quando eles trazem uma pessoal irremediavelmente mutilada de uma
explosão da mina, ou uma mulher em seu terceiro dia de trabalho de parto, ou
uma criança faminta lutando contra a pneumonia e minha mãe e Prim, elas usam
essa mesma expressão em seus rostos. Agora é a hora de correr para a floresta,
para se esconder nos bosques até que o paciente tenha se ido há algum tempo e
em outra parte de Seam os carpinteiros fazem o caixão. Mas estou presa aqui
tanto pelas paredes do aero-barco como pela mesma força que mantém os entes
queridos da morte. Quantas vezes eu os vi, andando ao redor da nossa mesa da
cozinha e eu pensava, Por que eles não vão embora? Por que eles ficam para
assistir?
E agora eu sei. É
porque você não tem escolha.
Eu me assusto
quando pego alguém me encarando a apenas alguns centímetros de distância e
então percebe que é meu próprio rosto sendo refletido pelo vidro. Olhos
selvagens, bochechas
encovadas, meu cabelo emaranhado. Violenta. Selvagem. Louca.
Sem dúvidas todos estão a uma distância segura de mim.
A próxima coisa
que sei é que estamos pousando no teto do Centro de Treinamento e eles estão
levando Peeta, mas me deixando atrás da porta. Eu começo a me atirar contra o
vidro, gritando e eu acho que pego um relance se um cabelo rosa – deve ser
Effie, tem de ser Effie vindo me resgatar – quando sou picada por uma agulha
pelas costas.
Quando acordo,
temo me mover a princípio. Todo o teto brilha com uma luz amarela suave,
permitindo que eu veja que estou num quanto que contem apenas minha cama. Sem
portas, sem janelas visíveis. O ar tem um odor de algum picante e anti-séptico.
Meu braço direito tem alguns tubos que se estendem através da parede atrás de
mim. Estou nua, mas as roupas de cama são suaves contra minha pele. Eu
temporariamente levanto minha mão esquerda acima da coberta. Não foi apenas
limpa, minhas unhas estão perfeitamente ovais, as cicatrizes de queimaduras
estão menos proeminentes. Toco minha bochecha, meus lábios, a cicatriz enrugada
acima da minha sobrancelha, e estou apenas correndo meus dedos através do meu
cabelo sedoso quando congelo. Com apreensão, despenteio o cabelo acima de meu
ouvido esquerdo. Não, não foi uma ilusão. Posso ouvir novamente.
Tento me sentar,
mas algum tipo de larga tira de retenção ao redor da minha cintura me impede de
me levantar mais que alguns centímetros. O confinamento físico me deixa em
pânico e tento me levantar e livrar meus quadris através da tira quando uma
porção de parede se abre e entra a Avox ruiva carregando uma bandeja. Vê-la me
acalma e paro de tentar escapar. Quero fazer a ela um Milão de perguntas, mas
temo que alguma familiaridade cause algum dano a ela. Obviamente estou sendo
monitorada de perto. Ela coloca a bandeja sobre minhas coxas e pressiona algo
que me eleva para a posição sentada. Enquanto ela ajusta meus travesseiros,
arisco uma pergunta. Digo alto, tão claro quando minha voz enferrujada permita,
assim nada pareça ser um código. “Peeta conseguiu?” Ela assente para mim, e
quando desliza uma colher na minha mão, sinto uma pressão de amizade.
Acho que ela não
queria que eu morresse, apesar de tudo. E Peeta conseguiu. Claro que conseguiu.
Com todos esses equipamentos caros aqui. Ainda assim, não tinha certeza até
agora.
Quando a Avoz sai,
a porta se fecha silenciosamente atrás dela e me viro faminta para a bandeja.
Uma tigela de caldo, uma pequena porção de maçã, e um copo de água. É isso?
Penso, irritada. Meu jantar de retorno a casa não deveria ser um pouco mais
espetacular? Mas descubro que é um esforço terminar a refeição ante a mim. Meu
estômago parece ter uma contração do tamanho de um cavalo, e tenho de imaginar
quanto tempo estive fora, porque não tive problemas em comer um café da manhã
de um tamanho razoável naquela última manhã na arena. Há geralmente um
intervalo de poucos dias entre o fim da competição e a apresentação do
vencedor, para que eles possam colocar a pessoa faminta, ferida e acabada de
volta ao normal. Em algum lugar, Cinna e Portia estarão criando nossas vestes
para as aparições públicas. Haymitch e Effie estarão arranjando o banquete para
nossos patrocinadores, revisando as perguntas para nossa entrevista final. De
volta a casa, o Distrito 12 provavelmente está um caos enquanto eles tentam
organizar celebrações de boas vindas para mim e para Peeta, dado que a última
celebração desse tipo foi há quase trinta anos.
Casa! Prim e minha mãe! Gale! Até a lembrança do gato velho
e imundo de Prim me trás um sorriso. Em bree estarei em casa!
Quero sair dessa
cama. Para ver Peeta e Cinna, para descobrir mais sobre o que está acontecendo.
E por que eu não deveria? Estou bem. Mas quando eu tento começar meu caminho
fora da tira, sinto um líquido frio entrando na minha veia de um dos tubos e
quase imediatamente perco a consciência.
Isso continua a
acontecer por uma quantia indeterminada de tempo. Eu acordando, comendo, e,
embora resista ao impulso de tentar escapar da cama, sendo nocauteada
novamente. Pareço estar num crepúsculo contínuo e estranho. Registrando apenas
algumas coisas. A Avox ruiva que não retornou desde a alimentação, minhas
cicatrizes desaparecendo, e eu estou imaginando? Ou realmente ouço a voz de um
homem gritando Não com o sotaque de Capital, mas com o ritmo áspero de casa. E
não posso evitar ter uma vaga e confortante sensação de que alguém está
cuidando de mim.
Então finalmente,
a hora chega quando eu acordo e não há nada enviado no meu braço direito. A
restrição ao redor da minha cintura foi retirada e estou livre para me mover.
Começo a me sentar, mas estou presa pela visão das minhas mãos. A perfeição da
pele, macia e brilhante. Não só as cicatrizes da arena se foram, como também
aquelas que foram acumuladas ao longo dos anos caçando tinham sumido sem deixar
rastro. Minha testa parecia cetim, e quando tento encontrar a queimadura na
minha panturrilha, não há nada.
Deslizo minhas
pernas para fora da cama, nervosa por não saber se elas iriam suportar meu
peso, mas elas estão portes e firmes. Situado ao pé da cama há um traje que me
faz hesitar. É o que todos nós, tributos, usamos na arena. Olho para ele como
se ele tivesse dentes até eu me lembrar de que, é claro, isso é o que vou usar
para cumprimentar minha equipe.
Estou vestida em
menos de um minuto e inquieta defronte para a parede onde sei que há uma porta,
mesmo que eu não possa vê-la, quando de repente ela se abre. Entro num corredor
amplo e deserto que não parecia ter portas. Mas deve ter. E atrás de uma delas
deve estar Peeta. Agora que estou consciente e me movendo, fico mais e mais
ansiosa por causa dele. Ele deve estar bem ou então a Avox não teria dito
aquilo. Mas preciso vê-lo por mim mesma.
“Peeta!” grito, já
que não há ninguém para perguntar. Ouço meu nome em resposta, mas não é a voz
dele. É uma voz que me provoca primeiro irritação e depois entusiasmo. Effie.
Eu me viro e vejo
todos eles esperando numa grande sala ao fim do corredor – Effie, Haymitch, e
Cinna. Meus pés se movem sem hesitação. Talvez um vencedor deveria mostrar mais
moderação, mais superioridade, especialmente quando ela sabe que isso estará na
gravação, mas não me importo. Corro para eles e me surpreendo quando me lanço
nos braços do Haymitch primeiro. Quando ele sussurra no meu ouvido, “Bom
trabalho, querida,” não soa sarcástico. Effie está a beira das lágrimas e fica
tocando no meu cabelo e falando sobre como ela disse para todos que nós éramos
pérolas. Cinna apenas me abraça com força e não fiz nada. Então percebo que
Portia está ausente e sento um mai pressentimento.
“Onde está Portia?
Ela está com Peeta? Ele está bem, não está? Quero dizer, ele está vivo?” Eu
falo sem pensar.
“Ele está ótimo. Só que elas querem que vocês se encontrem
apenas na cerimônia,” diz Haymitch.
“Ah. É isso,”
digo. O momento terrível pensando na morte de Peeta passa. “Acho que queria
vê-lo por mim mesma.”
“Vá com Cinna. Ele
tem de te deixar pronta,” diz Haymitch.
É um alívio estar
sozinha com Cinna, sentir meu braço protetor ao redor dos meus ombros quando
ele me leva para longe das câmeras, por algumas passagens e para um elevador
que vai até o corredor do Centro de Treinamento. O hospital é muito mais
abaixo, até abaixo do ginásio onde os tributos praticaram amarrando cordas e
atirando lanças. As janelas do corredor estão escuras, e um punhado de guardas
está em serviço. Ninguém mais está lá para nos ver entrar no elevador dos
tributos. Nossos passos ecoam no vazio. E quando subimos para o décimo segundo
andar, os rosto de todos os tributos que nunca retornarão passam pela minha
cabeça e há um peso no meu peito.
Quando as portas
do elevador se abrem, Venia, Flavius e Octavia me engolem, falando tão
rapidamente e com êxtase que não posso acompanhar suas palavras. O sentimento
está claro, porém. Eles estão verdadeiramente excitados por me ver e estou
feliz por vê-los, também, embora não como eu estava quando vi Cinna. É mais na
forma como alguém ficaria feliz de ver um trio de animaizinhos ao fim de um dia
particularmente difícil.
Eles me levaram a
uma sala de jantar e tive uma refeição de verdade – bife assado, ervilhas e
pãezinhos – embora minhas porções ainda estivessem sendo bem controladas. Porque
quando eu pedi o segundo prato, levei um não.
“Não, não, não.
Eles não querem que você vomite tudo no palco,” diz Octavia, mas secretamente
ela desliza um pãozinho extra sob a mesa para eu saber que ela estava do meu
lado.
Voltamos para o
meu quarto e Cinna desaparece por um momento enquanto a equipe me deixa pronta.
“Ah, eles cuidaram
do seu corpo inteiro,” diz Flavius com inveja. “Nem uma falha foi deixada na
sua pele.”
Mas quando olho
para meu corpo nu refletido no espelho, tudo que posso ver é o quão magra
estou. Quero dizer, tenho certeza de que eu estava pior quando saí da arena,
mas posso facilmente contar minhas costelas.
Eles cuidam das
configurações do chuveiro para mim, e vão trabalhar no meu cabelo, unhas e
maquiagem quando eu termino o banho. Eles tagarelam tão continuamente que quase
não tenho de responder, o que é bom, visto que não sou muito faladora. É
divertido, porque embora eles estejam falando sobre os Games, é só sobre onde
eles estavam ou o que eles estavam fazendo ou como eles se sentiram quando um
evento específico aconteceu. “Eu ainda estava na cama!” “Eu tinha acabado de
pintar o meu cabelo!” “Juro que eu quase desmaiei!” Tudo é sobre eles, não
sobre garotos e garotas morrendo na arena.
Nós não chafurdamos em torno dos Games dessa maneira no
Distrito 12. Nós cerramos nossos dentes e assistimos porque devemos e tentamos
voltar para nosso trabalho logo que eles acabam. Para não odiar a minha equipe,
eu ignoro a maioria das coisas que eles dizem.
Cinna volta com o
que parece ser um despretensioso vestido amarelo nos braços.
“Você desistiu de
toda aquela coisa de ‘garota em chamas’?” pergunto.
“De fato,” ele
diz, e o desliza pela minha cabeça. Imediatamente percebo o enchimento sobre
meus seios, acrescentando curvas que a fome roubou do meu corpo. Minhas mãos
vão ao meu peito e eu franzo as sobrancelhas.
“Eu sei,” diz
Cinna antes que eu possa falar algo. “Mas os Gamemakers queriam alterar você
cirurgicamente. Haymitch fez uma grande briga para evitar isso. Isso foi o
prometido.” Ele me para antes que eu olhe para meu reflexo. “Espere, não se
esqueça dos sapatos.” Venia me ajuda a colocar um par de sandálias de couro
baixas e me viro para o espelho.
Eu ainda sou a
“garota em chamas”. O tecido brilha suavemente. Até o movimento de ar mais leve
ondula pelo meu corpo. Em comparação, o traje da carruagem parece extravagante,
o vestido da entrevista muito artificial. Nesse vestido, dou a ilusão de estar
vestida à luz de velas.
“O que você acha?”
pergunta Cinna.
“Acho que é melhor,”
digo. Quando conseguido tirar meus olhos do tecido brilhante, tenho um choque.
Meu cabelo está frouxo, preso num simples elástico. A maquiagem arredonda e
preenche os ângulos magros do meu rosto. Um esmalte claro sobre minhas unhas. O
vestido sem mangas se agarra às minhas costelas, e não à minha cintura,
eliminando em grande quantidade a necessidade de enchimento no meu corpo. A
bainha cai até meus joelhos. Sem saltos, você pode ser minha estatura. Eu
pareço muito simples, como uma garota. Uma garota jovem. Quatorze anos, no
máximo. Inocente. Inofensiva. Sim, é um choque que Cinna tenha imaginado isso
quando você se lembra de que eu acabei de ganhar os Games.
Essa é uma
aparência bem calculada. Nada que Cinna desenha é arbitrário. Mordo meu lábio
tentando imaginar sua motivação.
“Pensei que seria
algo mais... sofisticado,” digo.
“Eu achei que
Peeta gostaria mais disso,” ele responde cuidadosamente.
Peeta? Isso não
tem nada a ver com Peeta. Tem a ver com o Capital, os Gamemakers e a audiência.
Embora eu ainda não tenha entendido a idéia de Cinna, é um lembrete de que os
Games ainda não terminaram. E debaixo da sua resposta agradável, sinto um
aviso. De algo que ele não pode nem mencionar em frente a nossa própria equipe.
Tomamos o elevador
para o nível onde fomos treinados. É costumeiro o vencedor e seu time de
suporte subir de debaixo do palco. Primeiro a equipe, seguida pela escolta, o
estilista, o mentor, e finalmente o vencedor. Apenas nesse ano, com dois
vencedores que dividem a mesma escolta e o mesmo mentor, toda a coisa tem de
ser repensada. Eu me encontro numa área pouco iluminada debaixo do palco. Uma
nova placa de metal foi instalada para nos levar
para cima. Você ainda pode ver pequenas pilhas de serragem,
cheirar a pintura fresca. Cinna e a equipe vestem seus próprios trajes e tomam
suas posições, deixando-me sozinha. Na escuridão, vejo uma parece improvisada a
uns dez metros e assumo que Peeta está do outro lado.
O barulho da
multidão é alto, por isso não percebo Haymitch até ele me tocar no ombro. Dou
um pulo, assustada, ainda meio na arena, acho.
“Calma, sou só eu.
Deixe-me dar uma olhada em você,” Haymitch diz. Estendo meus braços e dou uma
volta. “Bom o bastante.”
Isso não é muito
um elogio. “Mas o quê?” digo.
Haymitch olha em volta
do espaço mofado, e parece tomar uma decisão. “Mas nada. Que tal um abraço para
dar sorte?”
Ok, esse é um
pedido estranho para Haymitch, mas, depois de tudo, somos vencedores. Talvez um
abraço para dar sorte seja regular. Mas, quando coloco meus braços ao redor do
seu pescoço, encontro-me emboscada em seu abraço. Ele começa a falar, muito
rápido, bem baixinho no meu ouvido, meu cabelo ocultando seus lábios.
“Escute. Vocês
estão com problemas. Dizem que o Capital está furioso por vocês se exibirem na arena.
A única coisa que eles não podem suportar é ser alvo de piada por toda a
Panem,” diz Haymitch.
Sinto medo me
percorrer, mas dou uma risada como se Haymitch estivesse dizendo algo
completamente deleitoso porque nada está cobrindo minha boca. “E agora?”
“A única defesa de
vocês é que vocês estavam completamente apaixonados e não eram responsáveis
pelos seus atos.” Haymitch se afasta e ajusta minha liga de cabelo. “Entendeu,
querida?” Ele poderia estar falando sobre qualquer coisa agora.
“Sim,” digo. “Você
disse isso a Peeta?”
“Eu não tenho de
dizer,” diz Haymitch. “Ele já está.”
“Mas você acha que
eu não estou?” digo, tomando a oportunidade para ajustar a brilhante gravata
vermelha que Cinna deve tê-lo forçado a usar.
“Desde quando
importa o que eu acho?” diz Haymitch. “Melhor tomar nossos lugares.” Ele me
leva até o círculo metálico. “Essa é a sua noite, querida. Aproveite.” Ele
beija minha testa e desaparece na escuridão.
Agarro minha saia,
querendo que ela seja mais longa, querendo que ela cubra o tremor do meu
joelho. Então percebo que é inútil. Todo o meu corpo está tremendo como uma
folha. Esperançosamente, deve ser por causa da minha excitação. Afinal, essa é
a minha noite.
O cheiro úmido e
mofado ameaça me sufocar debaixo do palco. Um suor frio e pegajoso brota da
minha pele e não posso evitar sentir que as tábuas acima da minha cabeça vão
desabar,
enterrar-me viva sob o entulho. Quando deixei a arena,
quando as trombetas tocaram, eu deveria estar salva. A partir de então. Pelo
resto da minha vida.
Mas se o que
Haymitch falou é verdade, e ele não tem razão para mentir, eu nunca estive em
um lugar tão perigoso na minha vida.
É bem pior que ser
caçada na arena. Ali, eu poderia apenas morrer. Fim da história. Mas aqui fora,
Prim, minha mãe, Gale, as pessoas do Distrito 12, todo mundo com que eu me
importo poderiam ser punidas se eu não conseguisse fingir ser a
garota-completamente-apaixonada que Haymicth sugeriu.
Então eu ainda
tenho uma chance, entretanto. Engraçado, na arena, quando eu peguei aquelas
bagas, eu estava apenas pensando em enganar os Gamemakers, não em como minhas
ações iriam refletir no Capital. Mas os Hunger Games são a arma deles e você
não deveria ser capaz de derrotá-la. Então agora o Capital vai agir como se
estivesse no controle o tempo todo. Como se eles tivessem orquestrado todo o
evento, até o suicídio duplo. Mas isso só vai funcionar se eu fingir com eles.
E Peeta... Peeta
vai sofrer, também, se isso sair errado. Mas o que Haymitch disse quando eu
perguntei se ele tinha contato a Peeta a situação? Que ele tinha de fingir que
estava desesperadamente apaixonado?
“Não tenho de
dizer. Ele já está.”
Já pensando antes
de mim nos Games novamente e consciente do perigo que corremos? Ou... já
desesperadamente apaixonado? Não sei. Eu nem comecei a analisar meus
sentimentos por Peeta. É muito complicado. O que eu fiz era parte dos Games.
Como oposição ao que eu fiz por raiva do Capital. Ou por causa do que seria
visto no Distrito 12. Ou porque, simplesmente, era a única coisa decente a ser
feita. Ou o que eu fiz porque me importava com ele.
Há questões a
serem solucionadas quando voltar para casa, na paz e quietude da floresta,
quando ninguém está observando. Não aqui como todos os olhos sobre mim. Mas não
vou ter esse luxo por sabe-se lá quanto tempo. E agora, a parte mais perigosa
dos Hunger Games está para começar.
27
O hino retumba em meus ouvidos, e ouço Caesar Flickerman
saudando o público. Será que ele sabe o quanto é crucial escolher as palavras
certas de agora em diante? Ele deveria saber. Ele vai querer nos ajudar. A
multidão irrompe em aplausos quando a equipe de preparação é apresentada.
Imagino Flaviu, Venia e Octavia gingando em direção ao palco e recebendo as
mais ridículas mesuras. É líquido e certo que eles não fazem a menor ideia.
Então, Effie é apresentada. Quanto tempo ela não esperou por esse momento.
Espero que seja capaz de aproveitar bastante porque por mais que Effie seja mal
orientada, ela possui um instinto bem certeiro para certas coisas e deve, pelo menos,
estar suspeitando de que estamos em apuros. Portia e Cinna recebem imensas
demonstrações de entusiasmo, é claro. Eles foram brilhantes, fizeram uma
estreia esplendorosa. Agora compreendo o vestido que Cinna escolheu para eu
usar essa noite. Vou precisar parecer mais ingênua e inocente do que nunca. A
aparição de Haymitch proporciona uma rodada de efusivos aplausos que dura pelo
menos cinco minutos. Bem, ele conseguiu um feito inédito. Manteve não só um,
mas dois tributos vivos. E se ele não tivesse me alertado em tempo hábil. Será
que eu agiria de maneira diferente? Será que eu os ostentaria o episódio das
amoras e esfregaria na cara da Capital? Não, acho que não. Mas eu poderia
facilmente me portar de modo muito menos convincente do que preciso agora.
Neste exato momento. Porque estou começando a sentir a placa de metal me
erguendo até o palco.
Luzes ofuscantes.
O bramido ensurdecedor sacode o metal abaixo de mim. Então, vejo Peeta a apenas
alguns metros de distância. Ele parece tão límpido, saudável e belo, que mal o
reconheço. Mas seu sorriso é o mesmo, seja na lama, seja na Capital e, quando o
vejo, dou três passos e me lanço em seus braços. Ele cambaleia para trás, quase
perdendo o equilíbrio, e é então que percebo que o equipamento de metal fininho
em sua mão é uma espécie de bengala.
Ele endireita a
postura e nós grudamos um no outro enquanto o público entra em estado de
ebulição. Ele está me beijando e o tempo todo estou pensando, Você sabe? Você
sabe o quanto estamos correndo perigo? Depois de mais ou menos dez minutos
disso, Caesar Flickerman dá um tapinha em seu ombro para que o show possa
prosseguir, e Peeta simplesmente o empurra para o lado sem nem mesmo olhar para
ele. O público enlouquece. Ciente ou não da história, Peeta está, como de
hábito, desempenhando o seu papel com muito talento.
Por fim, Haymitch
nos interrompe e nos dá um empurrãozinho bem-intencionado na direção da cadeira
do vitorioso. Normalmente, é uma única e bela cadeira de onde o tributo
vencedor assiste a um filme com os melhores momentos dos Jogos, mas como há
dois vencedores, os Gamemakers dos Games providenciaram um elegante sofá de
veludo vermelho. Tão pequena que minha mãe o chamaria de sofá do amor, eu acho.
Sento-me tão perto de Peeta que praticamente estou no seu colo, mas uma
olhadinha na direção de Haymitch me diz que isso não é suficiente. Chutando as
sandálias, ponho os pés ao lado e encosto a cabeça no ombro de Peeta. Seu braço
me envolve automaticamente e tenho a sensação de estar de vota à caverna,
enroscada nele, tentando me manter aquecida. Sua camisa é feita do mesmo
material amarelo que meu vestido, mas Portia o colocou em calças compridas
pretas. Em vez de sandálias, está usando um par de robustas botas pretas. Em
que ele mantém solidamente plantadas no chão do palco. Gostaria que Cinna
tivesse me dado um traje similar, sinto-me muito vulnerável nesse vestido
diáfano. Mas imagino que essa era exatamente a proposta.
Caesar Flickerman faz mais algumas piadas e então chega a
hora do show. Vai durar exatamente três horas e todas as pessoas de Panem devem
assistir. À medida que as luzes começam a diminuir de intensidade e a insígnia
aparece na tela, percebo que estou despreparada para tudo isso. Não quero
assistir a morte dos meus vinte e dois colegas tributos. Vi mortes suficientes
ao vivo. Meu coração começa a bater com força e sinto um impulso muito forte
para sair correndo dali. Como os outros vitoriosos encaram isso sozinhos?
Durante os melhores momentos, eles mostram de tempos em tempos a reação do
vencedor num quadradinho no canto da tela. Recordo-me de anos anteriores...
alguns são triunfantes, socando o ar, batendo no peito. A maioria parece
simplesmente atônita. Tudo o que sei é que a única coisa que está me mantendo
nesse sofá do amor é Peeta – seu braço em meu ombro, sua outra mão segura pelas
minhas duas. É claro que os vitoriosos anteriores não tinham em seu encalço a Capital
em busca de uma maneira de destruí-los.
Condensar várias
semanas em três horas é um feito impressionante, principalmente se
considerarmos a quantidade de câmeras que estavam sendo usadas de uma vez. Quem
quer que seja o responsável pela edição dos melhores momentos tem de escolher
que tipo de história deseja privilegiar. Esse ano, pela primeira vez, eles
estão contando uma história de amor. Sei que Peeta e eu vencemos, mas uma
quantidade de tempo desproporcional de tempo foi gasta conosco, desde o início.
Mas estou contente, porque isso acaba apoiando toda aquela coisa dos loucamente
apaixonados que é a minha defesa por haver desafiado a Capital, e ainda por
cima significa que nós não teremos muito tempo para sentir remorso pelas
mortes.
A primeira hora
fora focaliza os eventos que antecederam a entrada na arena, a colheita, a
viagem de carruagem pela Capital, nossas notas no treinamento e nossas
entrevistas. Há uma espécie de trilha sonora enaltecedora amparando as imagens
que as torna duplamente horríveis porque, é claro, quase todos que aparecem na
tela já estão mortos.
Assim que chegamos
à arena, há uma cobertura detalhada do banho de sangue e então os diretores
basicamente alternam entre tomadas dos tributos morrendo e tomadas de nós dois.
A maioria de Peeta, na verdade, é inegável que ele carregou nos ombros o
negócio do romance. Agora vejo o que o público viu, como ele enganou os
Profissionais a meu respeito, permaneceu acordado a noite inteira embaixo da
árvore das teleguiadas, lutou com Cato para que eu escapasse e, mesmo enquanto
estava deitado na lama, sussurou meu nome durante o sono. Comparada a ele, eu pareço
uma desalmada – lançando bolas de fogo, deixando cair ninhos de vespas e
explodindo suprimentos – até começar a rastrear Rue. Eles mostram sua morte
intelgramente, o arremesso da lança, minha fracassada tentativa de resgate,
minha flecha atravessando a garganta do garoto do Distrito 1, os últimos
suspiros de Rue em meus braços. E a canção. Apareço cantando todas as notas da
canção. Algo dentro de mim se fecha e fico insensível a tudo. É como assistir a
pessoas totalmente estranhas em outra edição dos Jogos Vorazes. Mas reparo que
eles omitem a parte em que cubro de flores.
Certo. Porque até
isso tem cheiro de rebelião.
As coisas melhoram
para mim no momento em que eles anunciam que dois tributos do mesmo distrito
podem ficar vivos e grito o nome de Peeta, e depois tapo a boca com a mão. Se
pareci indiferente a ele antes, compenso agora, encontrando-o, cuidando para
que ele volte a
ter saúde, indo ao ágape em busca de medicamentos e sendo
bastante liberal com os meus beijos.
Objetivamente,
consigo ver que as bestas e a morte de Cato são tão hediondas agora quanto
antes, mas, ainda sim, é como se tudo isso estivesse acontecendo com pessoas
que nunca vi na vida.
Então, chega o
episódio das amoras. Posso ouvir o público pedindo silêncio, disposto a não perder
nada. Uma onda de gratidão aos diretores do filme toma conta de mim quando vejo
que eles terminam não com o anúncio de nossa vitória, mas comigo dando socos na
porta de vidro do aerodeslizador, berrando por Peeta enquanto eles tentam
ressuscitá-lo.
Se tomarmos como
base os critérios que garantirão minha sobrevivência a partir de agora, esse é
o meu melhor momento em toda a noite.
O hino está sendo
tocado novamente e nós nos levantamos quando o Presidente Snow em pessoa sobe
ao palco seguido de uma garotinha carregando uma almofada onde se vê uma coroa.
Só há uma coroa, entretanto, e dá para ouvir a perplexidade da multidão – qual
das cabeças receberá a coroa? – até que o Presidente Snow torce o objeto,
separando-o em duas metades. Ele coloca a primeira metade na testa de Peeta com
um sorriso. Ele ainda sorrindo quando coloca a segunda metade em minha cabeça,
mas seus olhos, apenas alguns centímetros distantes dos meus, estão tão
implacáveis quanto os de uma serpente.
É ai que percebo
que, muito embora nós dois tivéssemos a intenção de comer amoras, sou eu a
culpada por ter tido a idieia. Eu sou a instigadora. Sou eu que merece a
punição.
Muitas mesuras e
saudações entusiasmadas se seguem. Meu braço está a ponto de cair de tanto
acenar para a multidão quando Caesar Flickerman finalmente dá o boa-noite ao
público, lembrando a todos que sintonizem amanhã para acompanhar as últimas
entrevistas. Como se houvesse alternativa.
Peeta e eu somos
conduzidos até a mansão do Presidente para o Banquete da Vitória, onde temos
muito pouco tempo para comer, já que funcionários da Capital e patrocionadores
particularmente generosos acotovelam-se no caminho tentando tirar fotos
conosco. Rostos e mais rostos resplandecentes despontam de todos os lados, cada
vez mais embriagados à medida que a noite avança. Ocasionalmente, vislumbro
Haymitch, o que é reconfortante, ou o Presidente Snow, o que é aterrorizante,
mas continuo rindo e agradecendo as pessoas e sorrindo para as fotos. A única
coisa que nunca faço é soltar a mão de Peeta.
O sol está
começando a surgir no horizonte quando nos dispersamos de volta ao décimo
segundo andar do Centro de Treinamento. Imagino que agora vou poder finalmente
conversar a sós com Peeta, mas Haymitch o manda ir com Portia arrumar alguma
coisa apropriada para a entrevista e me acompanha pessoalmente até os meus
aposentos.
“Por que não posso
falar com ele,” pergunto.
“Vai ter tempo de
sobra pra falar com ele quando a gente chegar em casa,” diz Haymitch. “Vai
dormir, você vai estar no ar às duas.”
Apesar da interferência apressada de Haymitch, estou
determinada a ver Peeta privadamente. Depois de virar e revisar na cama por
algumas horas, vou até o corredor. Meu primeiro pensamento é verificar o
telhado, mas está vazio. Mesmo as ruas da cidade bem abaixo estão desertas após
a celebração da noite de ontem. Volto para a cama por um tempo e então decido
ir diretamente ao quarto dele, mas quando tento girar a maçaneta, descubro que
a porta do meu quarto foi trancada pelo lado de fora. Suspeito de Haymitch, a
princípio, mas sinto um temor muito mais insidioso de que a Capital possa estar
nos monitorando e nos confinando. Estou impossibilitada de escapar desde qué e
os Jogos Vorazes começaram, mas isso aqui é diferente, muito mais pessoal. Isso
aqui me dá a sensação de que fui aprisionada por um crime e que estou
aguardando a sentença.
Volto rapidamente
para a cama e finjo dormir até que Effie Trinket aparece para me alertar para o
começo de mais um ”grande, grande, grande dia!”.
Tenho mais ou
menos cinco minutos para comer uma tijela de grãos refogados antes da chegada
da equipe de preparação. Tudo o que tenho de dizer é: “A multidão adorou
vocês!” e é desnecessário falar pelas próximas horas. Quando Cinna aparece, ele
dispensa todo mundo e me dá um vestido branco bem extravagante e sapatos
cor-de-rosa. Em seguida, ajusta pessoalmente minha maquiagem até parecer que
estou irradiando um brilho suave e rosado. Ficamos conversando, mas estou com
medo de perguntar a ele alguma coisa realmente importante porque, depois do
incidente da porta, não posso me livrar da sensação de estar sendo
constantemente observada.
A entrevista
acontece na sala de estar ao fim do corredor. Um espaço foi reservado e o sofá
do amor está agora em outra posição e cercado de vasos com flores vermelhas e
rosas. Só há um punhado de câmeras para registrar o evento. Pelo menos não há
plateia no local.
Caesar Flickerman
me dá um abraço afetuoso quando adentro o local. “Congratulações, Katniss. Como
está?”
“Bem. Nervosa com
a entrevista,” respondo.
“Não fique. Será
uma experiência agradabilíssima,” diz ele, dando um tapinha encorajador em
minha bochecha.
“Não sou muito boa
em falar sobre mim mesma,” digo.
“Você não cometerá
nenhum deslize,” ele diz.
E penso, Oh,
Caesar, se ao menos isso fosse verdade. A verdade é que o Presidente Snow deve
estar preparando alguma espécie de “acidente” para mim enquanto estivermos
conversando.
Então, Peeta
aparece, vistoso em vermelho e branco, puxando-me para o lado. “Quase não
consigo te ver. Haymitch parece empenhado em manter a gente afastado.”
Haymitch, na
verdade, está emprenhado em nos manter vivos, mas há ouvidos demais nos
escutando, de modo que digo apenas, “É mesmo, ele tem estado muito responsável
ultimamente.”
“Bem, só falta essa entrevista e voltamos pra casa. Aí ele
não mais poder ficar vigiando a gente o tempo todo” ele diz.
Sinto uma espécie
de arrepio percorrendo-me o corpo e não disponho de tempo para analisar o
motivo, porque eles já estão à nossa espera. Nós nos sentamos no sofá do amor
com uma certa formalidade, mas Caesar diz, “Ah, vamos lá, pode se enroscar nele
se quiser. Fica muito bonitinho.” Então, levanto os pés e Peeta me puxa para
perto dele.
Alguém faz a
contagem regressiva e, num átimo, nós estamos sendo transmitidos ao vivo para
todo o país. Caesar Flickerman é maravilhoso, implica, faz piada, se engasga
quando a ocasião é propícia. Ele e Peeta já possuem a cumplicidade que
estabeleceram naquela noite da primeira entrevista, aquele estado de espírito
alegre, então, eu apenas sorrio bastante e tento falar o menos possível. Enfim,
tenho de falar um pouco, mas, sempre que posso, redireciono a conversa para
Peeta.
Mas chega um
momento em que Caesar começa a colocar questões que demandam respostas completas.
“Bem, Peeta, sabemos, pelos dias que passamos naquela caverna, que foi amor à
primeira vista de sua parte desde quando, os cinco anos de idade?” pergunta
Caesar.
“Desde o momento
que pus os olhos nela pela primeira vez,” diz Peeta.
“Mas, Katniss, que
coisa, hein? Imagino que a parte mais excitante para o público tenha sido
assistir a você cedendo ao encantos dele. Quando você se deu conta de que
estava apaixonada por ele?” pergunta Caesar.
“Hum, essa é
difícil...” Dou um risinho leve e olho para as minhas mãos. Socorro.
“Bem, eu sei
quando a coisa me tocou. Na noite em que você gritou o nome dele daquela
árvore,” diz Caesar.
Obrigada Caesar!,
penso comigo mesma, e desenvolvo a idéia.
“Foi mesmo, acho
que foi lá. É o seguinte, até aquele momento, simplesmente tentava não pensar
quais poderiam ser os meus sentimentos, falando com toda honestidade, porque a
coisa toda era muito confusa e imaginar que eu realmente sentia alguma coisa
por ele só pioraria tudo ainda mais. Mas aí, naquela árvore, tudo mudou.”
“Por que você acha
que isso aconteceu?” demanda Caesar.
“Talvez... porque
pela primeira vez... haveria uma chance de eu ficar perto dele,” digo.
Atrás do
cameraman, vejo Haymitch dando uma espécie de rosnado de alívio e sei que fiz a
coisa certa. Caesar pega um lenço e precisa de um tempo porque está emocionado
demais. Sinto Peeta pressionando a testa na minha têmpora e em seguida
perguntando, “Então, agora que estou perto de você, o que é que você vai fazer
comigo?
Volto-me para ele
e digo, “Vou te colocar em algum lugar onde você não possa se machucar.” E,
quando ele me beija, as pessoas da sala dão um suspiro.
Para Caesar, esse é o momento natural para engatar a
conversa com todas as formas de ferimentos de que fomos vítimas na arena, queimaduras,
ferroadas e perfurações as mais diversas. Mas só esqueço que estou na frente
das câmeras quando o assunto passa a ser as bestas. E quando Caesar pergunta a
Peeta como sua “nova perna” está funcionando.
“Nova perna?” E
não consigo evitar levantar a barra da calça de Peeta. Oh, não,” sussurro,
tocando o equipamento de metal e plástico que subtituiu a carne.
“Ninguém contou
pra você?” pergunta Caesar, delicadamente. Balanço a cabeça.
“Eu não tive
oportunidade,” diz Peeta, dando ligeiramente de ombros.
“É minha culpa,”
digo. “Porque usei aquele torniquete.”
“Sim, é culpa sua
eu estar vivo,” diz Peeta.
“Ele tem razão,”
diz Caesar. “Ele certamente teria sangrado até morrer se não fosse por isso.”
Imagino que isso
seja verdade, mas não consigo deixar de me sentir chateada com relação a isso,
a ponto de sentir vontade de chorar, mas aí lembro que todo o país está me
assistindo, então, simplesmente enterro meu rosto na camisa de Peeta. Eles
levam alguns minutos para me convencer a tirar o rosto da camisa porque lá é
bem mais confortável, ninguém pode me ver. E quando reapareço, Caesar para um
pouco de me fazer perguntas para que eu tenha tempo de me recuperar. Na
realidade, ele me deixa em paz até o episódio das amoras.
“Katniss, sei que
você acabou de ter um choque, mas sou obrigado a perguntar. No momento em que
você pegou aquelas amoras, o que se passava em sua cabeça?” ele diz.
Faço uma longa
pausa antes de responder, tentando organizar meus pensamentos. Esse é o momento
crucial, que decidirá se desafiei mesmo a Capital ou fiquei tão louca com a
perspectiva de perder Peeta que não posso ser responsabilizada por minhas
ações. O incidente parece clamar por um grande e dramático discurso, mas tudo o
que sai da minha boca é uma frase quase inaudível, “Não sei, eu simplesmente...
não consegui suportar a ideia de... viver sem ele”
“Peeta? Alguma
coisa a acrescentar?” pergunta Caesar.
“Não, acho que
isso serve para nós dois,” diz.
Caesar faz um
sinal e a entrevista se encerra. Todos estão rindo e chorando e se abraçando,
mas ainda não tenho certeza até alcançar Haymitch. “Foi bom?” sussurro.
“Perfeito,”
responde ele.
Volto ao quarto
para pegar algumas coisas e descubro que não há nada a ser pego a não ser o
broche com o tordo que Madge me deu. Alguém o devolveu em meu quarto depois dos
Games. Eles nos conduzem pelas ruas em um carro de janelas escuras, e o trem
está esperando por nós. Quase não temos tempo de nos despedir de Cinna e
Portia, mas teremos de nos encontrar daqui a alguns meses, quando faremos a
turnê pelos distritos para
participarmos de várias cerimônias de comemoração pela
vitória. É a maneira de a Capital lembrar às pessoas que os Hunger Games nunca
se encerram de fato.
Nós recebemos
várias medalhas inúteis e todos terão de fingir que nos amam.
O trem começa a se
mover e nós mergulhamos na noite até ultrapassarmos o túnel, quando consigo
respirar livremente pela primeira vez desde a colheita. Effie está nos
acompanhando, assim como Haymitch, é claro. Nós começamos um farto jantar e nos
sentamos em silêncio em frente à televisão para assistir à reprise da
entrevista. Com a Capital a cada segundo mais distante de nós, começo a pensar
na minha casa. Em Prim e em minha mãe. Em Gale. Peço licença para trocar o
vestido por uma calça e uma camisa simples. À medida que retiro lenta e
cuidadosamente minha maquiagem do rosto e prendo os cabelos, começo a me
transformar novamente em mim mesma. Katniss Everdeen. Uma garota que mora na
Costura. Caça na Floresta. Negocia no Hob. Miro o espelho enquanto tento
lembrar quem sou e quem não sou. Quando reencontro, a pressão do braço de Peeta
em meus ombros já parece bem distante de mim.
Quando o trem faz
uma breve parada para reabastecer, nos é permitido sair para tomar um pouco de
ar fresco. Não há mais nenhuma necessidade de sermos vigiados. Peeta e eu
caminhamos ao longo do trilho, de mãos dadas, e não consigo achar nada para
dizer, agora que estamos sozinhos. Ele para para colher um maço de flores
silvestres para mim. Quando ele me entrega, faço um grande esforço para parecer
satisfeita. Porque ele não tem como saber que as flores rosas e brancas são a
cobertura das cebolas selvagens e só me fazem lembrar das horas que passei
colhendo-as na companhia de Gale.
Gale. A
perspectiva de encontrar Gale em questão de horas faz meu estômago revirar. Mas
por quê? Não consigo enquadrar bem a coisa em minha mente. Só sei que é como se
estivesse mentindo para alguém que confia em mim. Ou mais precisamente, para
duas pessoas. Estive me esquivando disso até agora por causa dos Games. Mas lá
em casa não haverá Games atrás dos quais poderei me esconder.
“Algum problema?”
pergunta Peeta.
“Nada,” respondo.
Nós continuamos a caminhada até o fim do trem, até onde tenho certeza quase
absoluta de que não há nenhuma câmera escondida nos arbustros rasteiros que
margeiam o trilho. Ainda assim nenhuma palavra me escapa da boca.
Haymitch me
assusta ao colocar a mão em minhas costas. Até agora, no meio do nada, ele
mantém o tom de voz baixo. “Excelente trabalho, vocês dois. Basta manter o
ritmo no distrito até que as câmeras desapareçam. A gente vai se dar bem.”
Observo-o retornar ao trem, evitando os olhos de Peeta.
“O que ele quis
dizer?,” pergunta Peeta.
“É a Capital. Eles
não gostaram da nossa armação com as amoras,” solto.
“O quê? Do que
você está falando?” pergunta ele.
“A coisa pareceu rebelde demais. Aí Haymitch tem me
orientado nos últimos dias para eu não piorar tudo,” digo.
“Orientado você?
Mas não a mim,” diz ele.
“Ele sabia que
você era suficientemente esperto para proceder da maneira correta,” digo.
“Eu não sabia que
havia algum motivo pra proceder de maneira correta,” diz Peeta. “Então, o que
você está dizendo é que, nesses últimos dias e também eu acho que... lá na
arena... aquilo não passou de uma estratégia que vocês dois bolaram?”
“Não, eu nem
conseguia conversar com ele na arena, não lembra?” insisto.
“Não você sabia o
que ele queria que você fizesse, não sabia?” diz Peeta. Mordo o lábio.
“Katniss?” Ele solta a minha mão e eu dou um passo à frente, como se estivesse
tentando me equilibrar. “As suas atitudes foram todas em função dos Games,” diz
Peeta.
“Nem todas,”
retruco, segurando minha flores com força.
“Então quais foram
e quais não foram? Não, não. Esquece isso. Aposto que a verdadeira questão é o que
vai sobrar quando a gente chegar em casa,” diz Peeta.
“Não sei. Quanto
mais a gente se aproxima do Distrito 12, mais confusa eu fico.” Ele espera mais
alguma explicação, mas nada acontece.
“Bem, me avisa
quando você tiver alguma resposta,” diz ele, e a dor em sua voz é perceptível.
Sei que meus
ouvidos estão curados porque, mesmo com o barulho do motor, consigo escutar
todos os passos que ele dá de volta ao trem. No momento em que subo a bordo,
Peeta já está em seu quarto para passar a noite. Também não o vejo na manhã
seguinte. Na realidade, ele só reaparece quando estamos entrando no Distrito
12. Ele me acena com a cabeça, o rosto inexpressivo.
Quero dizer a ele
que sua atitude não é justa. Que nós éramos estranhos. Que fiz o que era
preciso para permanecer viva, para que nós dois permanecêssemos vivos na arena.
Que não tenho como explicar como são as coisas com Gale porque não conheço nem
a mim mesma. Que não é uma boa ideia me amar porque nunca vou me casar mesmo e
ele ia acabar me odiando mais cedo ou mais tarde. Que não importa se tenho
algum sentimento por ele, porque jamais serei capaz de proporcionar o tipo de
amor que se transforma em uma família, em filhos. E como ele será capaz? Como
ele será capaz depois de tudo o que passamos naquela arena?
Também quero dizer
a ele o quanto já estou sentindo a sua falta. Mas isso não seria justo de minha
parte.
Então, apenas
ficamos parados em silêncio, observando nossa pequena e encardida estação
crescer à nossa volta. Pela janela, vejo que a plataforma está repleto de
câmeras. Todos devem estar assistindo ansiosamente à nossa volta para casa.
Com o canto do olho, vejo Peeta estender a mão. Olho para
ele, sem muita certeza. “Uma última vez? Para o público?” diz ele. Sua voz não
está zangada, o que é pior. O garoto do pão já está me escapando.
Pego sua mão,
segurando com firmeza, preparando-me para as câmeras e abominando o momento que
finalmente terei de soltá-la.
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FIM DO LIVRO UM
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